O chá para dois de Bush e McCain
No mesmo dia em que estourou a mais recente lambança resultante da falta de regulamentação na economia, a decisão do governo Bush de usar US$ 85 bilhões do contribuinte para assumir e salvar a AIG, gigante do setor de seguros, o candidato presidencial republicano John McCain, um campeão de desregulamentações no Senado, subestimou a crise. “Os fundamentos da economia são sólidos”, garantiu de novo.
A frase “os fundamentos da economia são sólidos” foi repetida muitas vezes pelos presidentes Calvin Coolidge e Herbert Hoover enquanto o país rumava para a crise de 1929 e a grande depressão que se seguiu. Hoje soa como sintoma de governantes fora de sintonia com a realidade. Ela inspirou um musical da Broadway em 1930, No, No, Nanette, adaptado à tela com o mesmo título em 1940, e outro filme musical em 1950, Tea for Two (Chá para Dois).
No último, a estrela Doris Day espera ganhar uma aposta do tio, interpretado pelo comediante S.Z. Sakall (os dois da foto ao lado), e montar um espetáculo musical - sem saber que ele perdeu sua fortuna no crack da Bolsa. O gordo e divertido Sakall, ainda acreditando em notícias boas capazes de salvá-lo da ruína, só o que consegue ouvir no rádio, em toda parte, é a voz de Hoover: “Os fundamentos da economia são sólidos”. No fim da tarde de ontem, até a Casa Branca já se recusava a repetir a frase (veja AQUI).
Lembrando os “5 de Keating”
Não sei se isso daria um bom comercial para a campanha de Barack Obama. Mas é inacreditável que péssimas notícias na economia não se reflitam nas pesquisas em favor do democrata - e contra McCain, abertamente apoiado pelo presidente responsável pela lambança. Não apenas isso: à frente da comissão de Comércio do Senado, McCain foi sistematicamente contrário às regulamentações herdadas do New Deal de Roosevelt, baixadas precisamente para prevenir desatinos como os de agora.
Suas relações promíscuas com lobbies e interesses especiais são notórias - e explicam a presença de dezenas de lobistas no escalão superior de sua campanha. O caso mais notório de tal promiscuidade na carreira de McCain foi sua ligação (juntamente com mais quatro senadores) com Charles H. Keating, o chefão da Lincoln Savings & Loan Association, que por causa de abusos entrou em colapso em 1989-91.
O grupo, celebrizado como “os cinco de Keating”, Keating Five (saiba mais AQUI e AQUI), era uma espécie de rede de proteção do corruptor da Lincoln. Contando com tal apoio, ele se sentiu acima da lei e pôde ir tão longe (tentou até contratar Alan Greenspan como consultor). E quando investigado pelo Federal Home Loan Bank Board (FHLBB), os “senadores amigos” lá estavam para tentar protegê-lo. McCain, talvez pelo passado de prisioneiro de guerra no Vietnã, escapou à punição na comissão de ética do Senado - que mesmo assim puxou-lhe a orelha, lamentando não ter tido o necessário discernimento.
Com os desastres recentes da economia, ele pareceu nos últimos dias tentado a uma epifania. Em declaração pública, defendeu mais regulamentação na área financeira - exatamente o contrário de suas posições passadas. Segundo observou um analista, a regulamentação à qual aderiu - por enquanto, só de boca - anularia a desregulamentação insana que há 15 anos ele ajudara a fazer, abrindo caminho aos equívocos atuais.
Enron, uma lição dramática
Mais grave ainda é o apoio que passou a dar à privatização parcial do Social Security (Seguridade Social). Em março de 2008, poucos meses antes dos recentes desastres na economia, McCain abraçou publicamente o plano de Social Security que já não é mais defendido nem pelo presidente Bush, que o propusera. Em entrevista ao Wall Street Journal (leia AQUI) o candidato declarou-se favorável a contas pessoais de poupança no sistema, como Bush tinha sugerido.
As contas pessoais, alegou, seriam um “suplemento” ao sistema já existente. Quando Bush expôs a idéia, logo depois de iniciar o segundo mandato, a reação dos trabalhadores do país foi negativa. Hoje, depois da sucessão de colapsos no setor financeiro, só um inconsciente tentaria ressuscitá-la. Que empregados podem confiar nessas corporações que o Estado está sendo forçado a salvar da falência?
Houve até a advertência dramática, em 2001, da falência da Enron, então a sétima corporação do mundo e a que mais investira na carreira política de Bush. A Enron tinha incitado seus empregados a investir as economias na própria companhia. Quando ela entrou em colapso, resultado das fraudes contábeis à sombra da desregulamentação criminosa, eles ficaram sem o emprego, sem as economias e sem a aposentaria. Até velhos já aposentados tiveram de voltar ao mercado de trabalho à procura de emprego. (Clique abaixo para se divertir com o que poderia ser o lado mais ameno - Brokeback Mountain - da ligação McCain-Bush)
Privatização e seguridade social
O candidato republicano foi enfático na entrevista ao Journal. Chegou a dizer textualmente: “Na verdade, sou totalmente a favor das contas pessoais de poupança no sistema. Acho que elas serão uma importante oportunidade para os trabalhadores jovens”. E mais: “Fiz campanha apoiando a proposta do presidente Bush e até participei de reuniões municipais em várias cidades”.
Quando o entrevistador lembrou McCain de que seu próprio website na Internet atribuia a ele posição diferente, o candidato explicou: “Vou corrigir todos os documentos sobre programas e deixar bem clara a importância dessas contas pessoais de poupança. Com elas os trabalhadores vão contribuir para a própria aposentadoria. Assim, com o tempo, conseguirão ter uma aposentadoria maior”. (Saiba mais AQUI e AQUI)
No passado recente, o candidato republicano confessara, numa entrevista, falta de apetite para as questões econômicas. Por isso costumava evitar o tema. Embora negue atualmente ser esse o caso, parece insólito que teime em defender a idéia de entregar o dinheiro do Social Security. Se isso tivesse sido feito pelo governo Bush, na certa seria aquele o dinheiro que a Wall Street está perdendo hoje.
Fonte: Blog do Argemiro Ferreira.
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