Ilha das Flores, no RJ, é reconhecida como base de tortura militar

Jornal GGN - A Ilha das Flores foi palco de tortura de 200 pessoas, declara Comissão Nacional da Verdade. A Ilha foi visitada por integrantes da Comissão e por ex-presos políticos, que fizeram o reconhecimento. A Base Militar de Fuzileiros Navais da Ilha das Flores seriviu, entre 1969 e 1971, sendo depois substituida pelo Doi-Codi, no Centro do Rio de Janeiro. Leia matéria da Folha.

da Folha
Ilha foi palco de tortura de 200 pessoas, diz comissão
Comissão Nacional da Verdade visita base militar com ex-presos políticos
Ex-militar da Marinha também retornou nesta terça à base de fuzileiros navais e fez reconhecimento
DO RIO
A Comissão Nacional da Verdade concluiu que 200 pessoas foram presas e torturadas na Base de Fuzileiros Navais da Ilha das Flores (BFNIF), em São Gonçalo, no Rio, entre 1969 e 1971. A conclusão foi anunciada numa visita à base nesta terça (21).
Na visita, 14 ex-presos políticos ajudaram peritos e pesquisadores da CNV e da CEV-Rio (Comissão Estadual da Verdade do Rio) a mapear a base e identificar salas de tortura. A base foi usada como prisão a partir do fim de 68.
As pessoas que testemunharam durante a visita estiveram presas entre 69 e 71.
Apurações da CNV indicam que a base foi substituída pelo DOI-Codi [centro de repressão do Exército] no Rio a partir de 71 como centro de tortura. Segundo as testemunhas, sessões de tortura eram acompanhadas por um médico, conhecido entre os presos como Dr. Coutinho, que avaliava a condição de saúde do torturado e autorizava a continuidade da sessão.
Zilea Rezik, 67, diz ter sido uma das primeiras mulheres a ser presas durante a ditadura na região Sudeste. Como outras testemunhas presentes, ela foi membro do MR-8 (Movimento Revolucionário Oito de Outubro). Ficou presa na base da Ilha das Flores por cerca de seis meses, depois foi julgada e transferida para o presídio de Bangu.
"A coisa sexual era muito presente na tortura. Ficávamos nus. Tinha todo um assédio, passavam a mão na gente e nos xingavam de todos os nomes", diz Zilea, que trabalha numa ONG que defende direitos das mulheres.
Estava presente um ex-militar da Marinha, Heleno Cruz, que confirmou a localização das salas de tortura e disse ter visto objetos usados para esse fim, como martelos, paus de arara e torniquetes. Cruz era soldado na época e diz ter jogado no mar alguns dos instrumentos de tortura aos quais teve acesso.
Essa foi a última de sete visitas que a CNV realizou a locais que foram objeto de sindicância por parte das Forças Armadas realizada a pedido da CNV. Segundo a Comissão, nesses sete locais ocorreram torturas e mortes. O pedido de sindicância encaminhado ao Ministério da Defesa diz que houve "desvirtuamento do fim público estabelecido para aquelas instalações".
"A visita só comprovou aquilo o que já sabíamos. Lamentamos que isso não tenha sido reconhecido de forma clara no relatório da comissão de sindicância [das Forças Armadas]", disse Pedro Dallari, coordenador da CNV.
As Forças Armadas afirmaram em agosto que não houve desvio de função nas unidades, mas não se pronunciaram sobre a ocorrência de tortura e mortes nos locais.
Com essa visita acaba a fase de apuração de dados da comissão, que agora se dedicará à feitura do relatório, a ser entregue em 10 de dezembro, dia dos Direitos Humanos. A comissão concluirá os trabalhos em 16 de dezembro. Participaram ainda da diligência na ilha os membros da CNV José Carlos Dias, Maria Rita Kehl, Paulo Sérgio Pinheiro e Rosa Cardoso.