A bancarrota do Lehman Brothers, o quarto banco de investimento norte-americano com 158 anos de actividade, acentuou os traços de uma crise financeira que atravessou o Atlântico provocando recessão económica e desemprego no velho continente.
Em apenas seis meses, três grandes instituições financeiras norte-americanas entraram em ruptura, obrigando o estado a resgatá-las, como foi o caso das entidades de crédito Fannie Mãe e Freddie Mac, nacionalizadas na semana passada, ou do banco Bear Stearns, adquirido em Março último pelo JP Morgan Chase, que recebeu 30 mil milhões de dólares de ajudas públicas para realizar a transacção.
Desta vez, porém, assim que Washington anunciou que não iria intervencionar o Lehman Brothers, as negociações com possíveis compradores fracassam e a instituição, a braços com pesadas dívidas e detentora de 46 mil milhões de dólares em créditos hipotecários, foi forçada a declarar a bancarrota.
Só durante o terceiro trimestre do exercício em curso, o banco registou perdas de 3,9 mil milhões de dólares decorrentes em grande parte da desvalorização da sua carteira de créditos imobiliários. Num ano, o valor das suas acções foi dividido por 16, fazendo recuar o valor da capitalização bolsista para 2,4 mil milhões de dólares.
O grupo britânico Barclays Bank, que se perfilava como um dos interessados, retirou-se da corrida por considerar que «seria impossível adquirir o Lehman Brothers sem uma ajuda federal norte-americana».
Perante a gravidade do desaparecimento do colosso bancário, que sobrevivera a guerras e resistira ao crash de 1929, a Reserva Federal dos EUA (Fed) anunciou na madrugada de segunda-feira, 14, um conjunto de medidas destinado a evitar turbulências maiores no sistema financeiro. Entre outros, o Fed mostrou disponibilidade para receber dos bancos os títulos de alto risco que se tornaram praticamente invendáveis, trocando-os por dinheiro real.
Por seu turno, os dez maiores bancos mundiais anunciaram a criação de um fundo de 70 mil milhões de dólares (48,7 mil milhões de euros) para ajudar a acalmar os mercados financeiros nos Estados Unidos. Neste grupo incluem-se os americanos Bank of America, Citibank, JP Morgan Chase e Goldman Sachs, Merril Lynch e Morgan Stanley, o britânico Barclays Bank, o alemão Deutsche Bank e os suíços Crédit Suisse e UBS. Cada um deles disponibilizará 7 mil milhões de dólares (4900 milhões de euros), esperando assim «aliviar problemas de escassez de crédito das instituições financeiras que ameaçam os mercados financeiros globais».
Com o mesmo objectivo, o Banco Central Europeu colocou, na terça-feira, 70 mil milhões de euros à disposição dos bancos da zona euro, que se somaram aos 30 mil milhões disponibilizados na véspera pela instituição.
O colapso da XL
Para além de fortes descidas nas bolsas do velho continente, o colapso do terceiro maior operador turístico britânico veio lembrar que a tormenta financeira não poupa os gigantes económicos europeus.
Na sexta-feira, 12, o XL Leisure Grup declarou falência, provocando o cancelamento imediato dos voos da sua companhia aérea, a XL Airways, o que deixou cerca de 85 mil turistas sem avião de regresso para a Reino Unido. No Algarve, 740 passageiros ficaram retidos ou tiveram de custear o regresso através de terceiros. Outras 200 mil pessoas viram as suas marcações anuladas. Só este ano, mais de dois milhões de pessoas foram transportadas pela XL Airways, que era a terceira maior companhia aérea de transporte charter do Reino Unido.
A crise da XL remonta pelo menos a 2006 quando a sua administração se colocou nas mãos do banco islandês Straumur, contraindo um avultado empréstimo de 143 milhões de libras (181 milhões de euros). Detentora de 21 aviões, a companhia tem dívidas superiores a 200 milhões de libras e há muito que financiava as suas operações com empréstimos de curto prazo. A subida dos preços dos combustíveis e queda do mercado das viagens turísticas para destinos exóticos foram-lhe fatais. Zoom Airlines, EOC, Silverjet e Maxjet foram outras companhias britânicas de baixo custo que recentemente foram forçadas a fechar que as portas.
Despedimentos na British
Airways e Alitalia
A provar que nem as maiores companhias europeias escapam à crise, a Bristish Airways anunciou, dia 12, a intenção despedir 1400 quadros de gestão, com vista a reduzir custos no valor de 170 milhões de libras (205 milhões de euros). Segundo a imprensa britânica, a transportadora aérea, que se encontra em processo de fusão com a espanhola ibéria, irá oferecer indemnizações a empregados que auferem salários entre os 48 mil e os 300 mil euros anuais.
Situação mais dramática é vivida actualmente na Alitália, companhia aérea italiana que tem em marcha um processo de desmembramento e falência, que prevê a passagem dos sectores rentáveis para um consórcio de investidores privados.
Na madrugada de segunda-feira, os sindicatos maioritários aceitaram um plano de redução de três mil postos de trabalho, cedendo às pressões da administração que ameaçava suspender os voos alegando falta de meios para adquirir combustível. O estado italiano detém ainda 49,9 por cento do capital da companhia.
Economia regride, inflação dispara
A Comissão Europeia reviu, no dia 10, em baixa as previsões de crescimento económico para 2008, que se fica agora por 1,4 por cento na União Europeia e 1,3 por cento na zona euro, ou seja, uma diminuição de 0,5 pontos percentuais em relação às previsões económicas da Primavera.
O executivo comunitário também antecipa uma subida da taxa de inflação no ano corrente para 3,8 por cento na UE e 3,6 por cento na zona euro, contra 3,6 e 2,1 por cento calculados na Primavera.
Esta actualização das previsões baseia-se na evolução verificada em sete estados-membros (Alemanha, França, Itália, Reino Unido, Espanha, Holanda e Polónia) que representam cerca de 80 por cento do PIB nominal da UE e 85 da zona euro.
Destes recorde-se que a Alemanha e o Reino Unido estão já em recessão económica depois de terem registado crescimentos negativos durante dois trimestres consecutivos.
Segundo a Comissão Europeia, a má situação económica deve-se ao «agravamento da crise nos mercados financeiros», à subida dos preços dos alimentos e ao impacto da contracção do mercado imobiliário, cujas dificuldades são igualmente consequências da crise financeira.
As previsões apontam um crescimento de 1,8 por cento na Alemanha, 1,4 por cento na Espanha, 1,0 por cento na França, 1,1 por cento no Reino Unido e 0,1 por cento na Itália. A Holanda (2,2%) e a Polónia (5,4%) apresentam as estimativas mais optimistas.
Fonte: Jornal Avante.
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