De olho em grampos, OAB ignora tortura de jovens.
Diego Salmen
O presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Cezar Britto, afirmou na quarta-feira, 3, que o Brasil é uma "grampolândia". A declaração foi dada em referência à denúncia da revista Veja de que a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) teria grampeado uma conversa entre o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). O dirigente da OAB também declarou que há uma "perceptível" insegurança entre os brasileiros que falam ao telefone.
Na mesma quarta-feira, três jovens inocentes (Renato Correia de Brito, William César de Brito Silva e Wagner Conceição da Silva) foram soltos após passarem dois anos encarcerados. Acusados de homicídio na cidade de Guarulhos (SP), os rapazes alegam que, à época, confessaram o crime sob tortura. Eles foram soltos depois que Leandro Basílio Rodrigues, o chamado "maníaco de Guarulhos", assumiu a autoria do assassinato.
Escandalizada com o excesso de grampos no país, a OAB não se manifestou sobre o episódio. Até às 12h45 desta quinta-feira, 4, não havia na homepage da entidade nenhuma declaração oficial ou menção ao episódio dos três jovens - quase 24 horas após sua libertação.
Terra Magazine questionou o presidente da OAB sobre a pouca atenção dada à tortura nas cadeias e delegacias brasileiras e à prisão de inocentes, em detrimento da discussão sobre as escutas telefônicas irregulares. A príncipio, disse que a entidade "se manifesta o tempo todo" sobre essa questão.
No entanto, quando confrontado com a informação de que não havia nenhum posicionamento da entidade sobre o ocorrido em seu site oficial, admitiu:
- Tem razão, e eu vou colocar no ar essa matéria em relação aos jovens.
Em entrevista a Terra Magazine, Britto afirma que as torturas no sistema prisional brasileiro estão banalizadas. A declaração corrobora um relatório da ONU (Organização das Nações Unidas) publicado em novembro de 2007, segundo o qual a prática de tortura é "sistemática" nas prisões e delegacias do país.
- A tortura é crime de lesa-humanidade, e por isso não pode ser permitida e aceita no Brasil - diz.
Na entrevista a seguir, o dirigente da OAB comenta ainda os trabalhos da CPI dos Grampos, em Brasília, e a revisão da Lei de Anistia.
Confira:
Terra Magazine - O senhor disse ontem que o Brasil é a "grampolândia". Como a OAB encara a questão dos grampos ilegais?
Cezar Britto - Com preocupação. O grampo sobre o ministro Gilmar Mendes e, segundo informações, a ministra-chefe (da Casa Civil) Dilma Rousseff e os senadores da República, é uma demonstração clara de que nós perdemos o controle sobre aqueles que estão grampeando a vida do brasileiro, quer sejam instituições públicas ou privadas. O Brasil está vivendo um grande Big Brother, e quando se fala em grampolândia é porque está todo mundo grampeando todo mundo, e instrumentos de grampos estão sendo vendidos nas esquinas. É hora de darmos um basta, respeitarmos os preceitos fundamentais da Constituição, que diz expressamente que a vida íntima das pessoas tem que ser preservada. E respeitar o Brasil.
O que a OAB propõe para resolver essa situação?
É preciso aperfeiçoar a legislação brasileira que trata da interceptação telefônica e dos grampos ambientais, porque a tecnologia avançou e a legislação é muito antiga. Nesse sentido, já há um Projeto de Lei na Câmara e no Senado, e o governo está apresentando uma outra contribuição em que tipifica esse tipo de crime e coloca penas administrativas e disciplinares mais rigorosas para os servidores públicos que cometem o grampo, o que tem o nosso apoio.
A OAB também apóia o pedido da CPI dos Grampos de quebrar o sigilo da Operação Satiagraha?
Eu acho que nós temos que entrar fundo também no mérito da operação, que é a questão da corrupção. E não ficar apenas discutindo os excessos. É importante regulamentar para que não tenha excesso, mas também é importante que se combata o crime de colarinho branco. E essa matéria não está sendo discutida. Então a CPI que a OAB tem apoiado, é a CPI do Colarinho Branco.
A OAB se escandaliza com o fato de três jovens inocentes terem ficado presos por dois anos?
É.... É uma demonstração clara de que as instituições são falíveis. É...os advogados falham, o Ministério Público falha, a Polícia Federal falha. Esse é um exemplo típico. É necessário que tenhamos instrumentos de defesa da cidadania para reagirmos à possível falha. Digamos que a condenação pode resultar em dano irreparável ao cidadão, esse exemplo serve para ilustrar. Quer dizer, se você faz processo açodadamente e condena publicamente sem a decisão judicial, sem indícios fortes, apenas pelo prazer de condenar ou para dar uma resposta imediata à sociedade, vai se cometer injustiças graves e irreversíveis como essa.
Por que a OAB não se manifesta sobre essa questão com a mesma veemência com que critica os grampos?
Nós nos manifestamos o tempo todo sobre isso. A grande questão é que a manifestação da OAB em defesa dos direitos dos pobres não repercute. Quando a OAB se manifesta em relação à violência contra os pobres, é entendido pela sociedade e setores da imprensa como 'lá vem a OAB protegendo bandido'. Porque na compreensão das pessoas, pobre é bandido. E todas as vezes que nós nos manifestamos em relação a eles, a favelados, à miséria...
O site da OAB não tem nenhuma declaração ou menção a respeito desse episódio dos três jovens.
Você olhou... você pode anotar, se você for lá na OAB, ali no site tem a "Brasil contra a Violência" (NR: nessa seção também não há referência à denúncia de tortura e à prisão dos jovens inocentes), e ali nós vamos estar discutindo justamente que a violência atinge os pobres. E eu também, em minha manifestação, disse que é preciso dar aos pobres as garantias que são dadas aos ricos, como o não uso de algema. Isso eu tenho feito o tempo todo. Mas você tem razão, e eu vou colocar no ar essa matéria em relação aos jovens.
Os três jovens alegaram terem sido torturados para confessar a autoria do crime que os manteve preso nestes dois anos; em 2007, a ONU publicou um relatório dizendo que a prática de torturas em cadeias brasileiras é sistemática. A OAB acha que, assim como os grampos, há uma banalização da tortura nas cadeias brasileiras?
Também acho. A tortura é crime de lesa-humanidade, e por isso não pode ser permitida e aceita no Brasil. E é exatamente para mostrar que a tortura deve ser punida que nós defendemos a tese de que tortura não é crime político e que, por não ser crime político, não se beneficia da Lei da Anistia.
Nessa questão há uma concordância com o ministro Tarso Genro...
Exatamente. Nós temos a mesma compreensão sobre esse ponto. Primeiro que a Anistia não é amnésia, e não sendo amnésia, nós temos que conhecer o que aconteceu durante o período da ditadura militar e abrir os seus arquivos. Segundo, a tortura é crime de lesa-humanidade imprescritível, e quem torturou tem que ser punido.
Terra Magazine
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