quarta-feira, 17 de setembro de 2008

CRISE AMERICANA- Tio Sam e a economia em queda livre.

Tio Sam e a economia em queda livre

O tio Sam está em queda livre? Isso é o que sugeriu, num artigo para a revista The Nation (a da capa ao lado), o veterano jornalista político William Greider, ex-diretor de redação do Washington Post. Ele questiona, como vem fazendo nos últimos 18 anos, o atual rumo da economia do país - definida às vezes com a afirmação cínica que no governo Reagan virou lema e quase dogma religioso: “Greed is good!” (Ganância é bom).

O lema ainda é adorado em Wall Street, apesar de pelo menos dois desastres devastadores - o retratado no livro Den of Thieves (Covil de Ladrões), a lambança que quase destruiu a Bolsa na década de 1980, e o chamado escândalo S&Ls (Savings and Loan, poupança e empréstimos), que no mesmo período causou um estrago de US$1,4 trilhão para o contribuinte pagar durante 30 anos (saiba mais AQUI sobre esse escândalo).

O custo de agora corre o risco de superar os dois. E os primeiros pacotes de socorro (bailouts) do governo Bush, diz Greider no artigo, “estão premiando as próprias pessoas e instituições cuja conduta irresponsável causou toda a atual lambança financeira”. O governo nada exige deles em troca - nem mesmo regras novas para uma conduta prudente e responsável ou obrigações explícitas que sirvam ao interesse nacional (leia AQUI a íntegra do artigo).
O fracasso dos ex-mágicos

Para Greider, cujo raciocínio retoma o debate de seu livro lançado há quatro anos sobre a construção de uma “economia moral” (The Soul of Capitalism: Opening Paths to a Moral Economy - veja a capa abaixo, à direita), Washington tinha no mínimo de obrigar os atores financeiros a refrear o apetite pelo lucro e ajudar a salvar o país de destino ainda pior: uma economia em depressão e incapaz de recobrar as energias. “Ao invés disso, o Fed (banco central), o Tesouro, o Congresso de maioria democrata e, claro, os republicanos, entregam a tarefa aos sábios da alta finança que já não parecem tão sabidos”.

Ainda nos primeiros meses deste ano, o Fed e o Tesouro, ante o pânico na comunidade financeira global, correram a injetar o socorro amigo de US$ 29 bilhões (do contribuinte, obviamente) para adoçar o apetite do JPMorgan Chase, prestigioso conglomerado bancário, convencendo-o a comprar o que restava dos ativos malbaratados do arruinado banco de investimentos Bear Stearns.

Ao mesmo tempo, forneceram uma série de empréstimos de emergência e liquidez às firmas de investimento e grandes bancos, igualmente ameaçados. Só que os investidores não se deixaram persuadir. O pânico deles, observou o jornalista, não era apenas “mental”, ao contrário do que alegou recentemente um ex-conselheiro econômico do candidato John McCain, Phil Gramm.

O colapso da bolha imobiliária revelou a profundidade da lama e a duplicidade dentro do sistema financeiro. Quando investidores tentaram desfazer-se de grandes portfólios de ativos financeiros tão contaminados como os papéis hipotecários, perceberam que ninguém queria comprar. De fato, não se sabe ainda quanto realmente valem aquelas coisas que antes eram chamadas de “investimentos seguros”.
Ganância, trapaça e fraude

Bancos gigantescos e firmas de investimento não sabem o que fazer com montanhas de papéis podres - a não ser empurrar o que conseguem nos clientes ingênuos. Esses bancos e corretoras maiores já perderam muito, mas os portfólios de empréstimos ainda terão de encolher muito mais - pelo menos US$1 trilhão, segundo certas estimativas. Acionistas cautelosos, por isso, buscam livrar-se também das ações financeiras.

O secretário do Tesouro Henry Paulson (ex-Goldman Sachs), ao surgir com o compromisso de US$ 300 bi para comprar ações do Fannie Mae e do Freddie Mac, esperava deter a queda do valor delas - ou seja, salvar os acionistas do erro deles próprios. E faz sentido mastodantes como JP Morgan ganhar US$29 bi do governo enquanto Cleveland, Detroit e outras ruínas urbanas não conseguem mais do que US$ 4 bi?

Lembram-se da propaganda conservadora sobre a “sabedoria” dos mercados? O mercado é que toma decisões certas, não o governo - diziam. Mais uma vez a bobagem é desmentida pelos fatos. As intervenções atuais equivalem, afirma Greider, a “um socialismo à americana”: o governo resolve quais empresas privadas ficaram grandes demais e, por isso, não se pode deixar que fracassem.

Os megabancos cresceram desproporcionalmente na década de 1990. Devem isso ao presidente democrata Bill Clinton e ao Congresso de maioria republicana. Eles revogaram então leis do tempo do New Deal que impediam os bancos comerciais de terem firmas de investimento - uma combinação incestuosa, pela qual eles bancam a si mesmos, fraudando a valorização de ações, ou seja, exatamente o que tinha levado diretamente ao crash de 1929 e à depressão que se seguiu.
A “modernização” dos espertos

O próprio Fed abriu aquele caminho agressivamente, ao autorizar o Citigroup a ultrapassar a fronteira. Wall Street continuou, com truques contábeis batizados de “modernização”, que recriaram os mesmos escândalos da década de 1920, só que de uma maneira mais sofisticada. A crise financeira começou, segundo Greider, quando tais inovações “mágicas” foram detonadas.

Republicanos, democratas e banco central agiram juntos na lambança. Pondo fim às restrições regulatórias eles liquidaram a indústria de poupança e empréstimos (S&Ls) e eliminaram um grande competidor dos banqueiros. A mesma legislação também rejeitou a lei federal que proibia a usura e práticas predatórias que levam à ruína devedores com menos recursos, através de termos e condições que acabariam por levar aqueles tomadores ao calote.

Hoje o empréstimo usurário é comum no país, dos cartões de crédito às notórias hipotecas subprime. O Fed foi um arquiteto central ao criar as circunstâncias que produziram o colapso do valor financeiro em Wall Street. Sua política monetária era dura numa direção - favorecendo o capital sobre o trabalho, os credores sobre os devedores, as finanças sobre a economia real.

A política que por 25 anos segurava salários e o crescimento da economia, impedindo o empregado de ter compensação maior, não implementava regulamentos para limitar excessos do setor bancário e financeiro. Por exemplo, um Alan Greenspan (veja-o acima, condecorado pelo presidente Bush) enxergava até inflação inexistente na economia real; mas era cego à inflação turbulenta no sistema financeiro.
Fonte: Blog do Argemiro Ferreira.

Nenhum comentário: