terça-feira, 28 de outubro de 2014

EUA - Maior concentração de riqueza desde os anos 20.

EUA têm maior concentração de riqueza desde os anos 20


A desigualdade de riqueza cresceu com força nos Estados Unidos nas últimas décadas. A fatia do patrimônio do país nas mãos do 0,1% das famílias mais ricas subiu de 7%, no fim dos anos 1970, para 22% em 2012, segundo estudo dos economistas Emmanuel Saez e Gabriel Zucman.
A reportagem é de Sergio Lamucci, publicada pelo jornal Valor, 27-10-2014.
Nesse período, a desigualdade econômica nos EUA não cresceu apenas por causa da alta do rendimento do trabalho dos mais ricos, mas também devido ao aumento explosivo da concentração de riqueza, definida no estudo como o total de ativos (imóveis, ações, poupança para aposentadoria e contas bancárias) menos dívidas.

No 0,1% mais rico, estão 160 mil famílias com patrimônio líquido de US$ 20 milhões ou mais. Em 2012, elas detinham uma fatia da riqueza um pouco menor do que a registrada no fim dos anos 1920, a época marcada pelas fortunas herdadas dos chamados "barões ladrões", como ficaram conhecidos alguns dos grandes empresários americanos das últimas décadas do século XIX.
O estudo ressalta que apenas a riqueza de "uma pequena fração da população" cresceu com força nas décadas recentes. Enquanto a fatia do patrimônio do 0,1% mais rico aumentou muito, o mesmo não ocorreu com a do 0,9% seguinte, ou seja, aquelas famílias que estão entre o 1% mais rico e o 0,1% que se encontra no topo. No caso dos 10% mais ricos, a riqueza na verdade caiu um pouco ao longo das últimas quatro décadas.
"Em outras palavras, as fortunas das famílias de US$ 20 milhões ou mais cresceu muito mais rápido do que a daquelas que detêm alguns poucos milhões", resumem Zucman, da London School of Economics (LSE), e Saez, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, para quem a desigualdade de riqueza nos EUA "explodiu". Saez já escreveu vários trabalhos com o francês Thomas Piketty, autor do best-seller sobre desigualdade "Capital no Século XXI", discutido intensamente neste ano, quando foi lançado nos EUA.
Outro aspecto da evolução da riqueza nos EUA nas últimas décadas é a erosão do patrimônio da classe média e dos pobres. Uma mudança estrutural ocorrida no país desde os anos 1920 foi a ascensão patrimonial da classe média, especialmente por causa do avanço de aposentadorias e do aumento do número de proprietários de imóveis. Com isso, a fatia do patrimônio nas mãos dos 90% mais pobres subiu de 15% nos anos 1920 para 36% em meados dos anos 1980, passando a cair depois. Em 2012, eles tinham 23% do total da riqueza nos EUA, o mesmo nível observado em 1940. A riqueza média desses 90% era de US$ 80 mil em 2012.
Saez e Zucman destacam o crescente endividamento da maior parte dos americanos para explicar esse tombo. Muitas famílias de classe média possuem imóveis e aposentadorias, mas também têm pesados financiamentos imobiliários para pagar, além de dívidas de crédito ao consumidor e empréstimos estudantis. O patrimônio médio desses 90% aumentou durante a bolha do mercado de ações no fim dos anos 1990 e da bolsa do mercado imobiliário do começo dos anos 2000, mas entrou colapso durante e depois da Grande Recessão de 2007 e 2009.
Nas últimas décadas, os salários dessa parcela da população subiram pouco, descontada a inflação, enquanto os americanos mais ricos viram o rendimento aumentar com força. Ao mesmo tempo, a capacidade de poupança da classe média e dos mais pobres derreteu. O 1% mais rico consegue poupar cerca de 35% da renda, ao passo que os 90% mais pobres não economizam quase nada.
Para mudar esse quadro, Saez e Zucman sugerem a adoção de políticas que reduzam a concentração de riqueza, para evitar que patrimônios construídos pelas pessoas se transformem em fortunas herdadas. "A tributação progressiva da renda e de imóveis foi uma ferramenta fundamental que reduziu a concentração de riqueza depois da Grande Depressão." Seria a hora, segundo eles, de usar esses instrumentos novamente. Para Saez e Zucman, também é importante adotar medidas de regulação financeira para conter empréstimos predatórios, assim como incentivar planos de aposentadoria para a classe média.
A crescente desigualdade de renda e de riqueza nos EUA tem lugar de destaque no debate público no país. Há dez dias, a presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), Janet Yellen, tratou longamente do assunto, um tema incomum na agenda de banqueiros centrais.

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