José Luis Oreiro e Gabriel Coelho Squeff - VALOR
“O evento econômico mais importante do período Pós-Segunda Guerra mundial foi algo que não aconteceu: não houve uma grande e prolongada depressão”. Essa frase do economista pós-keynesiano americano Hyman Minsky abre o capítulo introdutório do seu livro clássico: “Pode ‘aquilo’ acontecer de novo?”, publicado em 1982. Por “aquilo”, Minsky se referia à Grande Depressão de 1929, o evento mais traumático da história econômica dos Estados Unidos no século XX. Nesse livro, Minsky procura responder a uma questão fundamental, a saber: que ou quais razões têm impedido que a instabilidade crônica das economias de mercado se traduza numa queda profunda e prolongada do nível de atividade econômica, tal como ocorreu nos EUA e demais países desenvolvidos na década de 1930?
Essas questões ganham uma importância redobrada no atual cenário econômico internacional. Em apenas sete dias observou-se: 1) o anúncio de que o Tesouro americano assumiu o controle das gigantes do mercado hipotecário, Fannie Mae e Freddie Mac, conjuntamente a um aporte de US$ 200 bilhões nessas instituições; 2) o pedido de concordata do quarto maior banco do país, o Lehman Brothers; e 3) a solicitação de empréstimo da ordem de US$ 40 bilhões da seguradora AIG ao Federal Reserve (Fed). Como resultado, as principais bolsas de valores caíram: o Ibovespa teve o pior resultado dos últimos sete anos (-7,59%), o índice Dow Jones perdeu 4,42% e o Nasdaq 3,6%; comportamento similar foi observado nas bolsas de valores do Leste Asiático e na Europa Ocidental. Ao que tudo indica, a crise internacional, iniciada em meados do ano passado como decorrência do colapso do mercado de crédito subprime nos Estados Unidos, não só está bem longe do fim, como ainda parece ser muito mais grave do que a maior parte dos analistas acreditava até então. Nesse contexto, coloca-se mais uma vez a pergunta de Minsky: “Pode acontecer de novo?”.
De acordo com Minsky, foram duas as razões pelas quais uma Grande Depressão não surgiu no mundo capitalista desenvolvido, principalmente nos Estados Unidos, no período Pós-Segunda Guerra mundial. Em primeiro lugar, os bancos centrais do mundo inteiro, particularmente o Fed, aprenderam com a crise de 1929 que a sua função primordial é garantir o funcionamento adequado do sistema financeiro, fornecendo a liquidez necessária para a realização de suas operações. Quando a estabilidade do sistema financeiro está ameaçada devido a uma crise de liquidez, os bancos centrais devem deixar de lado quaisquer outros objetivos de política monetária, em especial o de controle da inflação. Se não o fizerem, tal como o Fed não fez na década de 1930, o resultado será o um “colapso do crédito”, com efeitos devastadores sobre o nível de produção e de emprego. Nesse cenário, é preferível “salvar alguns pecadores” (ou seja, impedir que bancos que se arriscaram demais na fase de expansão quebrem) do que permitir, em nome do combate ao “risco moral”, que os inocentes venham a perecer (ou seja, todos os demais indivíduos que não tiveram nenhuma participação direta na euforia especulativa).
A segunda razão é que o orçamento e os gastos do governo passaram a responder por um percentual muito maior do PIB no período Pós-Segunda Guerra mundial do que na década de 1930. O orçamento público funciona como uma espécie de estabilizador automático do nível de atividade econômica. Quando a produção e o emprego se contraem em função de uma diminuição da demanda agregada induzida, por exemplo, pela queda do consumo do setor privado, a arrecadação de impostos diminui e os gastos do governo aumentam (em função, por exemplo, do pagamento de seguro desemprego). O aumento do déficit fiscal do governo atua no sentido de sustentar o volume agregado de lucros, permitindo assim às empresas obterem um fluxo de caixa suficiente para fazer frente às suas obrigações com os bancos. A sustentação dos lucros por intermédio do aumento do déficit público impede que a economia entre num processo de “deflação de ativos”, no qual as firmas são obrigadas a vender seus ativos com maior liquidez para fazer frente às suas obrigações com os bancos comerciais, o que induziria uma queda dos preços dos ativos de capital, a qual teria efeitos negativos sobre as decisões de investimento das empresas e, portanto, sobre a demanda agregada, aprofundando a queda do nível de atividade econômica.
Em resumo, para Minsky uma grande depressão pode ser evitada se duas condições forem atendidas: 1) os bancos centrais devem atuar como “emprestadores de última instância” para impedir o aprofundamento de uma crise de liquidez; 2) o Tesouro deve sustentar os lucros a nível agregado por intermédio de uma política deliberada de aumento do déficit público.
Essas duas condições têm sido atendidas pelo Fed e pelo Tesouro dos EUA. O primeiro tem atuado intensamente por meio de suas linhas de redesconto para proporcionar a liquidez necessária ao funcionamento “normal” do sistema financeiro. Mais precisamente, o banco central dos EUA já emprestou centenas de bilhões de dólares a instituições financeiras em dificuldades para evitar o colapso das mesmas. O Tesouro americano, por sua vez, não só adotou uma política fiscal expansionista por intermédio de uma redução temporária do imposto de renda das pessoas físicas, como ainda socorreu com títulos públicos as operações das duas maiores empresas de hipoteca americanas.
Então podemos dormir tranqüilos, confiantes de que nada parecido com a crise de 1929 pode ocorrer outra vez? Não necessariamente. Somente a absorção das operações da Fannie Mae e da Freddie Mac no orçamento do governo americano aumenta o problema fiscal dos EUA. Sem contar as operações dessas empresas, o endividamento público dos EUA é superior a US$ 5 trilhões. O passivo dessas empresas é de um montante igual a esse valor. Se somarmos os dois valores, então teremos um passivo exigível do governo americano de cerca de US$ 10 trilhões, ou cerca de 80% do PIB dos EUA. O déficit fiscal para o ano fiscal de 2008 está estimado em mais de US$ 400 bilhões. Esses números indicam que o instrumento fiscal está bastante sobrecarregado. E se for necessário um novo pacote de estímulo fiscal para impedir que a economia entre em recessão, o Tesouro americano terá condições, nesse cenário, de aumentar o seu déficit? Até quando os mercados financeiros estarão dispostos a comprar títulos do governo americano num contexto de endividamento alto e crescente?
Não existem respostas prontas para essas perguntas. A única coisa que podemos fazer é torcer para que a resposta a elas seja “sim”. Do contrário, a pergunta lançada por Minsky há aproximadamente 25 anos poderá ser respondida de maneira afirmativa.
José Luis Oreiro é professor do Departamento de Economia da UNB e pesquisador do CNPq. E-mail: jlcoreiro@terra.com.br. Página pessoal: www.joseluisoreiro.en.br .
Gabriel Coelho Squeff é economista da Finep. E-mail: gabriel@finep.gov.br.
Um comentário:
ja esta acontecendo, meses atras o governo americano falava em dar doação 500 dolares para cada americano gastar para promover segundo teses, mais consumo e mais arrecadação e mais emprego ocorre que o déficit americano é de trilhões de dolares isso todos nos sabemos e a desconfiança não parou mais e não vai parar, o parque industrial demonstra sinal de fraquesa diante do mundo competitivo basta ver a invasão de veículos japoneses e os mega prejuisos das montadoras americanas e por ai vai. só que o pessoal da grana esta migrando pra outras praças onde a mão de obra é mais barata e competitiva e o nivel de desemprego vem almentando assustadoramente nos USA ano apos ano é a podridão comendo o capitalismo por dentro e o mercado financeiro especulando com o dinheiro dos trouxas só que as pessoas acordaram e o mundo tambem desde o atentado de 11 de setembro quando da queda das torres gemeas que a crise se intalou e não ha nada que se possa fazer, o mundo da fantasia americana do conssumo esta derretendo que nem as torres gemeas sob forte calor da desconfiança.
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