sábado, 6 de setembro de 2008

ARTIGO - O medo à revolução.

Cada vez que alguém de esquerda crê confirmar que sua previsão de que um projeto de esquerda ia dar errado, deu na mosca, sua reação costuma ser de alegria e de auto-congratulação. “Não disse!” – é a exclamação costumeira. E sai, todo lampeiro, disposto a seguir exercendo suas previsões agourentas.

Estranha reação. Se a pessoa é de esquerda, deveria torcer para que um projeto de esquerda desse certo. “Ah”, mas dirá o tipo: “Acontece que já não é de esquerda”, zeloso de que a esquerda é aquela que ele escolheu, que leu nos livros, que sua leitura dos clássicos e dos processos revolucionários – quase todos malogrados, aliás – lhe forneceu.

Pelo menos deveria se sentir derrotado, senão porque o projeto que galvanizou o apoio de tanta gente, que ocupou o lugar da esquerda, fracassou – na sua impávida visão -, mas porque sua corretíssima concepção não conseguiu, uma vez mais, se impor. Deveria sentir que sua capacidade de convencimento dos que deveriam estar loucos para receber a concepção iluminada, não conseguiu conquistar ninguém ou quase ninguém – apenas a uns poucos iluminados. Ou, quem sabe, suas idéias não são tão corretas assim. Mas esta hipótese nem lhe passa pela cabeça, dane-se a realidade e viva suas idéias.

Há um tipo de esquerda que enche a boca de prazer a cada tropeço da esquerda, a cada “traição”, que ele bem que avisou que ia se dar. Basta um cara ganhar, basta um partido triunfar, para que as inevitáveis tentações da corrupção, da burocratização, do aburguesamento, da “traição” de classe – triunfem infalivelmente. É uma questão de tempo – de anos, de meses, de horas, de minutos. Traíram Mao, Fidel, Hugo Chavez, Evo Morales, Rafael Correa – nem falar de Lula, de Kirchner, de Tabaré. Fernando Lugo acabou de iniciar a contagem regressiva para o cadafalso da traição que o aguarda, fresquinha, ali na primeira esquina.

O que só prova que quem previu derrotas atrás de derrotas para a esquerda, sempre parece ter razão. Não seguiram o ideário teórico, segundo o qual a maior radicalização, a leitura estrita do Manifesto Comunista e de O Capital, a aplicação estrita da luta de classe contra classe, a intransigência, a recusa a qualquer tipo de aliança – porta aberta para a capitulação – e deram com os burros n´água. Bastava seguir.... aliás, que processo mesmo, com essa orientação, deu certo? Nem a Revolução Russa – Lenin já havia capitulado com a NEP, se lembram? – escapa.

É toda uma geração que então deveria se sentir derrotada, porque nenhum dos projetos revolucionários deu certo, nenhum seguiu seus sábios ensinamentos. Mas a derrota – assim como o inferno de Sartre – é a derrota dos outros. E como dizia Marx da pequena burguesia, ela sai do que deveria ter sido sentido como derrota, impávida, afinal é o povo que ainda não tem amadurecimento ideológico suficiente para entender suas propostas.

São outras tantas manifestações do que Sartre havia chamado de “medo à revolução”, a suas formas heterodoxas, questionadoras das teorias estabelecidas, “contra O Capital”, como disse Gramsci da Revolução Russa. Ou medo dos processos concretos - já que a verdade sempre é concreta - de ter que decifrá-los na sua complexidade, nas suas contradições e nas suas novidades. Mais fácil relegá-los todos à noite dos gatos pardos dos processos fracassados, porque não correspondem à teoria ou à visão dogmática da teoria, aquela que nunca compreendeu que o que há de ortodoxo na dialética – segundo Lukacs – é o método. Do que se trata é de exercer criativamente a análise da realidade, ao invés de reduzir a realidade a supostos princípios, teorias petrificadas, dogmas que dão conta não da realidade, mas das concepções petrificadas dos que as assumem.
Fonte:Blog do Emir.

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