segunda-feira, 22 de setembro de 2008

ARTIGO - Salvamento financeiro: A cleptocracia dos EUA em ação.

– A maior transformação do sistema financeiro dos EUA desde a Grande Depressão
por Michael Hudson

Ninguém esperava que o capitalismo industrial acabasse assim. Ninguém sequer percebeu que evoluía nesta direcção. Receio que esta falha não seja invulgar entre futurólogos: A tendência natural é pensar acerca de como as economias podem crescer melhor e evoluir, não de como podem ser descarriladas. Mas surge sempre uma estrada imprevista, e então a sociedade arrebenta-se contra a sua margem.

Que par de semanas! [1]

Domingo, 7 de Setembro, o Tesouro assumiu a exposição hipotecária de US$5,3 milhões de milhões (trillion) da Fannie Mae e do Freddie Mac, cujos responsáveis já haviam sido removidos por fraude contabilística.

Segunda-feira, 15 de Setembro, a Lehman Brothers entrou em bancarrota, quando compradores em perspectiva da Wall Street não puderam ter qualquer sentimento de realidade a partir da sua contabilidade financeira. Na quarta-feira o Federal Reserve concordou em tornar bom, por pelo menos US$85 mil milhões, os pretensos prémios "segurados" possuídos por jogadores financeiros que em transacções conduzidas por computadores apostaram em hipotecas lixo e compraram cobertura de contraparte da AIG (o American International Group, cujo responsável, Maurice Greenberg, já havia sido afastado há uns poucos anos por fraude contabilística).

Mas é a sexta-feira, 19 de Setembro, que ficará na história americana como o ponto de viragem da queda. A Casa Branca comprometeu pelo menos a metade de um milhão de milhões (half a trillion) a mais para reinflacionar os preços do imobiliário numa tentativa de apoiar o valor de mercado das hipotecas lixo – hipotecas emitidas muito além da capacidade dos devedores para pagar e muito acima do preço de mercado do colateral que está a ser comprometido.

Este milhares de milhões de dólares foram destinado a manter um sonho vivo – as ficções contabilísticas registadas por companhias que entraram num mundo irreal baseado na falsa contabilidade que praticamente todos no sector financeiro sabiam ser falsa. Mas eles fingiram acreditar, com a compra e venda de hipotecas lixo empacotadas, porque era aí que estava o dinheiro. Como colocou Charles Prince, do Citibank: "Enquanto eles tocam música, você tem de levantar e dançar". Mesmo depois de os mercados entrarem em colapso, administradores de fundos que evitavam participar foram acusados de não jogar o jogo enquanto ele estava em andamento. Tenho amigos na Wall Street que foram despedidos por não corresponderem aos retornos que os seus colegas estavam a fazer. E os maiores retornos eram para ser feitos na comercialização do maior activo financeiro da economia – dívida hipotecária. As hipotecas empacotadas, possuídas ou garantidas pela Fannie e pelo Freddie sozinhas excediam toda a dívida nacional dos EUA – os défice acumulados incorridos pelo governo americano desde que o país venceu a Guerra Revolucionária!

Isto dá uma ideia de quão grande foi o salvamento – e onde jazem as prioridades do governo (ou pelo menos dos republicanos)! Ao invés de despertar a economia para a realidade, o governo lançou todos os seus recursos na promoção do sonho irreal de que as dívidas podem ser pagas – se não pelos próprios devedores, então pelo governo – o que é um eufemismo para "contribuintes".

BANKSTERS = BANQUEIROS + GANGSTERS

Da noite para o dia, o Tesouro e a Reserva Federal dos EUA mudaram radicalmente o carácter do capitalismo americano. Isto é nada menos que um golpe de Estado da classe que Franklin Dellano Roosevelt chamou de "banksters" (banqueiros+gangsters). O que aconteceu nas últimas duas semanas ameaça mudar o próximo século – irreversivelmente, se eles puderem escapar impunes disto. Trata-se da maior e mais iníqua transferência de riqueza desde a dádiva de terra aos barões dos caminhos de ferro durante a era da Guerra Civil.

Mesmo assim, há poucos sinais de que isso possa acabar com a tagarelice de livre mercado dos insiders financeiros que impediram a vigilância pública com a nomeação de não-regulamentaristas para as principais agências regulamentares – e portanto criaram a confusão que o secretário do Tesouro Henry Paulson diz agora ameaçar os depósitos bancários e os empregos de todos os americanos. O que ele realmente quer dizer, naturalmente, é simplesmente que os maiores contribuidores para as campanhas dos republicanos (e para ser justo, também os maiores contribuidores de candidatos democratas em comités financeiros chave).

Uma classe cleptocrática tomou o comando da economia e substituiu o capitalismo industrial. A expressão "banksters" de Franklin Roosevelt diz tudo numa palavra. A economia foi capturada – por um poder estranho, mas não os suspeitos habituais. Não socialismo, trabalhadores ou "big government", nem pelos monopolistas industriais ou mesmo pelas grandes famílias da banca. Certamente não pelos membros da Maçonaria e pelos Iluminati. (Seria magnífico se houvesse na verdade algum grupo a operar com séculos de sabedoria por trás de si, assim pelo menos alguém teria um plano). Ao invés disso, os banksters fizeram um pacto com um poder estranho – não comunistas, russos, asiáticos ou árabes. Não humanos de todo. O núcleo do grupo é uma nova raça de máquina. Isto pode soar como os filmes Terminator, mas Máquinas computorizadas na verdade tomaram o comando do mundo – pelo menos o mundo da Casa Branca.

Aqui está como eles fizeram isto. A AIG emitiu apólices de seguro de todas as espécies necessárias para pessoas e negócios: seguros de casas e propriedade, seguros de gado, mesmo de leasing de aviões. Estes negócios altamente lucrativos não constituíam o problema. (Eles portanto serão vendidos para pagar os maus jogos da companhia). A queda da AIG veio dos US$450 mil milhões – quase a metade de um milhão de milhões – que estavam enganchados por garantir o seguro de contraparte de hedge funds. Por outras palavras, se dois participantes jogassem um jogo de soma zero de apostas de um contra o outro sobre se o dólar subiria ou cairia contra a libra esterlina ou o euro, ou se eles detivessem uma carteira de hipotecas lixo para assegurar que elas fossem pagas, eles pagariam uma pequeníssima comissão à AIG por uma apólice prometendo pagar se, digamos os US$11 milhões de milhões do mercado hipotecários dos EUA "afundasse" ou se perdedores que colocassem milhões de milhões de dólares em apostas sobre câmbios estrangeiros derivativos, acções ou títulos derivativos devessem de alguma forma encontrar-se na posição em que estão muitos patrões de Las Vegas, e ficarem incapazes de produzir o cash para cobrir as suas perdas.

A MÃO INVISÍVEL

A AIG arrecadou milhares de milhões de dólares com tais apólices. E graças ao facto de que companhias de seguro são um paraíso Milton Friedman – não regulamentadas pelo Federal Reserve ou qualquer outra agência à escala nacional, e portanto capazes de obter o proverbial almoço gratuito sem supervisão do governo – a emissão de tais apólices era feita pelas impressoras dos computadores, e a companhia arrecadava taxas e comissões maciças sem colocar muito do seu próprio capital. Isto é o que se chama "auto-regulação". É como se supõe que trabalhe a Mão Invisível.

Verificou-se, inevitavelmente, que algumas das instituições financeiras que fizeram jogos de milhares de milhões de dólares – habitualmente na forma de um milhar de milhão de dólares jogados no decorrer de uns poucos minutos ou pouco mais – não podiam pagar. Todos estes jogos ocorreram em microsegundos, com toques num teclado quase sem interferência humana. Neste sentido, não é improvável que pessoas estranhas tomem o comando. Mas neste caso elas são como máquinas robot, daí a analogia que fiz acima com os Terminators.

Sua súbita dominação é tão imprevista quanto uma invasão de marcianos. A analogia mais próxima é a dos boys de Harvard, do Banco Mundial e da USAID a invadirem a Rússia e outros economias pós-soviéticas após a dissolução da URSS, pressionando dádivas do mercado livre a fim de criar cleptocracias nacionais. Deveria ser um sinal preocupante para os americanos o facto de estes cleptocratas terem-se tornado as Fortunas Fundadoras dos seus respectivos países. Deveríamos ter em mente a observação de Aristóteles de que a democracia é a etapa política que precede imediatamente a oligarquia.

As máquinas financeiras que colocaram as transacções que levaram a AIG à bancarrota foram programadas por administradores financeiros para actuarem com a velocidade da luz na condução de transacções electrónicas que duravam apenas uns poucos segundos, milhões de vezes por dia. Só uma máquina podia calcular probabilidades matemáticas decompostas em factores a olhar os rabiscos para cima e para baixo de taxas de juro, taxas de câmbio e preços de acções e títulos – e preços de hipotecas empacotadas. E estes últimos pacotes tomavam cada vez mais a forma de hipotecas lixo, pretendendo serem dívidas pagáveis mas na realidade vazias.

CAPITALISMO DE CASINO

A máquinas empregadas pelos hedge funds, em particular, deram um novo significado a Capitalismo de Casino. A expressão foi muito aplicada a especuladores que jogavam no mercado de acções. Ela significa fazer apostas cruzadas, perder algo e ganhar algo – e o obter do governo o salvamento dos não pagadores. A viragem na tempestade das últimas duas semanas é que os vencedores já não podem arrecadar as suas apostas a menos que o governo pague as dívidas que os perdedores são incapazes de cobrir com o seu próprio dinheiro.

Alguém poderia pensar que isto exige algum grau de controle sobre o governo. A actividade provavelmente nunca deveria ter sido licenciada. De facto, ele nunca licenciou, e portanto nunca regulamentou. Mas parecia haver uma boa razão: os investidores em hedge funds tinham de assinar um papel a dizer que eram suficientemente ricos para se permitirem perder o seu dinheiro neste jogo financeiro. Aos pequenos investidores médios não era permitido participar. Apesar dos altos prémios que milhões de minúsculas transacções geravam, elas eram consideradas demasiado arriscadas para os não iniciados sem fundos confiáveis para jogar.

Um hedge fund não faz dinheiro a produzir bens e serviços. Ele não avança fundos para comprar activos reais ou mesmo emprestar dinheiro. Ele toma emprestado enormes somas para alavancar sua aposta com crédito praticamente livre. Seus administradores não são engenheiros industriais e sim matemáticos que programam computadores para fazerem apostas cruzadas ou "straddles" [2] quanto ao caminho em que se podem mover taxas de juros, taxas de câmbio de divisas e preços de acções ou títulos – ou preços de hipotecas bancárias empacotadas. Os empréstimos empacotados podem ser saudáveis ou podem ser lixo. Isso não importa. Tudo o que importa é fazer dinheiro num mercado em que a maior parte das transacções dura apenas uns poucos segundos. O que cria os ganhos é a fibrilação-volatilidade dos preços.

Esta espécie de transacção pode fazer fortunas, mas não é "criação de riqueza" na forma que a maior parte da pessoas reconhece. Antes da fórmula matemática de Black-Scholes para o cálculo do valor de apostas hedge, esta espécie de opção put and call era demasiado custosa para proporcionar muito lucro para quem quer que seja excepto as casas correctoras. Mas a combinação de computadores poderosos e a "inovação" do crédito quase grátis e o livre acesso às tabelas do jogo financeiro fizeram possível um frenético movimento de ida e volta.

Então, por que o Tesouro considerou necessário entrar neste quadro? Por que deveriam estes jogadores serem salvos se eles tinham bastante dinheiro para perder sem se tornarem protegidos públicos? O comércio do hedge fund era limitado aos muito ricos, a bancos de investimento e outros investidores institucionais. Mas ele tornou-se um dos meios mais fáceis para fazer dinheiro, tomando emprestado financiamento a juro para que as pessoas os pagassem a partir das suas transacções cruzadas conduzidas pelo computador. E quase tão rapidamente quanto era feito, este rendimento era pago em comissões, salários bónus anuais que recordavam a Era Dourada da América nos anos anteriores à I Guerra Mundial – anos antes de o imposto sobre o rendimento ser introduzido, em 1913. A coisa notável acerca de todo este dinheiro era que aqueles que o recebiam não tinham nem mesmo de pagar o imposto do rendimento normal sobre ele. O governo deixava-os chamar a isto "ganhos de capital", o que significava que o dinheiro era tributado a apenas uma fracção da taxa a que os demais rendimentos eram onerados.

A pretensão, naturalmente, é que toda esta comercialização frenética cria "capital" real. Ela certamente não o faz no sentido clássico do século XIX de capital. O termo foi desconectado da produção de bens e serviços, contratação de trabalho assalariado ou da inovação financeira. Isto é "capital" na mesma medida do direito de dirigir uma lotaria e arrecadar os prémios dos esperançosos perdedores. Mas assim, casinos desde Las Vegas até barcos ancorados em rios tornaram-se uma importante "indústria em crescimento", turvando na linguagem as palavras capital, crescimento e a própria riqueza.

Para as tabelas de jogo serem fechadas e o dinheiro ser pago, os perdedores devem ser salvos – Fannie Mae, Freddie Mac, AIG e quem sabe o que mais está para vir? Isto é o único meio de resolver o problema de como companhias que já pagaram o rendimento aos seus administradores e accionistas ao invés de colocá-lo nas reservas irão arrecadar seus prémios de devedores e companhias de seguros insolventes (juntamente com as habituais contribuições patrióticas para os políticos candidatos nos comités chave encarregados de decidir a estruturação financeira do país).

Isto tem de ser orquestrado com muita antecipação. É necessário comprar políticos e dar-lhes uma história de cobertura plausível (ou pelo menos um bem carpinteirado conjunto de eufemismos testados em inquéritos de opinião) para explicar aos eleitores porque era do interesse público salvar jogadores. É necessária boa retórica para explicar porque o governo deveria deixá-los entrar no casino e deixá-los manter todos os seus prémios enquanto utilizam fundos públicos para tornar boas as perdas dos seus contrapartes.

O que aconteceu em 18-19 de Setembro levou anos a ser preparado, tudo enchapelado por uma falsa ideologia carpinteirada por think tanks de relações públicas para ser difundida sob condições de emergência a fim de por em pânico o Congresso – e os eleitores – exactamente antes da eleição presidencial. Isto parece ser a nossa surpresa eleitoral de Setembro. Sob condições de crise encenadas, o pres. Bush e o secretário do Tesouro Paulson estão agora a conclamar o país para se unir numa Guerra aos proprietários em incumprimento (War on Defaulting Homeowners). Dizem ser a única esperança para "salvar o sistema". (Que sistema é este? Não capitalismo industrial, ou mesmo bancário tal como o conhecemos). A maior transformação do sistema financeiro da América desde a Grande Depressão foi comprimida em apenas duas semanas, arrancando com a duplicação da dívida nacional dos EUA em 7 de Setembro com a nacionalização da Fannie Mae e do Freddie Mac. (O corrector ortográfico do meu computador não me permitirá utilizar o eufemismo "conservartorship" que o sr. Paulson aplicou ao salvamento dos fraudadores da Fannie Mae e do Freddie Mac

A teoria económica costumava explicar que lucros e juros eram um retorno para o risco calculado. Mas hoje, o nome do jogo é ganhos de capital e jogo computorizado sobre a direcção das taxas de juros, divisas estrangeiras e preços de acções – e quando são feitas más apostas, salvamentos são o retorno económico calculado conforme contribuições para campanhas. Mas supõe-se que este não seja o momento para conversar de tais coisas. "Devemos actuar agora para proteger a saúde económica do nosso país de riscos sérios", recitou o pres. Bush em 19 de Setembro. O que ele queria dizer era que a Casa Branca devia ajudar o maior grupo de contribuidores de campanha do Partido Republicano – isto é, a Wall Street – salvando-os das suas más apostas. "Haverá ampla oportunidade para debater as origens deste problema. Agora é o momento de resolvê-lo". Por outras palavras, não fazer disto uma questão eleitoral. "Na história do nosso país tem havido momentos que exigiram de nós actuarmos em conjunto acima dos partidos para tratar de grandes desafios. Este é um de tais momento". Exactamente antes da eleição presidencial! A mesma insolência foi ouvida antes, na manhã de sexta-feira, do secretário Paulson: "Nossa saúde económica exige que trabalhemos juntos para a correcção, acção bipartidária". Os noticiários disseram que metade de um milhão de milhões (half a trillion) de dólares estavam em discussão nas manobras desse dia.

Grande parte da culpa deveria caber à administração Clinton por liderar o apelo à revogação do Glass-Steagall, em 1999, deixando os bancos fundirem-se com os casinos. Ou melhor, os casinos absorveram os bancos. Foi isto o que colocou as poupanças dos americanos em risco.

OUTRA BOLHA EM PREPARAÇÃO

Mas será que isto realmente significa que a única solução é reinflacionar o mercado imobiliário? O plano Paulson-Bernanke é para capacitar os bancos a venderem os lares de cinco milhões de devedores hipotecários confrontados com incumprimentos ou arrestos ainda este ano! Possuidores de casas com "hipotecas com taxa ajustável a explodir" perderam suas casas, mas o Fed bombeará suficiente crédito para dentro das agências de concessão de empréstimos hipotecários a fim de permitir que novos compradores entrem profundamente em dívida para retirar as hipotecas lixo das mãos dos jogadores que actualmente as possuem. É o momento de outra bolha financeira e imobiliária para salvar os prestamistas e empacotadores de hipotecas lixo.

Os Estados Unidos entraram numa nova guerra – uma Guerra para salvar comerciantes computorizados de derivativos. Tal como a guerra do Iraque, ela baseia-se em grande parte sobre ficções e entrámos nela sob condições aparentemente de emergência – para a qual a solução tem pouca relação com a causa subjacente dos problemas. Nos terrenos da segurança financeira o governo está para tornar boas as empacotadas obrigações colaterizadas de dívida (CDOs) a que Warren Buffett chamou "armas de destruição financeira maciça".

Longe de ser surpresa, esta dádiva de dinheiro público está a ser manipulada pelo mesmo grupo que tão piedosamente advertiu o país acerca de armas de destruição maciça no Iraque. O pres. Bush e o secretário do Tesouro Paulson anunciaram piedosamente que esta não é a ocasião para desacordos partidários sobre esta comutação de dinheiro público em favor dos credores, ao invés dos devedores. Não há tempo para tornar o maior salvamento da história uma questão eleitoral. Não há tempo adequado para debater se é uma coisa boa re-inflacionar os preços da habitação a um nível que continuará a obrigar novos compradores de casa a incidirem tão profundamente no endividamento que deverão pagar uns 40 por cento do seu salário líquido na habitação.

Lembram-se de quando o presidente Bush e Alan Greenspan informaram ao povo americano que não havia dinheiro para pagar a Segurança Social (para não mencionar o Medicare) porque em alguma data futura (uma década a partir de agora? 20 anos? 40 anos?) o sistema poderia incorrer num défice que actualmente parece ser meramente de um trivial milhão de mlhões de dólares distribuídos ao longo de muitos e muitos anos? A moral era que se não podemos imaginar como pagar, vamos trabalhar arduamente desde já.

Os srs. Bush e Greenspan arranjaram uma solução providencial, naturalmente. O Tesouro podia transferir dinheiro da Segurança Social e do seguro médico para o Bear Stearns, Lehman Brothers e seus irmãos para investir na "mágica do juro composto".

O que teria acontecido à Segurança Social dos EUA se isto tivesse sido feito? Talvez devêssemos ver os acontecimentos das últimas duas semanas como tendo destinado aos jogadores da Wall Street todo o dinheiro que fora posto de lado desde que em 1983 a Comissão Greenspan comutou o fardo fiscal para a retenção sobre o salários para o Federal Insurances Contributions Act (FICA). Não são os aposentados que estão a ser resgatados e sim os investidores da Wall Street que assinaram papeis a dizer que podiam permitir-se perder o seu dinheiro. O slogan republicano neste mês de Novembro deveria ser: "Jogo seguro, não saúde segura".

Não era assim que o muito louvado "Caminho da servidão" ("Road to Serfdom") estava programado para funcionar. Frederick Hayek e seus Chicago Boys insistiam em que a servidão viria do planeamento governamental e da regulamentação. Esta visão punha de pernas para o ar os reformados clássicos da Era Progressista que descreviam o governo a actuar como cérebro da sociedade, a pilotar o mecanismo para moldar mercados.

A teoria da democracia repousava na suposição de que os eleitores actuariam no seu próprio interesse. Reformadores do mercado fizeram a feliz suposição semelhante de que consumidores, poupadores e investidores promoveriam crescimento económico ao actuarem com pleno conhecimento e entendimento da dinâmica em acção. Mas a Mão Invisível verificou-se ser fraude contabilística, empréstimos hipotecários lixo, negócios de iniciados e um fracasso em relacionar a sobrecarga de dívida em ascensão com a capacidade dos devedores para pagar – toda esta confusão aparentemente legitimada por modelos computorizados de comercialização, e agora abençoada pelo Tesouro.
20/Setembro/2008
[1] Este artigo é anterior ao novo salvamento (mais de US$700 mil milhões) de bancos arruinados, anunciado sábado 20 de Setembro pelo secretário do Tesouro Henry Paulson.
[2] Straddles: Combinação de uma opção de compra (call) com uma opção de venda (put) com o mesmo preço de exercício.

O original encontra-se em http://www.counterpunch.org/hudson09202008.html

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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