A revolução energética dos Estados Unidos e suas consequências para a geopolítica do petróleo no Oriente Médio
Por Juliana Queiroz *
Que os Estados Unidos estão vivendo uma revolução energética não é novidade para ninguém. Mas o que permanece uma incógnita é quanto tempo essa abundância de hidrocarbonetos vai durar e quais as consequências dela para a política externa norte-americana.
O ressurgimento da bacia do Atlântico como região produtora – com as revoluções energéticas dos Estados Unidos e Canadá e as descobertas do pré-sal no Brasil – altera o centro de gravidade da produção mundial de petróleo. Os EUA, por exemplo, de acordo com a Agência Internacional de Energia, se tornarão o maior produtor mundial de óleo já em 2015.
Ao mesmo tempo, a demanda se torna mais intensa nos países em desenvolvimento na Ásia, especialmente na China e na Índia. A primeira alcançou, em 2010, o posto de maior consumidor mundial de energia e atingirá, em 2030, a liderança no consumo de petróleo; a segunda intensificará sua demanda a partir de 2025, sendo a principal responsável por impulsionar a demanda energética mundial a partir de então.
Marcado pelo dinamismo e imprevisibilidade, o mercado mundial de energia refletirá essas mudanças através de um rearranjo nas relações entre as nações.
Em função da menor dependência do óleo advindo do Oriente Médio, agora existe um expressivo debate nos Estados Unidos se o país deve manter seus esforços e verbas na garantia da segurança do Golfo Pérsico. Embora muitos agentes políticos e intelectuais defendam que o cordão umbilical deve ser cortado, a questão não é tão simples e não se resume ao aspecto econômico/energético.
Manter-se comprometido e engajado no Oriente Médio cumprindo o papel de hegemon do Sistema garante um controle, ainda que indireto, sobre as vastas reservas convencionais – e portanto baratas – da região. Influenciar o acesso a esses hidrocarbonetos tem altíssima relevância estratégica, considerando a dependência energética da sociedade global atual.
Além disso, manter os fluxos do mercado e garantir o seu funcionamento impacta as nações produtoras e consumidoras. As primeiras, muitas vezes dependentes dos petrodólares, necessitam que o preço do barril seja cotado a determinado valor para manterem sua estabilidade e o funcionamento do aparato estatal. Por exemplo, uma cotação abaixo dos USD$ 90 por barril é capaz de desequilibrar a balança comercial da Angola, Nigéria e Venezuela.
Uma queda significativa dos preços pode levar a uma ruptura nesses e em outros países produtores, culminando numa crise de abastecimento de proporções globais. Essa crise tornaria inadiável a reformulação dos modelos econômicos e financeiros vigentes, colocando fim à ordem estabelecida pelos Estados Unidos ao fim da Segunda Guerra Mundial.
Não podendo se insular dessas rupturas, o país permanece com a missão de garantir a estabilidade e a paz no Oriente Médio – conforme assinalado pelo Secretário de Defesa Chuck Hagel, no Quadrennial Defense Review 2014 – investindo largas somas na região, contrariando os déficits recordes que vem apresentando nos últimos anos.
Isso porque a questão não se resume ao volume de óleo importado pelos Estados Unidos, mas sim ao poder. E o poder é o que impele as nações a se engajarem no sistema internacional, norteando suas políticas externas. É o poder – ou a busca por ele – que leva os EUA a agirem em prol da manutenção do status quo, ou seja, da manutenção da ordem sistêmica e de seu papel de hegemon.
O Rebalancing Towards Asia, anunciado pelo presidente Barack Obama em 2011, é mais uma variável dessa equação. A estratégia implica num melhor aproveitamento das forças lotadas fora dos Estados Unidos, sendo redirecionadas para regiões onde seu poderio está sendo demandado. O Rebalancing eleva a criticidade da Ásia na agenda americana, colocando-a junto ao Oriente Médio.
Coincidindo com o aumento dos fluxos de energia em direção à Ásia, a área priorizada pela nova estratégia americana abrange desde o subcontinente indiano até a costa oeste das Américas. O Estreito de Malacca – atrás apenas do Estreito de Hormuz em termos de fluxo de energia – está particularmente no centro do interesse americano.
Dessa forma, chega-se ao ponto crucial no qual não apenas o ponto de origem do hidrocarboneto deve ser protegido e o fluxo de energia garantido, mas também seu destino. A presença americana no Pacífico inibiria as disputas por territórios marítimos e a pirataria característica da região. Garantiria que mais de 15 milhões de barris por dia chegassem a seus destinos, assegurando a estabilidade do mercado. Possibilitaria que o sonho de preponderância americana continuasse vivo. Pelo menos até a próxima ameaça.
Em suma, mesmo que a revolução energética nos Estados Unidos torne o país menos exposto à volatilidade do mercado internacional, o bom funcionamento da ordem sistêmica depende do constante fluxo de energia advindo do Oriente Médio. Estima-se que desde 1976 até 2007, os Estados Unidos tenham investido 7,3 trilhões de dólares na proteção desse fluxo. E esse movimento tende a continuar uma vez que nenhuma outra nação está disposta a assumir essa responsabilidade ou tem capacidade militar para tal.
Nesse contexto, a presença americana no Oriente Médio está relacionada à capacidade de projeção americana. Retirar suas tropas ou negligenciar a região a deixaria vulnerável ao soft e hard powers de nações não alinhadas aos interesses americanos.
Por conter vastas reservas recuperáveis de hidrocarbonetos, dos quais a sociedade internacional é altamente dependente, o Oriente Médio continua sendo estratégico. Qualquer nação capaz de exercer influência sobre essa região é capaz também de controlar esses recursos, ainda que indiretamente. Na concepção americana, uma influência contrária a seus interesses nessa região poderia colocar em risco a ordem internacional alterando o status quo do sistema. Em síntese, influenciar o Oriente Médio significa concretamente poder.
Dessa forma, fica evidente que o interesse americano pela região não se resume ao volume de óleo que os Estados Unidos importam. O interesse e o exercício de poder americano no Oriente Médio constituem uma das prioridades da estratégia nacional de longo prazo; dessa forma, os exercícios militares e diplomáticos voltados para perpetuidade da influência americana na região não vão cessar.
(*) Graduada em Relações Internacionais pela UFRJ; sendo este texto baseado em sua monografia de final de curso: A Revolução Energética dos Estados Unidos e suas consequências para a geopolítica do petróleo no Oriente Médio.
Que os Estados Unidos estão vivendo uma revolução energética não é novidade para ninguém. Mas o que permanece uma incógnita é quanto tempo essa abundância de hidrocarbonetos vai durar e quais as consequências dela para a política externa norte-americana.
O ressurgimento da bacia do Atlântico como região produtora – com as revoluções energéticas dos Estados Unidos e Canadá e as descobertas do pré-sal no Brasil – altera o centro de gravidade da produção mundial de petróleo. Os EUA, por exemplo, de acordo com a Agência Internacional de Energia, se tornarão o maior produtor mundial de óleo já em 2015.
Ao mesmo tempo, a demanda se torna mais intensa nos países em desenvolvimento na Ásia, especialmente na China e na Índia. A primeira alcançou, em 2010, o posto de maior consumidor mundial de energia e atingirá, em 2030, a liderança no consumo de petróleo; a segunda intensificará sua demanda a partir de 2025, sendo a principal responsável por impulsionar a demanda energética mundial a partir de então.
Marcado pelo dinamismo e imprevisibilidade, o mercado mundial de energia refletirá essas mudanças através de um rearranjo nas relações entre as nações.
Em função da menor dependência do óleo advindo do Oriente Médio, agora existe um expressivo debate nos Estados Unidos se o país deve manter seus esforços e verbas na garantia da segurança do Golfo Pérsico. Embora muitos agentes políticos e intelectuais defendam que o cordão umbilical deve ser cortado, a questão não é tão simples e não se resume ao aspecto econômico/energético.
Manter-se comprometido e engajado no Oriente Médio cumprindo o papel de hegemon do Sistema garante um controle, ainda que indireto, sobre as vastas reservas convencionais – e portanto baratas – da região. Influenciar o acesso a esses hidrocarbonetos tem altíssima relevância estratégica, considerando a dependência energética da sociedade global atual.
Além disso, manter os fluxos do mercado e garantir o seu funcionamento impacta as nações produtoras e consumidoras. As primeiras, muitas vezes dependentes dos petrodólares, necessitam que o preço do barril seja cotado a determinado valor para manterem sua estabilidade e o funcionamento do aparato estatal. Por exemplo, uma cotação abaixo dos USD$ 90 por barril é capaz de desequilibrar a balança comercial da Angola, Nigéria e Venezuela.
Uma queda significativa dos preços pode levar a uma ruptura nesses e em outros países produtores, culminando numa crise de abastecimento de proporções globais. Essa crise tornaria inadiável a reformulação dos modelos econômicos e financeiros vigentes, colocando fim à ordem estabelecida pelos Estados Unidos ao fim da Segunda Guerra Mundial.
Não podendo se insular dessas rupturas, o país permanece com a missão de garantir a estabilidade e a paz no Oriente Médio – conforme assinalado pelo Secretário de Defesa Chuck Hagel, no Quadrennial Defense Review 2014 – investindo largas somas na região, contrariando os déficits recordes que vem apresentando nos últimos anos.
Isso porque a questão não se resume ao volume de óleo importado pelos Estados Unidos, mas sim ao poder. E o poder é o que impele as nações a se engajarem no sistema internacional, norteando suas políticas externas. É o poder – ou a busca por ele – que leva os EUA a agirem em prol da manutenção do status quo, ou seja, da manutenção da ordem sistêmica e de seu papel de hegemon.
O Rebalancing Towards Asia, anunciado pelo presidente Barack Obama em 2011, é mais uma variável dessa equação. A estratégia implica num melhor aproveitamento das forças lotadas fora dos Estados Unidos, sendo redirecionadas para regiões onde seu poderio está sendo demandado. O Rebalancing eleva a criticidade da Ásia na agenda americana, colocando-a junto ao Oriente Médio.
Coincidindo com o aumento dos fluxos de energia em direção à Ásia, a área priorizada pela nova estratégia americana abrange desde o subcontinente indiano até a costa oeste das Américas. O Estreito de Malacca – atrás apenas do Estreito de Hormuz em termos de fluxo de energia – está particularmente no centro do interesse americano.
Dessa forma, chega-se ao ponto crucial no qual não apenas o ponto de origem do hidrocarboneto deve ser protegido e o fluxo de energia garantido, mas também seu destino. A presença americana no Pacífico inibiria as disputas por territórios marítimos e a pirataria característica da região. Garantiria que mais de 15 milhões de barris por dia chegassem a seus destinos, assegurando a estabilidade do mercado. Possibilitaria que o sonho de preponderância americana continuasse vivo. Pelo menos até a próxima ameaça.
Em suma, mesmo que a revolução energética nos Estados Unidos torne o país menos exposto à volatilidade do mercado internacional, o bom funcionamento da ordem sistêmica depende do constante fluxo de energia advindo do Oriente Médio. Estima-se que desde 1976 até 2007, os Estados Unidos tenham investido 7,3 trilhões de dólares na proteção desse fluxo. E esse movimento tende a continuar uma vez que nenhuma outra nação está disposta a assumir essa responsabilidade ou tem capacidade militar para tal.
Nesse contexto, a presença americana no Oriente Médio está relacionada à capacidade de projeção americana. Retirar suas tropas ou negligenciar a região a deixaria vulnerável ao soft e hard powers de nações não alinhadas aos interesses americanos.
Por conter vastas reservas recuperáveis de hidrocarbonetos, dos quais a sociedade internacional é altamente dependente, o Oriente Médio continua sendo estratégico. Qualquer nação capaz de exercer influência sobre essa região é capaz também de controlar esses recursos, ainda que indiretamente. Na concepção americana, uma influência contrária a seus interesses nessa região poderia colocar em risco a ordem internacional alterando o status quo do sistema. Em síntese, influenciar o Oriente Médio significa concretamente poder.
Dessa forma, fica evidente que o interesse americano pela região não se resume ao volume de óleo que os Estados Unidos importam. O interesse e o exercício de poder americano no Oriente Médio constituem uma das prioridades da estratégia nacional de longo prazo; dessa forma, os exercícios militares e diplomáticos voltados para perpetuidade da influência americana na região não vão cessar.
(*) Graduada em Relações Internacionais pela UFRJ; sendo este texto baseado em sua monografia de final de curso: A Revolução Energética dos Estados Unidos e suas consequências para a geopolítica do petróleo no Oriente Médio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário