O dia em que Lula ligou. Deixa de bobeira, Élika
Toca o telefone na casa da professora Elika Takimoto e pedem um minuto para transferir a ligação:
-Alô, Elika. Oi, querida. Aqui quem fala é o Lula.
Imaginem a incredulidade da simpaticíssima moradora de Madureira,
professora de Física da minha querida Escola Técnica, que os “modernos”
chamam de Cefet, embora eu prefira continuar chamando de Celso Suckow da
Fonseca, que já teve, no ano passado, um de seus textos “sequestrados” pelo Tijolaço.
– Mas o quê? Como?! Lula!!! Não acredito!!!!!
Pois é, era Lula.Havia chegado a ele um texto da Élika, publicado em seu blog, onde ela trata da sua promessa de não falar de política.
E cumpre.
Fala só da vida, do que faz e dos seus filhos Hideo, Nara e Yuri, a “tropa” aí da foto.
Quando você ler o texto vai entender porque eu já virei fã da menina Nara, que pensa mais ou menos como eu. Minha escola foi tão boa para mim que eu queria uma escola assim pra todo mundo.
De volta à ligação: a Élika achou que era trote, pegadinha, treta de quem sabe que seu ouvido lhe prega peças.
– Mas quem me garante que não é um imitador? No Brasil inteiro tem gente que imita o Lula!
– Deixe de bobeira, companheira. Sou eu.
Aí, pronto, a Dona Élika desmontou. Como assim, o Lula, ligando para
dizer que a leu, que agradece o que ela escreveu e que ela siga em
frente?É, deixa de bobeira, Élika, que a política de verdade é isso, é a vida das pessoas.
O que a gente lê nos jornais, vê na TV e acompanha e até escreve nos blogs é espuma. A água profunda é a vida real.
É por isso que o cidadão que telefonou, quando você perguntou seu ele acreditava ainda numa mudança, respondeu:
– Companheira, acredite que há muita coisa boa para acontecer. Estou animado e muito otimista.
Ele também sabe que a espuma pode cobrir a água profunda, mas a água
ainda está lá. É ela a memória, a sabedoria coletiva dos povos.Prometo não tocar no assunto
Élika Takimoto, em seu blog
Fui orientada por várias editoras que
entraram em contato comigo a não falar de política nas redes sociais
caso queira ser uma escritora vendável. Perguntei: e sobre o que posse
escrever? Disserte sobre seu trabalho, Educação, ouvi como resposta. Ou
sobre os seus filhos, sugeriram.
Pois muito bem, trabalho no CEFET há
dez anos como professora de física e há um ano como coordenadora.
Cheguei lá pouco depois de Lula ter sido eleito presidente. No dia de
minha posse, o diretor falou que ali eu não iria encontrar professores
infelizes. Achei estranho, pois vinha da rede estadual e da particular
onde professor que não reclama nunca havia visto.
O tempo passou. De fato, nunca vi ali
professor reclamando das condições de trabalho. Vi as salas ganhando
projetores multimídia e quase todas serem climatizadas. Tudo o que
pedimos para que nosso laboratório de física ficasse mais moderno e
atualizado conseguimos. Fiz meu doutorado com redução de carga sem
redução de salário. Viajei para congressos e simpósios pelo Brasil
inteiro tudo bancada pelo CEFET. Jamais, em tempo algum, lembro-me de
querer fazer algo ali dentro para os alunos e para meu crescimento
intelectual e ser freada.
Há quatro anos, minha sala viu a
diversidade. O sistema de cotas foi implementado no meu CEFET. Se
ganharam os cotistas com a oportunidade, ganhamos muito mais os
professores por entender que capacidade intelectual nada tem a ver com a
nota de uma prova de seleção e mais ainda enriqueceram os outros alunos
por testemunhar o esforço de quem vive em outra realidade.
Sempre quis dar a melhor educação
para meus filhos. Nara se formou ano passado pelo CEFET e ontem, depois
de chegar da rua e ter visto o quão alienante é uma escola particular me
disse: o CEFET deveria ser obrigatório para todos. As escolas
particulares deveriam ser proibidas. Exageros à parte, ela quis dizer
que lucrar com educação (e saúde) deveria ser, no mínimo, digno de
vergonha.
Moro em Madureira, Yuki tem amigos na
escola em que estuda (todos brancos) e, para equilibrar esse universo,
levo meu filho sempre no Parque onde a diversidade impera.
No Parque Madureira, semana passada,
Yuki conversava com um menino da idade dele (dez anos) que mora na
Serrinha. O coleguinha viu a mãe ser estuprada e estava contando para a
gente como foi. Ele estava acompanhado do irmão mais velho que estava
“andando de skate não sei onde” enquanto ele brincava no parquinho.
Disse o menino que o irmão vai matar quem fez isso com a mãe.
Hideo, meu filho mais velho, se
formou agora em música. Está doido procurando emprego – assim como seus
amigos que se formaram em engenharia, psicologia e ciências socias. Os
editais para cultura estão fechados. Sabe Deus com que idade eles vão se
aposentar.
Desde o meio do ano passado, recebo
orientações de meus chefes imediatos para ajudar na contenção de
despesas. Vi professores querendo ir a congressos e impossibilitados por
falta de verba. Vai piorar, avisaram.
Temos toda a liberdade para usar
metodologias diferentes para ensinar não só no CEFET como em todo o
Brasil como já garante a Constituição. Mas essa nova reforma do Ensino
Médio engana e toma para si esse discurso que ‘agora’ as escolas vão
poder trabalhar de forma mais livre sendo que, em breve, veremos o
aumento da dificuldade dos pobres chegarem às universidades como deixa
claro o texto dessa Reforma.
Pronto. Falei do meu trabalho, sobre
Educação e sobre meus filhos. Seguirei a orientação e continuarei
dissertando sobre esses temas. Trarei números de quantas escolas
técnicas foram criadas em dez anos e quantas universidades novinhas em
folha visitei. Falarei também sobre a quantidade de amigos que tenho
concursados e sobre Lucimar, minha empregada, e suas colegas de trabalho
que estão felizes recebendo tudo o que tem direito.
Mas evitarei falar sobre política. Prometo.
Quem quiser ler a narrativa da Élika sobre o telefonema, acha aqui. Aproveita que ela foi ali enfartar, mas já volta.
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