domingo, 18 de setembro de 2016

POLÍTICA - Está tudo armado para tornar Lula inelegível.


O power-point e o domínio do fato


O simplismo do diagrama em power-point  foi um dos  aspectos mais criticados da entrevista em que o procurador Deltan Dallagnol acusou Lula de ser o “comandante máximo” do petrolão, com uma estridência verbal sem correspondência com os fatos e provas constantes da denúncia formal (que ficou restrita à suposta ocultação de um apartamento). Mas a imagem, que correu o mundo  através da Internet, teve função importante no espetáculo.   A inconsistência intrínseca da peça não decorre de despreparo técnico do Ministério Público, muito pelo contrário.  Se quisessem, teriam produzido um power point muito mais dinâmico para dar sustentação ao libelo verbal.
A função do diagrama, com Lula no Centro de uma teia de relações, foi peça inaugural de um discurso que apenas começou a ser feito.  Ele aponta para as próximas etapas de sua proscrição política pela condenação judicial. Disseminada a idéia de que Lula estava acima de todos os sujeitos envolvidos no esquema de corrupção,  estará criado o ambiente para a aplicação pacífica da teoria do domínio do fato, também chamada de responsabilidade objetiva.
Formulada pelo jurista alemão Claus Roxin, a teoria aportou no Brasil no julgamento da ação penal 470, a do chamado mensalão. O  então procurador-geral da República, Roberto Gurgel,  pediu a condenação de ex-ministro da Casa Civil José Dirceu como comandante do esquema.  Na falta de  evidências, já que a denúncia era amparada essencialmente no cruzamento de depoimentos e não em provas,  Gurgel invocou a teoria, afirmando que, embora operadores do crime organizado moderno deixem poucos rastros, são eles quem têm controle sobre o resultado final da atividade criminosa.  O ex-ministro Joaquim Barbosa acolheu o argumento para condenar Dirceu. Alguns ministros não se sentiram confortáveis .  Parte da comunidade jurídica criticou a inovadora aplicação da teoria naquelas condições.  
O próprio Claus Roxin, passando pelo Brasil, reclamou da interpretação de que a teoria fora desenvolvida para tornar mais severas as penas das pessoas que comandam as estruturas políticas.  O propósito, disse ele,  foi  punir os responsáveis pelas ordens e pelas pessoas que as executam em uma estrutura hierarquizada que atue fora da lei.
Segundo ele, não se pode transferir a tese para estruturas do poder que atuam dentro da lei. E citou como exemplo a  tentativa de punir um presidente de empresa pelo crime cometido por um funcionário, sob o argumento de que o presidente é responsável por dar o comando. Roxin afirma que o presidente da companhia não está em uma situação de ilicitude. Quando ele passa uma tarefa, não pode ser responsabilizado pela atuação do funcionário, a não ser que ele tenha conhecimento de que a ordem será cumprida de forma ilícita.
Agora é Lula, e não Dirceu, que aparece no papel de quem sabia de tudo e tudo comandava. Para fixar a ideia no imaginário e no entendimento corrente de uma sociedade,  nada  melhor que uma boa imagem. Para isso, lá estava o diagrama de Dallagnol, com o nome de Lula no centro e tantos círculos ao redor, embora dentro deles aparecessem palavras que faziam pouco sentido: “expressividade”. “maior beneficiado”, “governabilidade corrompida”, “proximidade com investigados” e daí para a frente. Um truque para iludir desavisados e manipular consciências. E, principalmente, para abrir caminho à aplicação da teoria do domínio do fato, quando Lula for julgado por Sergio Moro e na segunda instância.
Com a cachoeira verbal sem correspondência nos fatos da denúncia, ilustrada pelo diagrama, muito antes de qualquer julgamento já estará sendo criada a percepção de que Lula, como disse no ano passado o procurador Carlos Fernando sem citar seu nome,  foi responsável pela instituição do esquema, permitiu que ele se desenvolvesse e dele se beneficiou.
Os fundamentos constitucionais, a presunção da inocência, a  necessidade de provas, tudo isso, desde a ação penal 470, vem se tornando secundário, no país em que o mais importante são as convicções. Os alemães, sob o nazismo, também foram convencidos de que os judeus faziam um grande mal a seu país e deviam ser denunciados. Mesmo sabendo que seriam levados para campos de concentração.

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