Terça, 28 de outubro de 2014
Reeleição de Dilma coloca PT frente a bifurcação histórica
Centrais e movimentos começam a cobrar compromissos firmados na
campanha e prometem pressão sobre Congresso de cunho conservador.
Deputados e analistas defendem ousadia e governo à esquerda.
A reportagem é publicada por Rede Brasil Atual - RBA
A reeleição de Dilma Rousseff coloca o PT frente a uma bifurcação histórica: governar por quatro anos com apoio popular e pressão permanente sobre o Congresso ou buscar um novo pacto de conciliação nacional que permita um mandato ao centro, sem enfrentamentos com setores tradicionais da política brasileira.
A inédita união de movimentos sociais em torno da candidatura da presidenta, em especial no segundo turno, levou a compromissos progressistas ao longo da campanha. Contudo, se antes havia um fator aglutinador na rejeição à figura de Aécio Neves (PSDB), a questão que se trava agora é a união por pautas comuns. E, neste sentido, Dilma tem ao mesmo tempo a força das urnas para capitalizar em torno de avanços e a dificuldade de equilibrar uma pauta ampla. O primeiro sinal foi positivo: ao promover o discurso da vitória, a petista afirmou ter entendido que foi reeleita para promover mudanças e reiterou que a pauta prioritária é o plebiscito pela reforma política.
Dilma manifestou, ao longo dos últimos meses, apoio a que se realize um plebiscito pela reforma política prevendo o fim do financiamento empresarial de campanha, compromisso reiterado logo após a vitória. Trata-se de uma ideia que pode ter o poder de manter unidas centenas de organizações que se juntaram para organizar uma consulta popular realizada entre 1º e 7 de setembro, quando quase oito milhões de pessoas se manifestaram a favor de uma alteração radical no sistema partidário.
Porém, apenas esse ponto não será suficiente para dar vazão a tantas demandas. A margem apertada na vitória, quando acabou com 51,64% dos votos válidos, contra 48,36% de Aécio Neves, leva a que setores da oposição se sintam encorajados a questionar a legitimidade da presidenta para exercer o novo mandato. No discurso da vitória, porém, Dilma afirmou que esta diferença pequena deve ser entendida como um sinal de que é necessário dialogar com amplos setores e construir propostas de consenso.
“A presidenta tem que nomear um ministério mais qualificado e dar mais autonomia aos ministros, ao invés de centralizar tudo e querer ser onisciente”, afirma o professor da Fundação Escola de Sociologia e Política (Fesp) de São Paulo, Aldo Fornazieri. “No discurso de vitória, Dilma prometeu mais diálogo. Houve um tom autocrítico, quando ela disse que será uma presidenta melhor. Reconheceu que seu governo foi burocrático. E apontou para mudanças. Esse resultado apertado foi também sinal de alerta para o PT e o governo.”
Além do resultado apertado, Dilma tem prazo curto para sinalizar com mudanças. Não só porque os grupos que a levaram à reeleição desejam compromisso com pautas concretas, mas porque é possível aproveitar o impulso da vitória para garantir vitórias no Legislativo. “Seria excepcional encaminhar essas pautas sociais ainda este ano para o Congresso Nacional, com o poder majoritário das urnas”, avalia a professora Maria do Socorro Sousa Braga, de Ciências Políticas da Universidade Federal de São Paulo (UFScar). “A população que votou nela e os movimentos sociais acreditam que essas mudanças são fundamentais. O eleitorado ia se fortalecer e ela começaria um novo mandato mais fortalecida com esses segmentos.”
De fato, daqui até dezembro, Dilma tem uma vida menos complicada com o Legislativo. Na Câmara, o PT passará de 88 para 70 deputados e o PMDB vai de 71 para 66, ao passo que o PSDB sobe de 44 para 55. O tom geral das eleições de outubro foi o fortalecimento das bancadas moralista, ruralista e empresarial, o que dificulta a vida da petista em um mandato em que terá de buscar uma agenda progressista que dialogue com um segmento do eleitorado que deixou de votar em seu partido e com movimentos sociais que a apoiaram.
Além disso, a escolha do próximo presidente da Casa guarda um agravante para as intenções da petista: o peemedebista Eduardo Cunha (RJ), conhecido por impor uma pauta conservadora e fazer oposição ao Palácio do Planalto, pretende pleitear a vaga, desrespeitando a tradição de que a maior bancada tem direito ao comando.
No Senado, que renovou um terço da Casa, cinco dos novos 27 parlamentares são do PMDB, que terá 19 parlamentares. O PT ficou em segundo, com 13, e o PSDB terá 10 integrantes, entre eles o paulista José Serra, o mineiro Antonio Anastasia, o cearense Tasso Jereissati, que retorna à Casa após um período sem mandato, e o derrotado Aécio Neves.
"É um momento de ruptura com o estilo de conciliação de interesses montado pelo governo Lula. As urnas a empurram para um outro lado", resume o sociólogo e cientista social Rudá Ricci, que acredita que a presidenta deve pressionar até o próprio partido para relacionar-se mais com a sociedade, em contraposição a uma agenda conservadora que deve vir com força a partir de 2015. "Agora, nos próximos anos, vamos ver o crescimento de um cunho fundamentalista religioso, que vai ser mais perigoso do que o PSDB. Será uma direita sem dúvidas e a liderança já formada, aí, é o Marco Feliciano."
O diretor-geral do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Cândido Grzybowski, entende que Dilma precisará ter mais ousadia se quiser fazer um bom mandato e enfrentar as dificuldades impostas por deputados e senadores. "Caso contrário, estaremos caminhando para um empate e teremos uma democracia incapaz de gerar as mudanças que as ruas demandaram. Será uma batalha contra os interesses privados, o agronegócio e a força das igrejas. Dilma tem que ter ousadia”, afirma. "Se Dilma ganhou é porque há confiança de setores da sociedade civil organizada que mais mudanças podem acontecer e porque há demanda por mais avanços. Os movimentos sociais foram decisivos, senão ela não ganhava."
Os próprios parlamentares do PT entendem que será necessária uma dose muito maior de mobilização social, o que passa por ouvir os movimentos a respeito de suas pautas e entender quais são as prioridades da população. "Ao povo trabalhador, se nós íamos a Brasília rodear o Congresso pela redução da jornada de trabalho, agora será fundamental que a sociedade ocupe Brasília em todos os momentos", admite o líder da bancada petista, Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho (SP).
Há a expectativa de saber se Dilma, em particular, e os integrantes do PT, de forma geral, saberão captar o momento e garantir a mobilização permanente proposta por Vicentinho. Nesse sentido, as manifestações de junho de 2013 já haviam dado sinais de que era preciso mudar as relações do PT com partidos de caráter mais conservador e estabelecer novas pontes com os jovens e a esquerda.
O ex-ministro do Desenvolvimento Social Patrus Ananias, deputado federal eleito pelo PT mineiro, entende que as forças progressistas foram responsáveis pela vitória de Dilma e, portanto, merecem atenção especial no segundo mandato. “É importante manter o diálogo com todas as forças políticas do país, reafirmando e fortalecendo o Estado democrático de direito, o respeito e a convivência com quem pensa diferente, mas temos de reafirmar a nossa agenda.”
Para além do campo das convicções, a forma como se desenrolou o processo eleitoral e o desfecho dele deixam sinais de que não há, para Dilma e o PT, forma de obter avanços que não seja pelo apoio de setores sociais. Além do crescimento conservador no Congresso, há os sinais de que um nicho da oposição pretende até mesmo inviabilizar o mandato presidencial por meio de ações judiciais e o avanço da mídia tradicional em seu caráter opositor ao atual governo.
A capa da revista Veja, publicada na sexta-feira (24) pré-eleitoral, com denúncias infundadas que relacionavam a presidenta e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a um esquema de corrupção na Petrobras, e a repercussão do caso pelo Jornal Nacional na noite que antecedeu o início da votação, são entendidos por integrantes de movimentos sociais e analistas políticos como sinais de que o governo deve deixar de lado a ideia de conciliação com esse segmento da imprensa.
"Foi praticamente uma eleição do PT mais alguns grupos e organizações políticas contra o restante. Contra a mídia, contra o mercado financeiro”, resume o filósofo José Antonio Moroni, membro da Direção Colegiada do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). "Ou Dilma governa com o povo na rua apoiando e ela pautando a reforma que está todo o mundo querendo, ou ela vai ter a população contra ela."
Quem esteve ao lado de Dilma nas eleições concorda. Nas últimas semanas, o presidente da CUT, Vagner Freitas, veio trabalhando na comparação do projeto encabeçado pelo PT e o representado por Aécio Neves e o PSDB. Ele não teve dúvidas de que o segundo simbolizava a possibilidade de retrocessos graves para os trabalhadores.
No entanto isso foi é uma etapa vencida, diz Freitas. "Já cumprimos o nosso papel. Agora, vem a fase da cobrança", afirma. "É verdade que o Brasil elegeu uma presidenta progressista, mas elegeu um Congresso extremamente conservador. Vamos disputar agenda com o governo. Mesmo na coalizão da presidenta Dilma, há muitos conservadores. Serão quatro anos de caravanas a Brasília."
Apoiador de Aécio, o presidente da Força Sindical, Miguel Torres, considera que as centrais continuarão alinhadas em torno de reivindicações comuns, como a redução da jornada e o fim do fator previdenciário. "O movimento sindical tem esse compromisso de unidade na luta. Nossas bandeiras já são conhecidas", declara, citando ainda questões como a política de valorização do salário mínimo, a correção da tabela do Imposto de Renda, valorização das aposentadorias e combate à terceirização. "Acho que o movimento sindical não vai se dividir nisso."
Para além do movimento sindical, entidades que atuam em outros tipos de mobilização deixaram claro, no dia após a vitória, que o apoio eleitoral não se manterá ao longo do mandato e que Dilma tem de ser rápida com gestos à esquerda. O Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), que pela primeira vez apoiou abertamente uma candidatura, ainda que como contraposição ao retrocesso representado por Aécio, considera agora que chegou o momento das “grandes lutas” para garantir a aprovação de uma série de reformas populares.
“Para avançar no conjunto das reformas, vai ser necessário um amplo processo de pressão e mobilização de rua e o MTST está se preparando para fazer parte disso”, diz o coordenador nacional da organização, Guilherme Boulos, que escolhe a reforma política como uma questão nevrálgica.
A ampliação de pautas de reivindicação pode ajudar na manutenção de certa unidade da esquerda que se formou ao longo do processo eleitoral. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) deixou claro que avalia a democratização dos meios de comunicação como uma agenda fundamental para o governo Dilma.
Em entrevista divulgada pelo MST, o coordenador nacional Alexandre Conceição afirmou ainda esperar compromissos amplos com os trabalhadores, os camponeses e a população LGBT. “Para garantir essas bandeiras de luta, a presidenta vai ter que governar com o povo nas ruas, pois o Congresso, fisiologista e conservador, pode derrotar seu governo no parlamento, e suas alianças partidárias também não são confiáveis.”
A reportagem é publicada por Rede Brasil Atual - RBA
A reeleição de Dilma Rousseff coloca o PT frente a uma bifurcação histórica: governar por quatro anos com apoio popular e pressão permanente sobre o Congresso ou buscar um novo pacto de conciliação nacional que permita um mandato ao centro, sem enfrentamentos com setores tradicionais da política brasileira.
A inédita união de movimentos sociais em torno da candidatura da presidenta, em especial no segundo turno, levou a compromissos progressistas ao longo da campanha. Contudo, se antes havia um fator aglutinador na rejeição à figura de Aécio Neves (PSDB), a questão que se trava agora é a união por pautas comuns. E, neste sentido, Dilma tem ao mesmo tempo a força das urnas para capitalizar em torno de avanços e a dificuldade de equilibrar uma pauta ampla. O primeiro sinal foi positivo: ao promover o discurso da vitória, a petista afirmou ter entendido que foi reeleita para promover mudanças e reiterou que a pauta prioritária é o plebiscito pela reforma política.
Dilma manifestou, ao longo dos últimos meses, apoio a que se realize um plebiscito pela reforma política prevendo o fim do financiamento empresarial de campanha, compromisso reiterado logo após a vitória. Trata-se de uma ideia que pode ter o poder de manter unidas centenas de organizações que se juntaram para organizar uma consulta popular realizada entre 1º e 7 de setembro, quando quase oito milhões de pessoas se manifestaram a favor de uma alteração radical no sistema partidário.
Porém, apenas esse ponto não será suficiente para dar vazão a tantas demandas. A margem apertada na vitória, quando acabou com 51,64% dos votos válidos, contra 48,36% de Aécio Neves, leva a que setores da oposição se sintam encorajados a questionar a legitimidade da presidenta para exercer o novo mandato. No discurso da vitória, porém, Dilma afirmou que esta diferença pequena deve ser entendida como um sinal de que é necessário dialogar com amplos setores e construir propostas de consenso.
“A presidenta tem que nomear um ministério mais qualificado e dar mais autonomia aos ministros, ao invés de centralizar tudo e querer ser onisciente”, afirma o professor da Fundação Escola de Sociologia e Política (Fesp) de São Paulo, Aldo Fornazieri. “No discurso de vitória, Dilma prometeu mais diálogo. Houve um tom autocrítico, quando ela disse que será uma presidenta melhor. Reconheceu que seu governo foi burocrático. E apontou para mudanças. Esse resultado apertado foi também sinal de alerta para o PT e o governo.”
Além do resultado apertado, Dilma tem prazo curto para sinalizar com mudanças. Não só porque os grupos que a levaram à reeleição desejam compromisso com pautas concretas, mas porque é possível aproveitar o impulso da vitória para garantir vitórias no Legislativo. “Seria excepcional encaminhar essas pautas sociais ainda este ano para o Congresso Nacional, com o poder majoritário das urnas”, avalia a professora Maria do Socorro Sousa Braga, de Ciências Políticas da Universidade Federal de São Paulo (UFScar). “A população que votou nela e os movimentos sociais acreditam que essas mudanças são fundamentais. O eleitorado ia se fortalecer e ela começaria um novo mandato mais fortalecida com esses segmentos.”
De fato, daqui até dezembro, Dilma tem uma vida menos complicada com o Legislativo. Na Câmara, o PT passará de 88 para 70 deputados e o PMDB vai de 71 para 66, ao passo que o PSDB sobe de 44 para 55. O tom geral das eleições de outubro foi o fortalecimento das bancadas moralista, ruralista e empresarial, o que dificulta a vida da petista em um mandato em que terá de buscar uma agenda progressista que dialogue com um segmento do eleitorado que deixou de votar em seu partido e com movimentos sociais que a apoiaram.
Além disso, a escolha do próximo presidente da Casa guarda um agravante para as intenções da petista: o peemedebista Eduardo Cunha (RJ), conhecido por impor uma pauta conservadora e fazer oposição ao Palácio do Planalto, pretende pleitear a vaga, desrespeitando a tradição de que a maior bancada tem direito ao comando.
No Senado, que renovou um terço da Casa, cinco dos novos 27 parlamentares são do PMDB, que terá 19 parlamentares. O PT ficou em segundo, com 13, e o PSDB terá 10 integrantes, entre eles o paulista José Serra, o mineiro Antonio Anastasia, o cearense Tasso Jereissati, que retorna à Casa após um período sem mandato, e o derrotado Aécio Neves.
"É um momento de ruptura com o estilo de conciliação de interesses montado pelo governo Lula. As urnas a empurram para um outro lado", resume o sociólogo e cientista social Rudá Ricci, que acredita que a presidenta deve pressionar até o próprio partido para relacionar-se mais com a sociedade, em contraposição a uma agenda conservadora que deve vir com força a partir de 2015. "Agora, nos próximos anos, vamos ver o crescimento de um cunho fundamentalista religioso, que vai ser mais perigoso do que o PSDB. Será uma direita sem dúvidas e a liderança já formada, aí, é o Marco Feliciano."
O diretor-geral do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Cândido Grzybowski, entende que Dilma precisará ter mais ousadia se quiser fazer um bom mandato e enfrentar as dificuldades impostas por deputados e senadores. "Caso contrário, estaremos caminhando para um empate e teremos uma democracia incapaz de gerar as mudanças que as ruas demandaram. Será uma batalha contra os interesses privados, o agronegócio e a força das igrejas. Dilma tem que ter ousadia”, afirma. "Se Dilma ganhou é porque há confiança de setores da sociedade civil organizada que mais mudanças podem acontecer e porque há demanda por mais avanços. Os movimentos sociais foram decisivos, senão ela não ganhava."
Os próprios parlamentares do PT entendem que será necessária uma dose muito maior de mobilização social, o que passa por ouvir os movimentos a respeito de suas pautas e entender quais são as prioridades da população. "Ao povo trabalhador, se nós íamos a Brasília rodear o Congresso pela redução da jornada de trabalho, agora será fundamental que a sociedade ocupe Brasília em todos os momentos", admite o líder da bancada petista, Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho (SP).
Há a expectativa de saber se Dilma, em particular, e os integrantes do PT, de forma geral, saberão captar o momento e garantir a mobilização permanente proposta por Vicentinho. Nesse sentido, as manifestações de junho de 2013 já haviam dado sinais de que era preciso mudar as relações do PT com partidos de caráter mais conservador e estabelecer novas pontes com os jovens e a esquerda.
O ex-ministro do Desenvolvimento Social Patrus Ananias, deputado federal eleito pelo PT mineiro, entende que as forças progressistas foram responsáveis pela vitória de Dilma e, portanto, merecem atenção especial no segundo mandato. “É importante manter o diálogo com todas as forças políticas do país, reafirmando e fortalecendo o Estado democrático de direito, o respeito e a convivência com quem pensa diferente, mas temos de reafirmar a nossa agenda.”
Para além do campo das convicções, a forma como se desenrolou o processo eleitoral e o desfecho dele deixam sinais de que não há, para Dilma e o PT, forma de obter avanços que não seja pelo apoio de setores sociais. Além do crescimento conservador no Congresso, há os sinais de que um nicho da oposição pretende até mesmo inviabilizar o mandato presidencial por meio de ações judiciais e o avanço da mídia tradicional em seu caráter opositor ao atual governo.
A capa da revista Veja, publicada na sexta-feira (24) pré-eleitoral, com denúncias infundadas que relacionavam a presidenta e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a um esquema de corrupção na Petrobras, e a repercussão do caso pelo Jornal Nacional na noite que antecedeu o início da votação, são entendidos por integrantes de movimentos sociais e analistas políticos como sinais de que o governo deve deixar de lado a ideia de conciliação com esse segmento da imprensa.
"Foi praticamente uma eleição do PT mais alguns grupos e organizações políticas contra o restante. Contra a mídia, contra o mercado financeiro”, resume o filósofo José Antonio Moroni, membro da Direção Colegiada do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). "Ou Dilma governa com o povo na rua apoiando e ela pautando a reforma que está todo o mundo querendo, ou ela vai ter a população contra ela."
Quem esteve ao lado de Dilma nas eleições concorda. Nas últimas semanas, o presidente da CUT, Vagner Freitas, veio trabalhando na comparação do projeto encabeçado pelo PT e o representado por Aécio Neves e o PSDB. Ele não teve dúvidas de que o segundo simbolizava a possibilidade de retrocessos graves para os trabalhadores.
No entanto isso foi é uma etapa vencida, diz Freitas. "Já cumprimos o nosso papel. Agora, vem a fase da cobrança", afirma. "É verdade que o Brasil elegeu uma presidenta progressista, mas elegeu um Congresso extremamente conservador. Vamos disputar agenda com o governo. Mesmo na coalizão da presidenta Dilma, há muitos conservadores. Serão quatro anos de caravanas a Brasília."
Apoiador de Aécio, o presidente da Força Sindical, Miguel Torres, considera que as centrais continuarão alinhadas em torno de reivindicações comuns, como a redução da jornada e o fim do fator previdenciário. "O movimento sindical tem esse compromisso de unidade na luta. Nossas bandeiras já são conhecidas", declara, citando ainda questões como a política de valorização do salário mínimo, a correção da tabela do Imposto de Renda, valorização das aposentadorias e combate à terceirização. "Acho que o movimento sindical não vai se dividir nisso."
Para além do movimento sindical, entidades que atuam em outros tipos de mobilização deixaram claro, no dia após a vitória, que o apoio eleitoral não se manterá ao longo do mandato e que Dilma tem de ser rápida com gestos à esquerda. O Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), que pela primeira vez apoiou abertamente uma candidatura, ainda que como contraposição ao retrocesso representado por Aécio, considera agora que chegou o momento das “grandes lutas” para garantir a aprovação de uma série de reformas populares.
“Para avançar no conjunto das reformas, vai ser necessário um amplo processo de pressão e mobilização de rua e o MTST está se preparando para fazer parte disso”, diz o coordenador nacional da organização, Guilherme Boulos, que escolhe a reforma política como uma questão nevrálgica.
A ampliação de pautas de reivindicação pode ajudar na manutenção de certa unidade da esquerda que se formou ao longo do processo eleitoral. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) deixou claro que avalia a democratização dos meios de comunicação como uma agenda fundamental para o governo Dilma.
Em entrevista divulgada pelo MST, o coordenador nacional Alexandre Conceição afirmou ainda esperar compromissos amplos com os trabalhadores, os camponeses e a população LGBT. “Para garantir essas bandeiras de luta, a presidenta vai ter que governar com o povo nas ruas, pois o Congresso, fisiologista e conservador, pode derrotar seu governo no parlamento, e suas alianças partidárias também não são confiáveis.”
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