Você
por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile
Um leão por dia
Estamos em fevereiro, mas o carnaval da política brasileira não promete dar descanso para o governo.
.Hay Gobierno? Sou a favor. As eleições para as presidências da Câmara e do Senado não foram propriamente uma surpresa. Como já se esperava, quem levou a melhor foi o centrão. O governo se saiu bem, conseguindo manter no poder dois aliados de ocasião: Arthur Lira (PP-AL) na Câmara e Rodrigo Pacheco (PSD-MG) no Senado. Mas o que causou espanto foi o poder do deputado. Como um camaleão fisiológico, Lira mudou de lado como quem troca de roupa: bolsonarista de carteirinha, virou um aliado de primeira hora de Lula depois das eleições, garantindo a aprovação da PEC da Transição ainda em dezembro. Agora, eleito com uma votação recorde de 464 votos, Lira surfa no novo clima político, condenando o ataque bolsonarista de 8 de janeiro, cobrando punições aos envolvidos e culpando a operação Lava Jato pelo clima político belicoso do país. Já Rodrigo Pacheco não alcançou o mesmo grau de consenso. Ele teve que enfrentar a oposição do bolsonarismo, que conseguiu mostrar que não está morto, emplacando a candidatura de Rogério Marinho (PL-RN) ao Senado. Para garantir sua vitória, Pacheco chegou a fazer média com a oposição ao defender o estabelecimento de mandatos para os ministros do STF e novas regras para decisões monocráticas da Corte. Mas, apesar do barulho, o resultado final foi positivo para o governo Lula: garantiu aliados no controle das duas casas, sintonizou o discurso do Legislativo com o do Executivo e manteve o bolsonarismo no cercadinho. Porém, a maioria no Congresso ainda não está garantida. No Senado, a situação é mais confortável, onde o governo teria 53 votos, o que permitiria a aprovação de emendas constitucionais, e a oposição deve ficar com 28 votos, suficientes para instalar uma CPI. Já na Câmara a situação tende a ser mais complicada e volátil, e a consolidação de uma maioria governista depende ainda das indicações de cargos no segundo escalão do governo. Porém, enquanto uma das bases do bolsonarismo, a bancada evangélica, vive um racha inédito no Congresso, siglas que estiveram no palanque do capitão há três meses - como PP, Republicanos e até o PL - já sinalizam uma conversão ao lulismo.
.Rumo ao quarto turno. Antes da vitória de Rodrigo Pacheco, o bolsonarismo ainda tentou tratar a eleição para a presidência do Senado como um terceiro turno da eleição presidencial. De certa forma, estavam certos, já que as movimentações e os resultados finais determinaram as peças que estão no jogo e seu posicionamento no tabuleiro daqui pra frente. Um dos vencedores não concorria a nada: Gilberto Kassab que, mais uma vez, conseguiu a proeza de ganhar com um pé no lulismo e outro no bolsonarismo, mesmo quando as duas forças se enfrentam. O governo saiu fortalecido, mas ao preço de ter que contar com aliados incômodos como a turma do União Brasil, de onde vieram uma ministra miliciana e outro que usou o orçamento secreto em benefício próprio. E Bolsonaro perdeu, porque se envolveu diretamente na campanha de Rogério Marinho. Mas, a derrota também tira o seu ex-ministro do páreo, por hora, da corrida por quem vai liderar o bolsonarismo sem Bolsonaro. Aliás, uma pesquisa de opinião mostra que 40% dos entrevistados votariam hoje no militar fujão, ou seja, que não há bolsonarismo sem o próprio capitão. Porém, capital político não é habeas corpus. O medo de ser encarcerado junto com os terroristas pode ter motivado o senador Marcos Do Val a entregar planos golpistas do chefe. Com isso, a opção de prender Bolsonaro recupera a força, ao invés da aposta da inelegibilidade com que o STF trabalhava até agora. E não eram apenas as digitais de Bolsonaro que estavam no guardanapo com planos de golpe. A versão do senador incluiria o general Augusto Heleno, chefe do GSI e da Abin, e teria ocorrido na casa de Paulo Guedes. Para completar, ao prender o ex-deputado Daniel Silveira, a PF encontrou R$ 270 mil em dinheiro vivo! O dobro do que o ex-deputado afirma ter como patrimônio. Na prática, o terceiro turno ocorreu mesmo no 8 de janeiro.
.Depois da quarta-feira de cinzas. As decisões econômicas também dependem das condições de governabilidade para avançar. A pretensão de realizar uma reforma tributária até abril para destravar as atuais restrições orçamentárias é parte da agenda da equipe econômica de Lula, e já conta com conversas da ministra do Planejamento Simone Tebet com Arthur Lira. Mas o avanço das negociações depende das indicações de Comissões Permanentes no Congresso que não devem ser resolvidas antes do carnaval. Outro tema delicado é a tributação sobre os combustíveis, que foram desonerados por Bolsonaro às vésperas da eleição, prejudicando os Estados e a União. Agora a bomba ameaça estourar no colo de Lula. Ao assumir, o petista prorrogou a medida por dois meses, mas alguma alternativa de longo prazo terá que ser apresentada. A paridade internacional dos preços praticada pela Petrobras poderia entrar em pauta, sob a gestão do novo presidente da empresa Jean Paul Prates, que tomou posse há poucos dias, embora nenhum sinal tenha sido dado ainda neste sentido. Mas, o principal imbróglio que o governo terá que resolver é o de como retomar o crescimento econômico com um Banco Central que insiste numa linha austericida. Mesmo com uma reunião prévia entre o presidente do Banco Central, Campos Neto, e o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o Copom manteve a taxa básica de juros em patamares altíssimos, provando que a autonomia da autoridade monetária tem efeitos reais sobre a política econômica. O Copom mandou ainda recadinhos para o governo ao avisar que manterá juros altos por um período prolongado e mencionar a incerteza fiscal que paira sobre o país. A alternativa de Lula poderia ser elevar oficialmente a meta da inflação como forma de pressionar o Banco Central a ceder na política de juros e, ao mesmo tempo, contar com os efeitos de uma redução da inflação mundial, como prevê o FMI, o que legitimaria uma política econômica mais expansiva.
.Ponto Final: nossas recomendações.
.Davos, Kiev e Brasília – o ocaso de um projeto. Em A Terra é Redonda, José Luís Fiori analisa os sinais da falência da estratégia econômica, política e militar norte-americana.
.Temos de descolonizar o conceito de genocídio. No Uol, Jamil Chade discute os limites de um conceito eurocêntrico que desconsidera a cosmogonia dos povos indígenas.
.Lama de Brumadinho estimulou superbactérias. Estudo da UFRJ mostra os efeitos de longo prazo causados pelo crime da Vale na bacia do rio Paraopebas.
.O papel do lítio na viagem de Scholz à América do Sul. A Alemanha corre atrás para acessar uma matéria-prima fundamental na transição energética. No DW.
.Entenda como funcionaria a moeda comum entre Brasil e Argentina. Veja porque a moeda comum ajudaria a libertar o Mercosul da dependência do dólar.
.Como o Brasil Paralelo gasta milhões pelo topo do Google. O Núcleo Jornalismo descreve o funcionamento da produtora de vídeo do bolsonarismo e maior anunciante do Facebook.
.O lugar da memória. Dez anos depois, os pais das vítimas da boate Kiss continuam em luta. Na Piauí.
.Como a questão de classe moldou a obra de Annie Ernaux. A Jacobin entrevista com exclusividade a escritora francesa, vencedora do Prêmio Nobel de literatura em 2022.
Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.
Nenhum comentário:
Postar um comentário