Todos os amigos de Lula
Por Ayrton Centeno, no blog
RS-Urgente:
A imprensa não confia na nossa memória e, diariamente, nos informa que o pecuarista José Carlos Bumlai é o “amigo de Lula”. Fez ontem, faz hoje e, por certo, fará o mesmo amanhã. E depois e depois e depois. É inescapável. Talvez Bumlai tenha que incorporar a expressão ao seu sobrenome.
- Bumlai? O amigo de Lula?, indaga o escrivão no cartório.
- Isso mesmo. Ponha aí depois do Bumlai senão ninguém mais irá me reconhecer. Dirão que sou um falso Bumlai, um Bumlai qualquer.
Pela vida afora, Bumlai repetirá personagens também perseguidos pelo seu apodo. Seguirá conduzindo de arrasto as três palavras, como uma cauda de vestido de noiva, um rabicho ostentatório. Após Alexandre, o Grande, Felipe, o Belo e Houdini, o Homem Miraculoso haverá Bumlai, o Amigo de Lula.
Nem a morte evitará o destino. “Morreu Bumlai, o amigo de Lula” estará nas capas, quem sabe em título discreto ao pé nas páginas internas ou, se não houver mais nenhum interesse na figura e na sua amizade com Lula, no necrológio. Comovida, a família mandará gravar no mármore eterno “Aqui jaz Bumlai, o amigo de Lula”.
Se for de morte morrida, haverá boataria de que morreu de desgosto. “Estava no ostracismo, abatido, na pior. Sua mágoa era que ninguém mais o chamava de amigo de Lula”, dirá um parente aos repórteres. No dia seguinte, o país saberá que “Família acusa Lula de esquecer Bumlai, seu amigo”. Se for de morte matada, em seguida seremos informados de que “Lula é suspeito da morte de seu amigo Bumlai”.
Sob o olhar dos hereges, as marteladas midiáticas matinais, vesperais e noturnas seriam somente uma tentativa de enroscar Lula nas atribulações de Bumlai com a Lava-Jato. A obsessão de barrar, nem que seja a tiro, um terceiro mandato de Lula em 2018. Quanta maledicência! É aquela incapacidade jurássica de captar o encanto de uma proposta que casa a informação com a apologia da fraternidade universal. Lula e Bumlai é uma deferência aos protagonistas de estima tão invejável. A cruzada do amor até poderia ter começado antes.
Veja-se, por exemplo, o caso Bush, o George W. Ele gostou do cabeça chata de Garanhuns e ficaram amigos. Quem leu a manchete “Amigo de Lula invade o Iraque e mata 500 mil”? Com aquele seu jeitão expansivo, Lula também virou amigo de Obama. Perdemos a chamada “Drones de amigo de Lula trucidam crianças no Afeganistão”.
Dono de tanta verve e intensidade, tivesse Lula o dom de viajar no tempo e visitar eras passadas seria, do ponto de vista midiático, um dínamo fomentando camaradagens. De volta para o futuro, as manchetes estariam a sua espera: “Nero, amigo de Lula, mata a mãe e põe fogo em Roma”. Ou “Lula convenceu Sócrates, seu amigo, a beber cicuta”. No relato das gazetas, César apunhalado ainda gritará, mão na túnica ensangüentada, outra crispada no ar: ”Até tu, Lula, amigo meu!”
São elocubrações até mesmo porque, aqui e agora, no capítulo das afetividades lulistas resta percorrer extenso caminho. Lula pediu votos para Fernando Henrique Cardoso, então candidato ao Senado em 1978. Foi à rua distribuir santinhos de FHC, algo que só mesmo um amigaço faria. Nestor Cerveró, um dos gargantas profundas da Petrobras, afirma que um poço de suborno perfurado pelo governo FHC jorrou 100 milhões de dólares em jabaculês. Deu-se na aquisição da petroleira argentina Perez Companc. A plebe rude bem poderia ser aquinhoada com a manchete “Amigo de Lula pegou US$ 100 milhões em propina”. A feitiçaria que aprovou a emenda da reeleição custou R$ 200 mil per capita. Os deputados foram adquiridos pelo feiticeiro-mor, operador político, sócio e, sim, amigo de FHC, o então ministro Sérgio Motta. Faltou a manchete “Amigo de Lula, FHC comprou sua reeleição”.
Mas Lula e seu amigo Bumlai devem ser apenas o piloto da série. É lícito aguardar a exaltação de outros chamegos. A começar pelos mais antigos e que resistiram impávidos ao embate dos anos. Aécio Neves e Zezé Perrela são mineiros, cruzeirenses e, sobretudo, amigos de longa data. Egresso do pefelê, agora no PDT, o senador Perrela fecha mesmo é com Aécio. Ternura acima das querelas partidárias. Aécio ajudou o velho Perrela em muitas e profícuas perreladas.
E por Perrela foi ajudado. Era de esperar que, quando 450 quilos de pasta de cocaína foram descobertos no helicóptero de Perrela após incursão ao Paraguai para comprar bugigangas e ouvir guarânias, o populacho tivesse direito à manchete “Amigo de Aécio, Perrela tem helicóptero apreendido com cocaína”.
Porém, o mais instigante despontará quando a imprensa for, ela mesma, magnetizada pela espiral de afeições que engendrou, e descrever seus próprios xodós. “Amigo da RBS, Nardes é suspeito de maracutaia”. Ou “Amiga de Nardes, RBS é suspeita de corrupção”. Quando Médici pensou em alguém para coordenar a imprensa da ditadura foi buscá-lo exatamente onde? Sim, na chefia de redação de Zero Hora. Que, orgulhosamente, anunciou a escolha. Poderia tê-la noticiado assim: “Amigo de ZH, ditador nomeia nosso funcionário para chefiar sua imprensa”.
As Organizações Globo se agigantaram como monopólio a partir do momento em que Costa e Silva chutou um escândalo para debaixo do tapete e arrumou um empréstimo maternal para a empresa comprar a parte dos americanos no acordo Time-Life, aliás pago com propaganda do regime militar. “Amigo da Globo, ditador financia e salva empresa” seria um título justo? Do grupo Folhas, a Folha da Manhã cedia suas camionetes de distribuição de jornais para a polícia política campanar e aprisionar pessoas, depois levadas aos antros de tortura. Seria correto titular “Amiga de Médici, Folha ajuda a prender adversários da ditadura”? Inimigos de Dom Hélder Câmara, o Estadão e O Globo montaram uma bateria de difamações contra o cardeal que, em 1970, era favorito para receber o Prêmio Nobel da Paz. Médici fez o mesmo. Os ataques deram certo e o Brasil, que ganharia seu primeiro Nobel, até hoje não recebeu nenhum. “Amigos da ditadura, jornais sabotam Dom Hélder e impedem Nobel brasileiro” seria uma descrição interessante, não?
Os exemplos seriam infinitos porém, por enquanto, o que cabe é aguardar. Sentar na varanda, cevar um mate, enrolar um palheiro e, pitando, fitar o horizonte à espera do raiar do novo dia. Sem grandes expectativas. Pode ser que a alvorada surpreenda o Cristo Redentor de vestes levantadas e dançando o cancã no Corcovado. Na escala das probabilidades, seria um evento mais plausível. Ao menos se comparado com algumas práticas mais refratárias à mudança do que a solidez do cimento armado. Por isso mesmo, o amanhecer trará algo bastante familiar nas manchetes:
- Amigo de Lula, Bumlai…
A imprensa não confia na nossa memória e, diariamente, nos informa que o pecuarista José Carlos Bumlai é o “amigo de Lula”. Fez ontem, faz hoje e, por certo, fará o mesmo amanhã. E depois e depois e depois. É inescapável. Talvez Bumlai tenha que incorporar a expressão ao seu sobrenome.
- Bumlai? O amigo de Lula?, indaga o escrivão no cartório.
- Isso mesmo. Ponha aí depois do Bumlai senão ninguém mais irá me reconhecer. Dirão que sou um falso Bumlai, um Bumlai qualquer.
Pela vida afora, Bumlai repetirá personagens também perseguidos pelo seu apodo. Seguirá conduzindo de arrasto as três palavras, como uma cauda de vestido de noiva, um rabicho ostentatório. Após Alexandre, o Grande, Felipe, o Belo e Houdini, o Homem Miraculoso haverá Bumlai, o Amigo de Lula.
Nem a morte evitará o destino. “Morreu Bumlai, o amigo de Lula” estará nas capas, quem sabe em título discreto ao pé nas páginas internas ou, se não houver mais nenhum interesse na figura e na sua amizade com Lula, no necrológio. Comovida, a família mandará gravar no mármore eterno “Aqui jaz Bumlai, o amigo de Lula”.
Se for de morte morrida, haverá boataria de que morreu de desgosto. “Estava no ostracismo, abatido, na pior. Sua mágoa era que ninguém mais o chamava de amigo de Lula”, dirá um parente aos repórteres. No dia seguinte, o país saberá que “Família acusa Lula de esquecer Bumlai, seu amigo”. Se for de morte matada, em seguida seremos informados de que “Lula é suspeito da morte de seu amigo Bumlai”.
Sob o olhar dos hereges, as marteladas midiáticas matinais, vesperais e noturnas seriam somente uma tentativa de enroscar Lula nas atribulações de Bumlai com a Lava-Jato. A obsessão de barrar, nem que seja a tiro, um terceiro mandato de Lula em 2018. Quanta maledicência! É aquela incapacidade jurássica de captar o encanto de uma proposta que casa a informação com a apologia da fraternidade universal. Lula e Bumlai é uma deferência aos protagonistas de estima tão invejável. A cruzada do amor até poderia ter começado antes.
Veja-se, por exemplo, o caso Bush, o George W. Ele gostou do cabeça chata de Garanhuns e ficaram amigos. Quem leu a manchete “Amigo de Lula invade o Iraque e mata 500 mil”? Com aquele seu jeitão expansivo, Lula também virou amigo de Obama. Perdemos a chamada “Drones de amigo de Lula trucidam crianças no Afeganistão”.
Dono de tanta verve e intensidade, tivesse Lula o dom de viajar no tempo e visitar eras passadas seria, do ponto de vista midiático, um dínamo fomentando camaradagens. De volta para o futuro, as manchetes estariam a sua espera: “Nero, amigo de Lula, mata a mãe e põe fogo em Roma”. Ou “Lula convenceu Sócrates, seu amigo, a beber cicuta”. No relato das gazetas, César apunhalado ainda gritará, mão na túnica ensangüentada, outra crispada no ar: ”Até tu, Lula, amigo meu!”
São elocubrações até mesmo porque, aqui e agora, no capítulo das afetividades lulistas resta percorrer extenso caminho. Lula pediu votos para Fernando Henrique Cardoso, então candidato ao Senado em 1978. Foi à rua distribuir santinhos de FHC, algo que só mesmo um amigaço faria. Nestor Cerveró, um dos gargantas profundas da Petrobras, afirma que um poço de suborno perfurado pelo governo FHC jorrou 100 milhões de dólares em jabaculês. Deu-se na aquisição da petroleira argentina Perez Companc. A plebe rude bem poderia ser aquinhoada com a manchete “Amigo de Lula pegou US$ 100 milhões em propina”. A feitiçaria que aprovou a emenda da reeleição custou R$ 200 mil per capita. Os deputados foram adquiridos pelo feiticeiro-mor, operador político, sócio e, sim, amigo de FHC, o então ministro Sérgio Motta. Faltou a manchete “Amigo de Lula, FHC comprou sua reeleição”.
Mas Lula e seu amigo Bumlai devem ser apenas o piloto da série. É lícito aguardar a exaltação de outros chamegos. A começar pelos mais antigos e que resistiram impávidos ao embate dos anos. Aécio Neves e Zezé Perrela são mineiros, cruzeirenses e, sobretudo, amigos de longa data. Egresso do pefelê, agora no PDT, o senador Perrela fecha mesmo é com Aécio. Ternura acima das querelas partidárias. Aécio ajudou o velho Perrela em muitas e profícuas perreladas.
E por Perrela foi ajudado. Era de esperar que, quando 450 quilos de pasta de cocaína foram descobertos no helicóptero de Perrela após incursão ao Paraguai para comprar bugigangas e ouvir guarânias, o populacho tivesse direito à manchete “Amigo de Aécio, Perrela tem helicóptero apreendido com cocaína”.
Porém, o mais instigante despontará quando a imprensa for, ela mesma, magnetizada pela espiral de afeições que engendrou, e descrever seus próprios xodós. “Amigo da RBS, Nardes é suspeito de maracutaia”. Ou “Amiga de Nardes, RBS é suspeita de corrupção”. Quando Médici pensou em alguém para coordenar a imprensa da ditadura foi buscá-lo exatamente onde? Sim, na chefia de redação de Zero Hora. Que, orgulhosamente, anunciou a escolha. Poderia tê-la noticiado assim: “Amigo de ZH, ditador nomeia nosso funcionário para chefiar sua imprensa”.
As Organizações Globo se agigantaram como monopólio a partir do momento em que Costa e Silva chutou um escândalo para debaixo do tapete e arrumou um empréstimo maternal para a empresa comprar a parte dos americanos no acordo Time-Life, aliás pago com propaganda do regime militar. “Amigo da Globo, ditador financia e salva empresa” seria um título justo? Do grupo Folhas, a Folha da Manhã cedia suas camionetes de distribuição de jornais para a polícia política campanar e aprisionar pessoas, depois levadas aos antros de tortura. Seria correto titular “Amiga de Médici, Folha ajuda a prender adversários da ditadura”? Inimigos de Dom Hélder Câmara, o Estadão e O Globo montaram uma bateria de difamações contra o cardeal que, em 1970, era favorito para receber o Prêmio Nobel da Paz. Médici fez o mesmo. Os ataques deram certo e o Brasil, que ganharia seu primeiro Nobel, até hoje não recebeu nenhum. “Amigos da ditadura, jornais sabotam Dom Hélder e impedem Nobel brasileiro” seria uma descrição interessante, não?
Os exemplos seriam infinitos porém, por enquanto, o que cabe é aguardar. Sentar na varanda, cevar um mate, enrolar um palheiro e, pitando, fitar o horizonte à espera do raiar do novo dia. Sem grandes expectativas. Pode ser que a alvorada surpreenda o Cristo Redentor de vestes levantadas e dançando o cancã no Corcovado. Na escala das probabilidades, seria um evento mais plausível. Ao menos se comparado com algumas práticas mais refratárias à mudança do que a solidez do cimento armado. Por isso mesmo, o amanhecer trará algo bastante familiar nas manchetes:
- Amigo de Lula, Bumlai…
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