quarta-feira, 17 de setembro de 2008

CRISE FINANCEIRA - Sistema financeiro dos EUA está em sérias pertubações.

por Rodrigue Tremblay [*]


"… uma salvação de possuidores de títulos de empresas patrocinadas pelo governo (Fannie e Freddie) seria talvez o maior roubo dos contribuintes da história americana. É má teoria económica e pode estar certo de que é uma política terrível".
Matt Kibbe, Presidente do Freedom Works

"A primeira panaceia para um país mal administrado é a inflação da sua divisa, a segunda é a guerra. Ambas trazem uma prosperidade temporária, ambas trazem uma ruína permanente. Mas ambas são o refúgio de oportunistas políticos e económicos".
Ernest Hemingway (1899-1961), (Setembro/1932)

[Após a salvação do Bear Stearns] "Quando mais firmas perdem acesso ao financiamento, o círculo vicioso da venda forçosa, da volatilidade acrescida, ... e as margin calls [1] que já estavam bem avançadas naquele momento provavelmente seriam intensificadas. A economia mais ampla dificilmente poderia ter permanecido imune a tais severas rupturas financeiras".
Ben Bernanke, Presidente do Fed (Março/2008)

. Em Agosto de 2007, no princípio mesmo da crise financeira das subprime nos EUA, e referindo-me à prática semelhante à alquimia de criar instrumentos financeiros artificiais, tais como as mortgage-backed securities (MBSs), eis o que escrevi :

"Tal como todos os 'esquemas de Ponzi' , tais pirâmides de dívidas sem activos líquidos por trás estão destinadas a implodir mais cedo ou mais tarde". Também escrevi acerca da intervenção do Fed nesses casos, que "alivia a 'crise de liquidez', certamente, mas nada faz para curar a 'crise de solvência' de instituições que possuem grandes porções de activos apoiados por hipotecas não cumpridas. Mais cedo ou mais tarde, tais derivativos de baixo valor terão de ser cancelados, e isto necessariamente levará a uma erosão do capital base destas instituições. Bancarrotas das instituições mais alavancas e imprudentes são aguardadas".

De facto, bancarrotas de tais instituições financeiras super-alavancadas tornaram-se inevitáveis. Durante algum tempo, fusões forçadas entre bancos, iniciadas pelo Fed ou pelo Tesouro, podem suavizar a explosão. Mas depois desse período, as bancarrotas claras e sem rodeios não poderão ser evitadas e os balanços terão de ser equilibrados.

O que é que provoca esta desordem financeira?

No mês passado dei uma resposta curta :

"No centro dos actuais problemas financeiros está o fracasso em adoptar regulamentação financeira padrão para novas instituições financeiras, tais como bancos correctores de investimento , hedge funds baseados off-shore e grandes mercados de derivativos que permanecem, na maior parte, fora da autoridade tradicional dos reguladores. Contudo, quando as coisas dão para o torto, como aconteceu com o Bear Stearns em Março último, sua morte ameaça desestabilizar todo o sistema financeiro e apela-se rapidamente a convenientes salvações governamentais.

Hoje afirmo que esta grande crise tem de ser colocada nos próprios pés do establishment de Washington . Trata-se de um establishment político-financeiro que empurrou até aos limites a sua ideologia de desregulamentação de mercados financeiros e esticou o funcionamento do capitalismo corporativo de mercado até ao ponto de ruptura. Agora o sistema está a implodir sob os nossos olhos e as instituições financeiras caem como dominós. Como escrevi em Agosto último, e repeti em Abril deste ano , o problema financeiro dos EUA não é de liquidez (há muitíssima liquidez fornecida pelo Fed quando bancos e correctores podem tomar emprestado à vontade dólares recém impressos no guichet de desconto do Fed) mas sim de solvência, de balanços fracos, activos arriscados e liquidação de divida. Trata-se de um cavalo de uma outra cor.

Ao longo dos últimos 25 anos, principiando com a administração Reagan e culminando com a actual administração Bush-Cheney, o establishment de Washington desmantelou peça por peça o sistema de protecção que fora construído a partir da depressão económica da década de 1930 e removeu praticamente todos os regulamentos federais que podiam constituir obstáculo à cobiça e burla da parte de operadores de mercado inescrupulosos.

E eis que chega o momento da verdade. Fora das bancarrotas está a nacionalização pelo governo dos bancos super-alavancados. E a administração Bush-Cheney deu um grande passo nessa direcção quando veio resgatar as duas maiores instituições de finanças hipotecárias, a Fannie Mae (Federal National Mortgage Association: FNM) e o Freddie Mac (Federal Home Loan Mortgage Corporation, FRE) que iam fechar por estarem insolventes. Este passo foi iniciado depois de bancos centrais (na China, Japão, Europa, Médio Oriente e Rússia) ameaçarem parar de comprar títulos e debentures emitidos pelas duas tremelicantes instituições financeiras.

Mas a administração Bush-Cheney, ainda que proporcionando dinheiro público para manter os dois prestamistas em operação, parou um pouco antes das suas nacionalizações. Na verdade, o governo dos EUA comprometeu-se a investir até US$200 mil milhões em acções preferenciais e crédito estendido até 2009, a fim de manter os dois prestamistas hipotecários solventes e em operação.

Mas ao invés de tomá-los colocando-os em concordata (receivership) administrativa, a fim de mudar o seu modelo de negócio, como ambos deveriam ter feito uma vez que o governo agora está a garantir suas dívidas pendentes (mais de US$5 milhões de milhões), o governo estado-unidense preferiu ao invés disso manter a aparência de que estes bancos ainda estavam sob administração privada e apenas nomeara um conservador legal para a Fannie Mae e o Freddie Mac. Mesmo quando eles salvam duas das chamadas empresas patrocinadas pelo governo (Government sponsored enterprises, GSEs), a sua ideologia de mercado impede-os de fazer a coisa correcta.

Após anos de irresponsável desregulamentação pública e de malversão privada e irresponsável, agravando o risco assumido, o sistema financeiro americano está agora em séria perturbação, e ele pode puxar a economia dos EUA ainda mais para baixo nos próximos meses e anos.

Nas próximas semanas, contudo, quando outras instituições financeiras cambaleiam à beira da bancarrota, o governo dos EUA terá de considerar a criação de um Bank Resolution Trust de acordo com o modelo da Resolution Trust Corp. de 1989 a qual tomou as poupanças e empréstimos de bancos que estavam então em dificuldades financeiras. Exemplo: ainda recentemente, em 16 de Fevereiro deste ano, o governo britânico não hesitou em nacionalizar o Northern Rock e salvou este grande banco britânico com cerca de £55 mil milhões (US$107 mil milhões) em empréstimos públicos e garantias. Mais cedo ou mais tarde, o governo americano terá de fazer o mesmo, a fim de estabilizar o sistema financeiro, porque os problemas financeiros nos EUA são sistémicos e muito mais sérios do que em outros lugares.

Da mesma maneira, talvez o governo estado-unidense deva corrigir uma anomalia do século XX, que é o status semi-privado do seu banco central. Na verdade, o Federal Reserve americano é uma organização de banco central semi-pública e semi-privada que é em igual medida responsável tanto para com grandes bancos privado como para com o governo dos EUA e a população. Isto cria um conflito não saudável de interesses que não é justo para o público americano. Na verdade, a prática americana de privatizar lucros e socializar perdas seria considerada inaceitável na maior parte das outras democracias.

O que estamos a testemunhas nestes dias nos EUA é uma transferência maciça de riqueza dos contribuintes, poupadores e aposentados para os bancos, seus credores e seus administradores. Por um lado, o Fed enterrou profundamente as taxas de juro reais no território negativo para ajudar bancos perturbados e, por outro, os contribuintes americanos tem financiado a salvação de instituições financeiras muito grandes.

Pergunto-me o que os dois campos presidenciais, o de Obama e o de McCain, têm a dizer acerca disso! Ambos querem aumentar o défice federal e aumentar significativamente a já elevada dívida nacional.
17/Setembro/2008
[1] Margin calls: Pedido de fundos adicionais devido a movimentos de preços adversos.

[*] Professor emérito de Ciências Económicas na Universidade de Montreal, autor The Code for Global Ethics . Email: rodrigue.tremblay@yahoo.com

O original encontra-se em http://www.thenewamericanempire.com/blog

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

Nenhum comentário: