Sobre os erros
Margens de erro de pesquisas eleitorais são 'falsas', dizem analistas
Para pesquisadores, além de serem
imprecisas, as pesquisas não inspiram confiança e tornam as margem de
erro 'ficção'. Arranjos nos números podem confundir o eleitorado
por Thiago Domenici.
ascom/ba
Na Bahia, pesquisas apontavam Souto (DEM) como favorito ao governo e Costa (PT) foi eleito no 1º turno
São Paulo – A informação divulgada a
granel nos jornais e telejornais de que "a margem de erro é de dois
pontos percentuais, para mais ou para menos" e de que o nível de
confiança de uma pesquisa "é de 95%" sugere que é quase impossível errar
o prognóstico. Nos últimos pleitos, essa chancela de credibilidade
matemática tem se demonstrado frágil e a polêmica voltou à baila com o
fim do primeiro turno e o início do segundo.
Geralmente, durante e após as eleições, pesquisas
são esmiuçadas em análises e ganham demasiado poder nas disputas
políticas por cargos no Executivo e no Legislativo, mas, segundo os
pesquisadores entrevistados pela RBA, Pergentino Mendes de
Almeida e José Ferreira de Carvalho, os métodos e modelos dos grandes
institutos de pesquisa nacionais são questionáveis.
Para eles, além de serem imprecisas, os levantamentos
não inspiram confiança e tornam as "margem de erro" ficção, que será
explicada adiante. Antes, para exemplificar, vale atenção nos números
divulgados nas seis das pesquisas realizadas até agora neste segundo turno
presidencial, disputado por Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB).
Para facilitar a conta, a margem de erro não será considerada. A
primeira delas foi realizada pelo Instituto Paraná e divulgada pela
revista Época. São oito pontos à diferença a favor de Aécio (54% para o
tucano e 46% para a petista). Na pesquisa seguinte, do Instituto Veritá,
a vantagem de Aécio foi de 9,6 pontos percentuais (54,8% contra 45,2%
de Rousseff). Na terceira pesquisa, realizada pelo Sensus, Neves obteve
58,8% e Rousseff 41,2%, uma diferença de 17,6 pontos percentuais. Já a
pesquisa Ibope, encomendada pela TV Globo e pelo jornal O Estado de S. Paulo,
indicaram Aécio com 46% e Dilma Rousseff com 44%, o que é considerado,
apesar dos dois pontos a favor do tucano, um empate técnico. O resultado
do Datafolha foi idêntico ao do Ibope, 46% a 44%. Porém, na última
pesquisa Vox Populi, encomendada pela TV Record, Record News e R7, Dilma
está à frente de Aécio, com 45%, ante 44% do tucano, o que também é
considerado empate técnico.
Como se percebe, as diferenças são gritantes, o que
remete também ao primeiro turno da eleição, onde as discrepâncias entre
pesquisas e resultados foram consideráveis em pelo menos nove estados,
além da corrida presidencial. Como explicar, por exemplo, os 33,5% dos
votos válidos de Aécio Neves (PSDB), enquanto os levantamentos de Ibope e
Datafolha, apontavam menos de 30% às vésperas da eleição? A primeira
colocada, Dilma Rousseff, obteve, nas últimas pesquisas do primeiro turno, índices entre 44% e 46%, sendo que, nas urnas, alcançou 41,6% dos votos válidos.
Além disso, na disputa para o governo da Bahia, as
intenções de voto apontavam como favorito o candidato Paulo Souto (DEM).
No entanto, os baianos elegeram Rui Costa (PT) em 1º turno. No
Rio Grande do Sul, às vésperas da votação, os institutos indicavam Tarso
Genro (PT) à frente de Ana Amélia (PP) e José Ivo Sartori (PMDB),
empatados, na corrida para o governo estadual. E o resultado das urnas,
contudo, levou Sartori ao 2º turno como o mais votado, seguido por Tarso.
Esses estranhos arranjos nos números podem confundir o eleitorado. Não à toa, o jornalista Jânio de Freitas, da Folha de São Paulo,
deu um puxão de orelhas nos Institutos ao escrever que “há um mal estar
disseminado com as pesquisas”. Os resultados apresentados, diz ele, tem
influência direta no chamado “voto útil”. E as suspeitas de
confiabilidade, metodologia e aplicação tornam a questão ainda mais
complexa.
Ao jornal O Globo, Mauro
Paulino, presidente do Datafolha negou a existência de erro nesse
primeiro turno. Disse que "as pesquisas da véspera da eleição não tem
intenção de acertar o número da urna" e que o eleitor brasileiro decide o
voto "cada vez mais em cima da hora". Disse ainda: "até por marketing,
nós mesmos, dos institutos de pesquisa, tratamos esses números
divulgados na véspera da eleição como prognósticos, mas, na verdade,
eles são diagnósticos. Eles refletem uma realidade que já passou. Não
estão olhando para a frente. Olham para trás. Falam do passado, do
momento em que o eleitor foi entrevistado, e não do futuro. É importante
que os institutos de pesquisa tenham coragem para dizer com toda a
clareza que, quando publicam os resultados de uma pesquisa de intenção
de voto, o número já é velho."
José Ferreira de Carvalho, professor aposentado da Unicamp e consultor da empresa Statistika, é um contundente questionador dos institutos de pesquisa. Ele explicou à RBA que essas diferenças entre Aécio e Dilma no segundo turno estão erradas. "Você tem 17 pontos de diferença em uma pesquisa, oito em outra e zero em outra, ou seja, estão completamente fora. É mais fácil você acertar na mega-sena do que acontecer uma coisa dessas."
José Ferreira de Carvalho, professor aposentado da Unicamp e consultor da empresa Statistika, é um contundente questionador dos institutos de pesquisa. Ele explicou à RBA que essas diferenças entre Aécio e Dilma no segundo turno estão erradas. "Você tem 17 pontos de diferença em uma pesquisa, oito em outra e zero em outra, ou seja, estão completamente fora. É mais fácil você acertar na mega-sena do que acontecer uma coisa dessas."
Mesmo com os principais institutos de pesquisa do
país (Datafolha, Ibope, Vox Populi e Sensus) com diferenças de ordem
metodológicas que, em tese, podem ajudar a explicar divergências em
termos de resultado, Carvalho diz que que os levantamentos não são
confiáveis. "Te digo como estatístico, a resposta é que não dá pra
confiar. As margens de erro e as fórmulas que eles usam estão erradas."
Há mais de cinquenta anos trabalhando na área de
comunicação e pesquisas, o professor Pergentino Mendes de Almeida
destaca que o problema não está somente nos institutos de pesquisa e
métodos pouco claros. "É a filosofia da coisa", diz. "Em parte, é o modo
como as pessoas em geral e a mídia em particular encaram os resultados
de pesquisas que causam tamanha confusão". Para ele, deveria ser mais
explicitado que a pesquisa eleitoral tem um fator de imprecisão. "Quando
se trata da margem de erro, por exemplo, piora, pois a explicação está
mesmo errada."
O método utilizado comumente é conhecido como
amostragem por cotas, ou seja, aquelas em que se pré-determina quem o
entrevistador deve procurar, por sexo, classe social, região de moradia,
etc., e que deixa para o entrevistador creditar as pessoas nos perfis
determinados. As cotas são determinadas de acordo com dados confiáveis
do Censo do IBGE, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), dos tribunais
regionais eleitorais ou de outra fonte confiável e representativa da
população da qual se quer tirar uma amostra. "Amostras por cotas podem
ser bastante representativas, mas o problema é que não há um modo
simples de calcular a probabilidade de errar. Elas podem requerer um
fator multiplicativo quase impossível de calcular. No caso de prévias
eleitorais, realmente impossível de calcular", diz Pergentino
O processo por cotas também é mais rápido e,
sobretudo, mais barato. Estima-se que uma pesquisa com 1,1 mil eleitores
– quantitativo padrão – dura em média de dois a três dias, enquanto no
modelo considerado ideal, chamado de amostra probabilística simples,
levaria muitos dias.
José Ferreira de Carvalho confirma que o processo por
cotas é mais ágil, mas argumenta que não se pode permitir que seja
declarada uma "margem de erro falsa". Já Pergentino explica que, numa
amostra probabilística simples, o Instituto tem de ter a lista de todos
os eleitores e fazer um sorteio, absolutamente ao acaso, de modo que
cada um tenha a mesma chance de ser sorteado para responder ao
questionário.
Para ele, no entanto, apesar das limitações
apresentadas, é preciso que políticos, mídia e público criem menos
expectativas com as pesquisas eleitorais. "Não tomem esses números como
números precisos e exatos, eles são uma projeção da realidade". A
sugestão do professor para substituir o texto de margem de erro
apresentado no começo da reportagem é: "Esta é uma amostra por cotas,
não é probabilística e está sujeita ao erro que não é possível
calcular". Colocar o termo erro, segundo ele, evitaria esse tom de
"certeza" que se criou em torno dos resultados e faria essa
diferenciação na qual não é possível atribuir probabilidade ao método de
cotas.
Punição e multa
Em 2010, as diferenças entre pesquisas e urnas
suscitaram a indignação do deputado federal Rubens Bueno (PPS-PR) que
propôs o Projeto de Lei 96/11. Nele, o parlamentar pede alteração da lei
eleitoral 9.504/97 e solicita maior punição a institutos de pesquisa
envolvidos em levantamentos fraudulentos. "A margem de erro seria um
caso. E se você fizer dessa pesquisa um instrumento para se eleger, aí é
uma fraude que deve ser punida de acordo com a lei", explicou o
parlamentar à RBA.
Ao fim desse primeiro turno, alguns líderes
partidários da Câmara dos Deputados assinaram – segundo ele, menos o PT –
um requerimento de urgência para que o projeto seja votado ao fim do
segundo turno. "Vai depender da vontade do presidente da Câmara de
pautar o assunto", enfatiza. Em suma, o PL propõe:
1. Detenção de seis meses a um ano e multa no valor de 500 mil a um milhão de reais;
2. Será fraudulenta a pesquisa realizada e divulgada
até cinco dias antes da eleição e que apresentar o resultado acima da
margem de erro registrada e;
3. Caracteriza-se também como fraudulenta a pesquisa
quando ela for realizada e divulgada até cinco dias antes da eleição e o
resultado do respectivo pleito divulgado pela Justiça Eleitoral estiver
acima da margem de erro registrada pela entidade ou empresa
responsável.
Para Bueno, a sensação que ficou em 2010 e agora
não foi de um simples erro, mas de "fraude", tamanha a discrepância dos
números do levantamento e o resultado das urnas. "Se o instituto de
pesquisa diz que a margem de erro é de dois pontos para mais ou para
menos e o índice é de 95%, eles têm de ser responsabilizados, pois isso
induz o eleitor a tomar uma decisão."
A legislação eleitoral possui poucas amarras de
controle da qualidade das pesquisas. A resolução do TSE sobre o assunto
obriga o registro delas, inclusive dos intervalos de confiança e margens
de erro, mas não há qualquer análise da veracidade dos números, "a não
ser em caso de pedido de investigação ao tribunal", explicou a
assessoria de comunicação do TSE.
Nesse segundo turno, o direção do PT já questionou à
Justiça Eleitoral em relação a divulgação do Instituto Paraná e Veritá,
citados acima, ambos paranaenses, cujo resultado favorável a Aécio Neves
(PSDB) foi usado em campanha de televisão. Os resultados foram
considerados "fora da realidade" pela direção do PT, que pediu
esclarecimentos em relação à metodologia e à abrangência do estudo.
Os números de uma pesquisa eleitoral são inseridos no denominador de uma complicada teoria matemática, chamada fórmula de variância. Historicamente, a prerrogativa da polêmica não é exclusividade nacional. A primeira pesquisa eleitoral do mundo, publicada em 1932, pelo jornal norte-americano Literary digest, usou o seguinte método: enviou 20 milhões de cédulas aos eleitores, obtendo o retorno de três milhões que apontavam a preferência por Franklin D. Roosevelt, que acabou eleito presidente dos Estados Unidos. Lá, o método de cotas foi utilizado até as eleições presidenciais de 1948. Naquele ano, uma manchete do Chicago Daily Tribune estampou a vitória de Thomas Dewey sobre Harry Truman, que não ocorreu. Eleito, Truman deixou-se fotografar sorrindo com o jornal nas mãos. Desde então, o sistema de pesquisa probabilístico "puro" (apenas com sorteios de entrevistados) serviu de contraponto ao método de cotas.
Os números de uma pesquisa eleitoral são inseridos no denominador de uma complicada teoria matemática, chamada fórmula de variância. Historicamente, a prerrogativa da polêmica não é exclusividade nacional. A primeira pesquisa eleitoral do mundo, publicada em 1932, pelo jornal norte-americano Literary digest, usou o seguinte método: enviou 20 milhões de cédulas aos eleitores, obtendo o retorno de três milhões que apontavam a preferência por Franklin D. Roosevelt, que acabou eleito presidente dos Estados Unidos. Lá, o método de cotas foi utilizado até as eleições presidenciais de 1948. Naquele ano, uma manchete do Chicago Daily Tribune estampou a vitória de Thomas Dewey sobre Harry Truman, que não ocorreu. Eleito, Truman deixou-se fotografar sorrindo com o jornal nas mãos. Desde então, o sistema de pesquisa probabilístico "puro" (apenas com sorteios de entrevistados) serviu de contraponto ao método de cotas.
Pergentino Mendes de Almeida orienta que a campanha
eleitoral é um processo dinâmico e a função da pesquisa é documentar a
dinâmica do processo por retratos sucessivos das mudanças até o
desenlace nas urnas. De fato, a pesquisa eleitoral é útil nessa
documentação, mas não na capacidade de acertar o resultado final. "Se se
quiser antever o resultado futuro da campanha e não se estiver
preparado para aceitar as limitações próprias do processo racional de
pesquisa do real, recomendaria que se procure uma cartomante e não um
instituto de pesquisas", recomenda o professor.
Conheça os tipos de pesquisa que podem ser feitos pelos institutos
Cenário projetado
Supondo que a cidade tenha três bairros, sendo o bairro A ocupado por moradores de classe alta, o bairro B de classe média e o bairro C por moradores de classe baixa. Considerando ainda que 10% da população está no bairro A, 30% no bairro B e 60% no bairro C. A pesquisa seria realizada com 1 mil eleitores desse município.
Como seria a pesquisa por cotas
O instituto localizaria os três pontos de maior fluxo de cada bairro: shopping (bairro A), galeria (classe B) e mercado público (classe C). Os entrevistadores escalados para cobrir a classe A teriam que entrevistar 100 pessoas de classe social no shopping. Os entrevistadores da classe B teriam que consultar 300 pessoas e os da C teriam a tarefa de entrevistar 600 pessoas. É um método rápido, utilizado por institutos como Ibope e Vox Populi
Como seria a pesquisa probabilística
O instituto contabiliza todas as ruas dos três bairros. Sorteia 10% das ruas do bairro A, 30% das ruas do bairro B e 60% das ruas do bairro C. As ruas sorteadas teriam todas mapeadas. Depois, o instituto faria um segundo sorteio de um percentual de domicílios de cada rua a serem entrevistados. Trata-se de um método mais preciso e bastante trabalhoso.
Fonte: Correio Braziliense
Cenário projetado
Supondo que a cidade tenha três bairros, sendo o bairro A ocupado por moradores de classe alta, o bairro B de classe média e o bairro C por moradores de classe baixa. Considerando ainda que 10% da população está no bairro A, 30% no bairro B e 60% no bairro C. A pesquisa seria realizada com 1 mil eleitores desse município.
Como seria a pesquisa por cotas
O instituto localizaria os três pontos de maior fluxo de cada bairro: shopping (bairro A), galeria (classe B) e mercado público (classe C). Os entrevistadores escalados para cobrir a classe A teriam que entrevistar 100 pessoas de classe social no shopping. Os entrevistadores da classe B teriam que consultar 300 pessoas e os da C teriam a tarefa de entrevistar 600 pessoas. É um método rápido, utilizado por institutos como Ibope e Vox Populi
Como seria a pesquisa probabilística
O instituto contabiliza todas as ruas dos três bairros. Sorteia 10% das ruas do bairro A, 30% das ruas do bairro B e 60% das ruas do bairro C. As ruas sorteadas teriam todas mapeadas. Depois, o instituto faria um segundo sorteio de um percentual de domicílios de cada rua a serem entrevistados. Trata-se de um método mais preciso e bastante trabalhoso.
Fonte: Correio Braziliense
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