"Lulismo recupera certo fôlego para projetar governo com marca própria". Entrevista especial com Bruno Lima Rocha
"Lula foi o grande cabo
eleitoral de Dilma neste pleito e isso pode ser posto, em parte, na
conta do lulismo", constata o cientista político e jornalista.
"Dilma venceu na comparação dos governos do lulismo diante da Era FHC;
ganhou na autoestima dos brasileiros (identificação das camadas
populares); no cálculo racional da real possibilidade de piora das
condições materiais de vida; e, por fim, na rejeição a Aécio Neves e ao personagem que, vindo da oligarquia mineira, promoveria um 'novo' país com as velhas elites de sempre", afirma Bruno Lima Rocha, em entrevista concedida por e-mail na madrugada de hoje, dia 27 de outubro.
Segundo ele, "o Brasil
que emergiu na luta contra o aumento das passagens e a vitória pontual
em algumas importantes cidades não se identifica com o jogo da eleição
indireta e pode voltar a se apresentar na arena política em 2015. Dilma terá momentos difíceis até pela delicada situação da CPI da Petrobras
e as manobras político-midiáticas verificadas neste ano. Entendo que
poderemos ter um ano ímpar – logo, não eleitoral – bastante intenso e
com espaço para aglutinação das forças de esquerda, tanto as eleitorais
como as de tipo libertário, para aumentar o espaço de incidência real na
base da sociedade brasileira".
Bruno Lima Rocha possui graduação em Comunicação Social/Jornalismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e mestrado e doutorado em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Atualmente, leciona nos cursos de Relações Internacionais, Ciência Política e Jornalismo na Unifin, na ESPM-Sul e na Unisinos.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como avalia o
resultado do segundo turno das eleições, com a disputa tão apertada? É
possível identificar a causa de o país estar dividido?
Bruno Lima Rocha - Sim, entendo que as causas desta divisão são perceptíveis. O Brasil
promoveu a mobilidade social, e esta camada ascendente (da pobreza para
a classe média) não traz consigo valores de câmbio e muito menos de
identificação popular. Uma das formas clássicas de domínio é a
reprodução de valores e identificações da camada superior da sociedade
como sendo um valor universal.
O país se divide na reprodução de
valores com certa ideologia da superação, do valor-mercado, contra a
intervenção e promoção do Estado na economia e na organização social. Só
conseguimos entender a rejeição ao PT se compreendermos a condição dependente e alinhada ao Ocidente das elites brasileiras, em especial do andar de cima de São Paulo.
O conflito se dá porque há um medo desta elite em operar uma espécie de “venezualização” do Brasil.
Isso é absurdo em termos de possibilidade, mas as ideias são concretas
para os que as recebem e reproduzem. Esta mesma elite se serve do Estado
e, através desta intervenção, é possível a expansão do capitalismo no Brasil. Ainda assim a rejeição ao projeto de centro-esquerda é enorme.
IHU On-Line - A
que atribui a vitória de Dilma no segundo turno? Em que circunstâncias
políticas Dilma foi reeleita? Quem são os eleitores de Dilma?
Bruno Lima Rocha - Dilma ganhou com uma massa de votos no nordeste e venceu com margens razoáveis no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. Os eleitores de Dilma, em sua maioria, são os mais identificados com o lulismo e o que restara de esquerda no apelo do PT.
Posso afirmar que Dilma venceu na comparação dos governos do lulismo diante da Era FHC;
ganhou na autoestima dos brasileiros (identificação das camadas
populares); no cálculo racional da real possibilidade de piora das
condições materiais de vida; e, por fim, na rejeição a Aécio Neves e ao personagem que, vindo da oligarquia mineira, promoveria um “novo” país com as velhas elites de sempre.
IHU On-Line - Como
explicar a reeleição um ano depois de o país sair para as ruas com as
manifestações, e com tantas críticas feitas ao governo por conta dos
gastos da Copa, da construção de hidrelétricas, da parceria do Estado com
as empreiteiras, da agenda ambiental, do leilão dos poços de petróleo,
do péssimo desempenho da economia, da política indigenista?
Bruno Lima Rocha - O país que foi aos protestos não se identifica com a crítica feita pela direita ao governo. Na Espanha ocorreu o mesmo. O Estado Espanhol viu-se diante do movimento dos indignados e nas eleições posteriores acabou elegendo o PP (direita política), como um voto de castigo ao PSOE (social-democrata e que impôs o pensionazo e retirada de direitos dos assalariados).
Entendo que os brasileiros que aderiram
aos protestos se engajariam mais em campanhas de tipo democracia direta,
definindo de forma plebiscitária a temas estruturais da sociedade
brasileira e não aderindo ao candidato A, B ou C, ainda mais se levarmos
em conta que a esquerda eleitoral é diminuta no país.
Lembro que no primeiro turno a segunda colocação não foi de Aécio, e sim a soma de nulos, brancos ou abstenções. Não podemos confundir as manifestações e protestos de 2013
com a tentativa de sequestro da pauta, operada tanto pela direita como
pela direita midiática, fato que ocorrera e hoje é um consenso para quem
estuda o tema. Seria impensável supor que aqueles e aquelas que lutaram
contra o aumento das passagens elegessem um tucano como voto de castigo
ao PT e o abandono da esquerda.
IHU On-Line - Como avalia os votos de Aécio em Minas Gerais? A que atribui o fato de ele ter perdido no seu estado base?
Bruno Lima Rocha - Pimenta da Veiga foi uma péssima escolha do PSDB mineiro. Em compensação, o ex-governador tucano Antônio Anastasia foi eleito para o Senado. E, ao mesmo tempo, Fernando Pimentel (PT) foi eleito no primeiro turno. Só posso inferir que não há a mesma rejeição dos eleitores tucanos e petistas em Minas e, também, que há certa rejeição do legado do PSDB em Minas.
IHU On-Line - Qual é o papel de Lula e do lulismo nessa reeleição?
Bruno Lima Rocha - Lula foi o grande cabo eleitoral de Dilma neste pleito e isso pode ser posto, em parte, na conta do lulismo. Só o lulismo,
que segundo uma definição mínima seria o pacto conservador com reformas
sociais graduais, já não foi o bastante para derrotar os neoliberais.
Logo, Lula como cabo eleitoral entrou em cena, mas vinculando e mobilizando a máquina e a militância (mesmo que sazonal) do PT. O lulismo gera
a identificação e, ao mesmo tempo, aumenta o medo da perda dos direitos
e condições materiais de vida adquiridas. Foi este lulismo pulverizado
que garantiu a vitória da herdeira política de Lula.
IHU On-Line - Qual o significado da reeleição de Dilma para a esquerda e para a ex-esquerda?
Bruno Lima Rocha - Para a ex-esquerda, ou seja, o próprio PT e o que lhe resta de aliados, como PC do B e o possível racha do PSB, foi a sua salvaguarda. O PT
hoje é um partido que tem muita dificuldade em existir fora da máquina
pública e ganha o fôlego necessário para, caso consiga a coesão
necessária, promover ou tentar impulsionar a reforma política.
Já para a esquerda por um lado é um alívio, pois não fica na conta de junho de 2013 a quase derrota do lulismo
para os neoliberais. E, por outro, é uma urgência, pois implica que a
esquerda – eleitoral e não-eleitoral – precisa encontrar formas de
operar nas políticas da sociedade brasileira. Daí a urgência da reforma
política, desde que este projeto tenha elementos de democracia direta.
IHU On-Line - Qual deve ser a agenda do movimento popular no Brasil daqui para frente?
Bruno Lima Rocha - A
que eu citei acima vale para os movimentos populares. É preciso remontar
uma central sindical combativa, totalmente distante dos postos e cargos
no governo federal. O mesmo vale para demais setores do movimento
popular; os convênios e o trânsito entre militantes e quadros de governo
contaminaram a condição de luta dos movimentos. O movimento popular
deveria montar uma instância de coordenação e garantir uma pauta de
emergência para não deixar a direita – que também é governo – tomar
sozinha a dianteira da política nacional. Uma bandeira urgente é não
permitir que o Congresso possa definir terras indígenas e quilombolas.
IHU On-Line - Qual
será a repercussão e o impacto da eleição presidencial na América
Latina? Qual é a influência do resultado para a esquerda
latino-americana?
Bruno Lima Rocha - São dois temas distintos. O projeto de poder do lulismo implica em acertadas relações diplomáticas, dando ênfase ao Mercosul, para as relações Sul-Sul e a projeção estratégica do Brasil na África.
Assim, a vitória da situação no Brasil favorece os países do Continente
e enfraquece a projeção dos EUA para a América Latina através da Aliança do Pacífico.
Já para a esquerda latino-americana pode ser uma miríade. Isto porque o PT
é um partido social-democrata e que governa pelo centro e ao lado de
oligarquias terríveis. Logo, para a esquerda latino-americana pode
apontar como saudável um caminho eleitoral e com gestões não classistas.
Pode gerar mais crise e perda de poder de pressão em agrupações
políticas mais aguerridas, ainda que eleitorais.
IHU On-Line - O
que é possível vislumbrar com mais quatro anos de PT no governo
federal, somando 16 anos de governança? O que o PT ainda não fez nos
últimos 12 e deve fazer nos próximos 4?
Bruno Lima Rocha - É mais fácil afirmar o que não fará, a exemplo da reforma agrária (que não vai sair) e da reforma urbana, com os 8 milhões de déficits de moradia e que seguramente também não vai sair. O PT vai se voltar para um avanço na infraestrutura do país e aumentar a modalidade das PPPs e concessões.
Como o partido de governo não vai mexer
na sangria no orçamento da União, que ocorre através da rolagem da
dívida (cerca de 42% dos recursos) e da DRU (outros 20% da receita),
dificilmente teremos políticas ainda mais distributivas. Nenhuma grande
conquista social virá do Estado, e qualquer pauta que venha a ser
conquistada será apesar do governo de coalizão. Como realizações de
Estado ainda não realizadas estão as reformas política e tributária.
Os demais temas urgentes e que vêm da base da sociedade, como o fim do fator previdenciário, a regulação do Capítulo 5 da Constituição Federal (da comunicação social), só virão caso a reforma política (se esta ocorrer) trouxer elementos de democracia direta em seu texto final.
IHU On-Line - A que atribui a vitória de Sartori no Rio Grande do Sul? Qual é o significado político desta eleição no RS?
Bruno Lima Rocha - Sartori
optou por uma estratégia de campanha onde o antipetismo foi o grande
vitorioso. Ao mesmo tempo, conseguiu bloquear o debate político
impedindo qualquer racionalidade na comparação entre governos. O PT deixou de ter mais chances de vitória justamente por não ter repactuado a dívida do estado para com a União.
Esta agenda a ser votada em novembro é o
exemplo de como a estrutura do país, onde o poder central concentra
quase ¾ dos recursos tributários, beneficia o governo federal de turno e
subordina os níveis de governo subnacionais, em especial os estados. Sartori
revela uma acomodação de forças políticas no estado, a presença do
agente econômico estadual – diretamente representado pelo vice José Paulo Cairoli –, o limite do teto do PT no Rio Grande do Sul.
IHU On-Line - Qual é o significado político da reeleição presidencial?
Bruno Lima Rocha -
Entendo que houve uma mobilização de tipo voto útil, para que os
brasileiros não retrocedessem nas condições materiais de vida. Também
implica em maioria apertada e o fortalecimento da oposição neoliberal.
Por fim, dá certo fôlego ao lulismo para projetar um governo com marca própria apesar de seu campo de alianças.
IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?
Bruno Lima Rocha - Sim, e vai ao encontro de junho de 2013. O Brasil
que emergiu na luta contra o aumento das passagens e a vitória pontual
em algumas importantes cidades não se identifica com o jogo da eleição
indireta e pode voltar a se apresentar na arena política em 2015. Dilma terá momentos difíceis, até pela delicada situação da CPI da Petrobras
e as manobras político-midiáticas verificadas neste ano. Entendo que
poderemos ter um ano ímpar – logo, não eleitoral – bastante intenso e
com espaço para aglutinação das forças de esquerda, tanto as eleitorais
como as de tipo libertário, para aumentar o espaço de incidência real na
base da sociedade brasileira. E, urgentemente, chamo a atenção para as
causas dos povos indígenas e quilombolas e as ameaças evidentes a estes
direitos ancestrais com base nas reparações.
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