Contra a ruína
Por Jânio de Freitas
Já está digerida e absorvida grande parte, talvez a maior, do
choque emocional com a vergonheira oferecida pela seleção. Variados são
os sinais em tal sentido. Desde a inundação de piadas a respeito até a
quase nenhuma reação à indigna conduta de Felipão e de Carlos Alberto
Parreira na entrevista conjunta, com as considerações que representaram,
a um só tempo, descarados autoelogios e, mais do que desrespeito,
deboche com a frustração sentida e doída no país todo.
Diante da pouca duração demonstrada pela ira de uns e pelo
abatimento de outros, quem contava com o desastre da seleção como fator
favorável aos oposicionistas, caso sobretudo dos aecistas, passa a ter
agora a frustração que a derrota, lá no fundo, não lhes causou. Nos
últimos dias, o próprio Aécio Neves tem proclamado: "O governo quis se
aproveitar da Copa, agora vai pagar"; "quem tentou explorar a Copa
eleitoralmente vai se dar mal".
Pobre Aécio, então. Foi o candidato que, enquanto a seleção
avançava, vestiu a camisa do time, com o escudo comprometedor da CBF,
assim se fez fotografar até com a mulher recém-parturiente e mandou para
Redações suas fotos de exploração eleitoral da Copa e da seleção. Há
bastante campanha, ainda, para suas declarações recuperarem o pudor.
Para os dirigentes do futebol brasileiro não há tal oportunidade.
Nem mesmo com a esperada aprovação, prevista para os próximos dias, da
Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte (fiscal, no caso, refere-se às
obrigações financeiras do esporte organizado com o Estado --impostos,
INSS e outros). Em sua forma original, esse projeto do deputado cearense
André Figueiredo dava aos clubes anistias a granel. Emendas do
fluminense Otavio Leite e de outros deputados substituíram o calote
consentido por até 25 anos para pagamento parcelado, e possível
responsabilização judicial de dirigentes descumpridores das obrigações
do acordo ou vindouras.
Já é um regramento dos clubes para uma dívida de bilhões, que
ninguém sabe a quanto vão de fato: a contabilidade dos clubes não é
confiável. Até porque fazê-la assim tem sido a primeira cobertura para a
conexão entre cofres de clubes e enriquecimento de dirigentes. Mas o
primeiro passo não impede a criação de mais endividamentos provenientes
do grande problema do futebol: a grande corrupção.
Hoje, a contratação normal de um jogador é engrandecida, por mais
que ele ganhe, pelo que outros vão ganhar, com menor ou maior dose de
ilegitimidade. Quem propõe o negócio, quem o discute, quem o autoriza
como presidente, ou diretor, ou superintendente, ou técnico, e os
empresários e agentes são, em grande número, potenciais recebedores de
altas importâncias. O grosso, por baixo da mesa e dos impostos. Salários
de jogadores, feitas tais transações, também são passíveis de
distribuição de quotas mensais.
Daí a incessante compra e venda de jogadores constatável nos
clubes. Daí, também, os altos valores das transações em geral
inconciliáveis com a qualidade do contratado. Do número e do valor das
compras e vendas faz-se o rombo financeiro dos clubes, multiplica-se a
exportação de jogadores e aprendizes, promissores ou não, e o futebol
brasileiro se arruína.
Pelo que disse Dilma Rousseff, depreende-se que o governo
descobriu, de uma só vez, o estado em que está o futebol brasileiro, por
obra financeiramente oportunista de centenas ou milhares de dirigentes,
e a importância do futebol para a significação internacional do país.
Se a descoberta se destinar à busca de resultados, nenhum início seria
mais eficiente do que o cerco --investigatório, legislativo e
administrativo-- do lado degradante dos negócios do futebol.
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