"Mas o modelo financeiro tem sido um grande êxito do ponto de vista vantajoso dos que estão no topo da pirâmide económica. A economia polarizou-se ao ponto de os 10% mais ricos agora possuírem 85% da riqueza do país. Nunca antes os 90% da base estiveram tão altamente endividados aos ricos".
por Michael Hudson [*]
entrevistado por Mike Whitney [**]
Mike Whitney: O défice de transacções correntes dos Estados Unidos é de aproximadamente US$700 mil milhões. Isto é capital "emprestado" suficiente para pagar o custo anual da guerra no Iraque de US$120 mil milhões, a totalidade do US$450 mil milhões do orçamento do Pentágono, e as isenções fiscais de Bush para os ricos. Por que é que o resto do mundo continua a financiar o militarismo da América através do défice de transacções correntes? Ou será apenas a consequência inevitável da desregulação da divisa, da "hegemonia do dólar" e da globalização?
Michael Hudson: Como expliquei em Super Imperialism , os bancos centrais em outros países compram dólares não por pensarem que activos em dólares sejam uma "boa compra", e sim porque se eles não reciclarem os seus excedentes comerciais e os gastos de consumo e militares dos EUA com a compra de títulos emitidos pelo Tesouro estado-unidense, pela Farrnie Mae e outros, suas divisas valorizariam em relação ao dólar. Isto colocaria o preço das suas exportações fora dos mercados mundiais dolarizados. Assim os EUA podem gastar dinheiro e conseguir almoços gratuitos.
A solução é (1) controles de capital a fim de bloquear novas entradas de dólares; (2) tarifas flutuantes contra importações provenientes de economias dolarizadas; (3) compras de investimentos estado-unidenses em países receptores de dólares (de modo que a Europa e a Ásia utilizariam seus dólares no banco central para comprar investimentos privados dos EUA ao valor contabilístico); (4) exportações subsidiadas para economias dolarizadas com divisa em depreciação, e respostas semelhantes àquelas que os EUA adoptariam se estivessem na posição um país com excedente de pagamentos. Por outras palavras, a Europa e a Ásia tratariam os EUA como os seus rapazes do Consenso de Washington tratam os devedores do Terceiro Mundo: comprando as suas matérias-primas e outras indústrias, suas plantações para exportação, e os seus governos.
MW: O economista Henry Liu disse num artigo seu que "A hegemonia do dólar permite aos EUA possuir indirectamente mas essencialmente toda a economia global através da exigência de que a sua riqueza seja denominada em dólares fiduciários (fiat dollars) de valor de troca incerto e de valor intrínseco zero, e o resto do mundo produz bens e serviços que dólares fiduciários podem comprar a 'preços de mercado' cotados em dólares". Será que Liu está a exagerar o caso ou a Reserva Federal e as elites da banca ocidental realmente compreenderam como manter o controle imperial sobre a economia global simplesmente assegurando que a maior parte da energia, commodities e bens manufacturados são denominados em dólares? Se isto for o caso, então pareceria que o "valor facial" real do dólar não importa muito desde que ele continue a ser utilizado na compra de commodities. Será que isto está certo?
Michael Hudson: Henry Liu e eu temos discutido isto desde há muitos anos. Nós estamos de pleno acordo. O parágrafo que citou está perfeitamente certo. Os seus artigos no Asia Times apresentam uma análise contínua da hegemonia do dólar.
MW: Como é o relacionamento entre salários estagnados para os trabalhadores e a actual crise do crédito? Se os salários dos trabalhadores se tivessem mantido com a taxa de produção, não é menos provável que estaríamos na enrascada em que estamos hoje? E, se isto for verdade, não deveríamos nós estarmos mais concentrados em re-sindicalizar a força de trabalho ao invés de procurar soluções junto ao patético Partido Democrata?
Michael Hudson: A crise do crédito deriva da "mágica do juro composto", isto é, da tendência das dívidas a manterem-se a duplicar e a reduplicar. Toda taxa de juro implica uma duplicação. Nenhuma produção e excedente económico da economia "real" pode manter o passo com esta tendência de a dívida crescer mais depressa. Assim, a crise financeira teria ocorrido mesmo sem levar em conta os níveis salariais.
Muito simplesmente, o preço da propriedade habitacional tende a absorver todo o rendimento pessoal disponível do comprador. Assim, se os salários tivessem ascendido mais rapidamente, o preço da habitação simplesmente teria subido mais depressa pois os empregados comprometeriam mais salário líquido para suportar maiores hipotecas. Salários estagnados ajudam a manter baixos o preço de casas em níveis meramente estratosféricos e não ionosféricos.
No que se refere aos sindicatos, eles não foram de qualquer ajuda para a resolução da crise da habitação. Na Alemanha, onde estou agora, os sindicatos patrocinaram cooperativas, como costumavam fazer na Cidade de Nova York, a baixos custos para os seus membros. Assim, os custos com habitação absorvem apenas cerca de 20% dos orçamentos das famílias alemãs, a metade do esforço efectuado pelas famílias dos Estados Unidos. Imagine o que poderia ter sido feito se os fundos de pensão tivessem colocado o seu dinheiro na habitação para os seus contribuintes, ao invés de aplicá-lo no mercado de acções para comprar e licitar acções que os presidentes de conselhos de administração e outros iniciados estavam a vender.
MW: Quando políticos ou membros do establishment da política externa falam acerca de "integrar" a Rússia e a China no "sistema internacional", o que significa isso exactamente? Querem eles dizer que o sistema denominado em dólar o qual é governado pelo Fed, Banco Mundial, FMI e OMC? Será que os países comprometem a sua soberania nacional quando participam no sistema económico conduzido pelos EUA?
Michael Hudson: Por "integrar" eles querem dizer absorver, algo como um parasita a integrar um hospedeiro dentro do seu próprio sistema de controle. Eles querem dizer que outros países serão proibidos pelas regras da OMC e do FMI de ficarem ricos do modo que os Estados Unidos ficaram ricos nos séculos XIX e XX. Só aos Estados Unidos será permitido subsidiar sua agricultura, graças ao seu direito único de apadrinhar seus preços de apoio. Apenas os Estados Unidos serão livres de terem de elevar taxas de juro para estabilizar sua balança de pagamentos, e somente eles podem dedicar a sua política monetária à promoção do crédito fácil e à inflação dos preços dos activos. E apenas os Estados Unidos podem incidir num défice militar, obrigando bancos centrais estrangeiros em países receptadores de dólares a dar-lhes um almoço gratuito. Por outras palavras, não há almoço gratuito para outros países, só para os Estados Unidos.
O que outros países fazem na verdade é abandonar a sua soberania nacional. Os Estados Unidos nunca ajustaram a sua economia para a criação de um equilíbrio com outros países. Mas para ser correcto, em relação a isto apenas os Estados Unidos estão a actuar plenamente de acordo com o seu próprio interesse. O problema é em grande medida que outros países não estão a "jogar o jogo". Eles não estão a actuar como governos reais. São precisos dois parceiros para o tango quando um deles consegue um almoço gratuito. Os seus governos tornaram-se "possibilitadores" da agressão económica dos EUA.
MW: O que pensa que seria a reacção da administração Bush se um país mais pequeno, como a Suíça, houvesse vendido centenas de milhares de milhões de dólares títulos apoiados por hipotecas sem qualquer valor a bancos de investimento, companhias de seguros e investidores nos Estados Unidos? Não haveria litigações e um processo em que as partes responsáveis teriam de prestar contas? Assim, como explica o facto de que a China e os países da UE, que foram as vítimas desta trapaça gigantesca, não tenham boicotado produtos financeiros dos EUA ou clamado por reparações?
Michael Hudson: O direito internacional não é claro acerca de fraudes financeiras. A regra é o caveat emptor . Os investidores estrangeiros assumiram um risco. Eles confiaram num desregulamentado mercado financeiro estado-unidense que tornou mais fácil fazer dinheiro através da fraude financeira. Em última análise, eles depositaram a sua fé numa desregulamentação neoliberal — tanto internamente como nos Estados Unidos. A Inglaterra está agora nos mesmos apuros. A "responsabilidade" era suposta situar-se nas firmas de contabilidade dos EUA e nas agências de classificação do crédito. Os investidores estrangeiros estavam tão ideologicamente cegos com a retórica do mercado livre que eles realmente acreditaram nas fantasias acerca da "auto-regulação" e que mercados auto-regulados tendiam para o equilíbrio ao invés da tendência do mundo real em direcção à polarização financeira e económica.
Por outras palavras, à maior parte dos investidores estrangeiros falta um corpo realista de teoria económica. Os Estados Unidos poderiam simplesmente argumentar que eles deveriam assumir a responsabilidade pelos seus maus investimentos, assim como dizem isso aos fundos de pensão e outros investidores dos EUA.
MW: O Congresso aprovou recentemente uma lei que dá ao secretário do Tesouro Henry Paulson autoridade sem precedentes para utilizar tanto dinheiro quanto precise a fim de manter solventes a Fannie Mae e o Freddie Mac. Paulson assegurou ao Congresso de que não precisaria mais do que US$25 mil milhões, mas as 400 páginas da lei permitem-lhe aumentar a dívida nacional até US$800 mil milhões. Como a salvação da Fannie e do Freddie afectarão o dólar e o défice orçamental? Será provável que as taxas de juro disparem devido a esta acção?
Michael Hudson: O Fed pode inundar a economia com dinheiro, estilo Alan Greenspan, para impedir as taxas de juro de dispararem. Ninguém realmente sabe o que acontecerá à FNMA e ao Freddie Mac, mas a aparência disto é que a crise hipotecária e financeira ficará muito, muito pior ao longo do próximo ano. Estamos exactamente a dirigir-nos para a tempestade em que hipotecas com taxa ajustável (adjustable-rate mortgages, ARMs) estão programadas para redefinirem-se a taxas mais altas, e em que os bancos dos EUA têm de refinanciar (roll over) suas dívidas existentes num mercado em que os investidores estrangeiros temem que estes bancos já não tenham qualquer valor líquido restante.
De modo que os princípio aqui é "Peixe grande come peixe pequeno". A Wall Street será salva, e aos bancos será permitido "fazerem o seu caminho para fora da dívida" tal como o fizeram após 1980, explorando clientes do retalho, acima de tudo clientes de cartões de crédito e tomadores de empréstimos individuais. Haverá um bocado de bancarrotas, e o povo sofrerá mais do que nunca antes devido à dura lei da bancarrota favorável ao credor que o Congresso aprovou sob o comando dos lobbyistas dos bancos.
MW: Uns poucos meses atrás, o Wall Street Journal publicou um editorial em que dizia poderem imaginar dois cenários de pesadelo se a actual crise de crédito não fosse tratada adequadamente. Tanto poderia ser uma corrida sobre o dólar provocando um mergulho súbito do seu valor, ou a falência inesperada de uma grande instituição financeira que poderia remeter o mercado de acções para o crash. Na semana passada, o antigo chefe do FMI, Kenneth Rogoff, disparou uma liquidação na Wall Street ao dizer: "Estamos a ver não apenas bancos de tamanho médio a irem abaixo nos próximos poucos meses, nós estamos em vias de ver a queda de um colosso; vamos ver um muito grande — um dos grandes bancos de investimento ou um dos grandes bancos". O que acontece se Rogoff estiver certo e a Merrill, o Citi ou o Lehman falirem? Será isto suficiente para lançar o mercado de acções numa queda livre?
Michael Hudson: Não necessariamente. O Citibank seria nacionalizado, e então vendido. O princípio deveria ser que se um banco é "demasiado grande para falir", ele deveria ser desmanchado.
Isto deveria começar com uma revogação da revogação feita pela administração Clinton da lei Glass-Steagall.
Quanto ao Lehman, ser-lhe-ia dado o tratamento do Bear Stearns, e também vendido — provavelmente a um hedge fund. O Merril é muito maior, mas ele também poderia ser dividido, suponho. O índice do mercado das acções financeiras mergulharia, mas não necessariamente o das acções industriais.
MW: Segundo o MarketWatch, "Em três meses, de Abril a Junho, os bancos registaram os seus segundos piores desempenhos de rendimento desde 1881... Os rendimentos do trimestre totalizaram apenas US$5 mil milhões, em comparação com os US$36,8 mil milhões de um ano atrás, um declínio de 86,5%". Além disso, de acordo com um artigo de primeira página do Wall Street Journal, "as instituições financeiras terão de pagar pelo menos US$787 mil milhões em obrigações de taxa flutuante e outras a médio prazo antes do fim de 2009". Como é que os bancos irão pagar cerca de US$800 mil milhões (US$200 mil milhões já em Dezembro!) quando eles ganharam apenas uns magros US$5 mil milhões no trimestre!?! E como raios é que o Federal Reserve irá manter o sistema bancário a funcionar quando os rendimentos não podem cobrir nem mesmo os passivos actuais? Será que os bancos têm alguma fonte secreta de rendimentos que nós não conhecemos ou o sistema está fadado ao desastre?
Michel Hudson: O meio tradicional de pagar dívida é com ainda mais dívida. O juro devido é simplesmente adicionado ao principal, de modo que a dívida cresce exponencialmente. Este é o significado real da "mágica do juro composto". Ela significa não só que poupanças deixadas a acumular juros mantêm-se a duplicar e reduplicar, a dívidas também o fazem, porque as poupanças que são emprestadas no lado do "activo" do balanço dos credores (nos EUA de hoje, aqueles 10% mais ricos) tornam-se dívidas no lado dos "passivos" dos balanços dos 90% da população da base.
Os bancos não têm uma fonte secreta de rendimento. Ela é evidente. Eles levarão as suas hipotecas lixo ao Federal Reserve e tomarão emprestado o dinheiro ao seu pleno valor facial. O governo ficará com o lixo.
O Fed tanto pode tomar o banco, como o fez o Banco da Inglaterra com o Northern Rock quando este entrou em bancarrota no princípio deste ano, ou poder deixar o banco "ganhar" dinheiro enganando os seus clientes um pouco mais.
MW: De 2000 a 2006, o valor total da habitação vendida ao público nos Estados Unidos duplicou, indo de aproximadamente US$11 milhões de milhões (trillion) para US$22 milhões de milhões em apenas seis anos. Durante os últimos 200 anos, a habitação mal manteve o ritmo com a taxa de inflação, geralmente aumentando 2 a 3 por cento ao ano. As baixas taxas de juro do Federal Reserve foram a causa principal desta bolha habitacional sem precedentes. Contudo,o ex-chefe do Fed, Alan Greenspan, ainda nega qualquer responsabilidade por aquilo que The Economist denomina "a maior bolha na história". Será que Greenspan entendeu os problemas que estava a criar com as suas políticas monetárias "frouxas" ou havia algum motivos ocultos para as suas acções?
Michael Hudson: Ele simplesmente não se importou com o problema. Ele encara a sua tarefa como a de um animador de pessoas que foram capazes de ficar ricas rapidamente. Estes sempre foram os seus principais clientes nos seus anos na Wall Street, e ele via-se como o seu servidor — uma espécie de peixe piloto para tubarões.
A ideia do sr. Greenspan de "criação de riqueza" era tomar a linha de menor resistência e inflacionar preços de activos. Ele pensava que o meio de permitir a economia carregar a sua sobrecarga de dívida era inflacionar preços de activos de modo que os devedores pudessem tomar emprestados os juros cadentes devidos através do comprometimento do colateral (imobiliário, acções e títulos) que estava a ascender em preço de mercado. Para a sua visão Ayn-Rand do mundo, um meio de fazer dinheiro era tão economicamente e socialmente produtivo quando qualquer outro. Comprar uma propriedade e esperar que o seu preço inchasse era considerado tão produtivo quanto investir em novos meios de produção.
Desde os seus dias como co-fundador do NABE (a National Association of Business Economists), Greenspan tem olhado só para indicadores "livres de juízos de valor" como o PNB e a contabilidade nacional. Esta é a sua limitação intelectual e conceptual. Ele queria proporcionar um meio para investidores experimentes ficarem ricos, e o caminho mais fácil para ficar rico é ser passivo e obter um almoço gratuito. Sua ideologia levou-o a acreditar na ideologia do "mercado livre", segundo a qual o sector financeiro seria auto-regulador e portanto actuaria honestamente. Mas ele abriu as comportas aos vigaristas financeiros. Suas medidas não distinguiam entre o Countrywide Financial a ficar rico, a Enron a ficar rica, ou a General Motors ou companhias industriais a expandirem seus meios de produção. De modo que a economia estava a ser esburacada, mas isto não aparecia em qualquer das medidas que ele olhava do alto do seu poleiro no Federal Reserve.
Tal como jornalistas e os mass media proclamam toda queda de mercado como "surpreendente" e "inesperada", ele estava tão despistado quanto uma toupeira a correr impetuosamente para o precipício. Trata-se de um instinto inerente ao rapazes do mercado livre.
MW: O mercado habitacional está em queda livre, batendo novos recordes todos os dias em arrestos, stocks não vendidos e preços em declínio. O sistema bancário está em condições ainda piores, subcapitalizado e enterrado sob uma montanha de activos degradados. Parece haver um consenso crescente em que estes problemas não são apenas parte de uma quebra económica normal, mas o resultado directo das políticas monetárias do Fed. Estamos nós a assistir ao colapso do modelo do banco central como meio regulador dos mercados? Pensa que a actual crise fortalecerá o sistema existente ou tornará mais fácil para o povo americano ganhar maior controle sobre a política monetária?
Michael Hudson: O que quer dizer com "fracasso"? A sua perspectiva é alguém em baixo a olhar para cima. Mas o modelo financeiro tem sido um grande êxito do ponto de vista vantajoso dos que estão no topo da pirâmide económica e a olhar para baixo. A economia polarizou-se ao ponto de os 10% mais ricos agora possuírem 85% da riqueza do país. Nunca antes os 90% da base estiveram tão altamente endividados aos ricos. Do seu ponto de vista, o seu poder hoje excedeu aquele verificado em qualquer tempo em que tenha havido estatísticas económicas.
Você tem de perceber que o que eles estão a tentar fazer é revogar o Iluminismo, revogar a filosofia moral e os valores sociais da economia política clássica e a sua culminação na legislação da Era Progressista, bem como nas instituições do New Deal. Eles não tencionam fazer a economia mais igualitária, e não tencionam partilhar poder. A sua cobiça é (como observou Aristóteles) infinita. De modo que o que você considera ser uma violação dos valores tradicionais é na verdade uma reafirmação dos valores pré-industriais, feudais. A economia está a retroceder no caminho que leva à escravidão pela dívida. O Caminho da Servidão não é o governo patrocinar o progresso económico e a elevação dos padrões de vida; é o desmantelamento do governo, a dissolução de agências regulamentadoras, a fim de criar uma nova elite do tipo feudal.
A antiga União Soviética apresentou um modelo do que os neoliberais gostariam de criar. Não só a Rússia como também os Estados Bálticos e outras antigas repúblicas soviéticas, eles criaram cleptocracias locais, estilo Pinochet. Na Rússia, os cleptocratas fundaram um partido explicitamente pinochetista, o Partido das Forças da Direita.
A fim de o povo americano ou qualquer outro povo ganhar maior controle sobre a política monetária, ele precisa ter uma doutrina de exactamente o que seria uma boa política monetária. No princípio do século XIX os seguidores de St. Simon, em França, começaram a desenvolver uma tal política. No fim do século, a Europa Central implementou esta política, mobilizando o sistema bancário e financeiro para promover a industrialização, após consulta prévia ao governo (e catalizado por gastos militares e navais, certamente). Mas tudo isto desapareceu da história do pensamento económico, o qual já não é sequer ensinado aos estudantes de Ciências Económicas. Os Chicago Boys tiveram êxito em censurar qualquer alternativa à sua racionalização do mercado livre com o despojamento dos activos e a polarização económica.
O meu próprio modelo seria tornar os bancos centrais parte do Tesouro, não simplesmente o conselho de directores do voraz sistema da banca comercial. Você mencionou anteriormente os escritos de Henry Liu, e eu penso que ele chegou à mesma conclusão nos seus artigos no Asia Times.
MW: Encara você o Federal Reserve como uma organização económica destinada primariamente a manter a ordem nos mercados através das taxas de juros e da regulação ou uma instituição política cujos objectivos são impor um modelo de capitalismo dominado pela América ao resto do mundo?
Michael Hudson: Certamente está a brincar! O Fed transformou a "manutenção da ordem" num eufemismo para consolidar o poder do sector financeiro e em geral do sector FIRE (Finanças, Seguros e Imobiliário) sobre a economia "real" da produção e do consumo. Seus líderes encaram a sua tarefa como sendo a de actuar em nome do sistema bancário comercial para permitir-lhes que façam dinheiro a partir do resto da economia. Ele actua como Conselho de Directores para combater a regulação, para apoiar a Wall Street, para bloquear qualquer ressurreição de leis anti-usura, para promover "mercados livres" quase indistinguíveis da fraude financeira directa, para descriminalizar o mau comportamento — e acima de tudo para inflacionar o preço da propriedade em relação aos salários dos trabalhadores e mesmo em relação aos lucros da indústria.
A tarefa do Fed não é realmente impor o Consenso de Washington ao resto do mundo. Essa é a tarefa do Banco Mundial e do FMI, coordenada através do Tesouro (veja-se, de modo mais flagrante, Robert Rubin sob a administração Clinton) e AID, juntamente com acções encobertas da CIA e do National Endowment for Democracy. Você não precisa de política monetária para fazer isso — só subornos maciços. Basta chamar a isto "lobbying" e "promoção de valores democráticos" — valores para combater o poder do governo para regular ou controlar as finanças por todo o mundo. O poder financeiro é inerentemente cosmopolita e, como tal, antagonista do poder de governos nacionais.
O Fed e outras agências governamentais, a Wall Street e o resto da economia fazem parte de um sistema global. Cada agência deve ser encarada no contexto deste sistema e da sua dinâmica — e estas dinâmicas são polarizadoras, acima de tudo a partir de mecanismos financeiros. Assim, estamos de volta à "mágica do juro composto", agora expandida a fim de incluir a "livre" criação de crédito e a "livre" arbitragem.
O problema é que nada disto aparece no curriculum académico. E o silêncio dos media principais quanto ao tratamento do problema ou mesmo o seu reconhecimento significa que ele é invisível, excepto para os beneficiários que manobram o sistema.
Textos de Michael Hudson em resistir.info:
# Salvar o Freddie Mac e a Fanny Mae é má política económica
# Super-capitalismo, super-imperialismo e imperialismo monetário
# Greenspan, o grande inflacionador de activos
# A pirâmide dos US$ 4,7 milhões de milhões: a Segurança Social dos EUA & a Wall Street
# Irá a Europa sofrer da síndroma suíça?
# Um grande especialista revela segredos dos centros bancários offshore
# Salvar a economia, desmantelar o império
# US$ 1012 de resgate para os jogadores da Wall Street
# O jogo acabou. Não haverá retomada.
# Como deveria o Médio Oriente investir o seu excedente comercial?
[*] Michael Hudson: mh@michael-hudson.com
[**] Mike Whitney: fergiewhitney@msn.com
O original encontra-se em http://www.counterpunch.org/whitney08292008.html . Tradução de JF.
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
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