quarta-feira, 17 de setembro de 2008

MERCADO DE TRABALHO - Desafios do trabalho no Brasil.

Monica Valente

Merece aplausos o exitoso esforço teórico-técnico das três agências internacionais da ONU, de harmonizar conceitos e indicadores relativos ao Emprego, Desenvolvimento Humano e Trabalho Decente, tendo em vista o mercado de trabalho brasileiro e o processo recente de melhoria das condições de vida, de renda e de trabalho que vem ocorrendo em nosso país a partir do governo do presidente Lula.

Também merece aplausos o governo do Presidente Lula, pois é inegável, analisando o conteúdo do relatório, a substantiva melhora nas taxas de ocupação, de renda e diminuição das discriminações na força de trabalho brasileira, além da melhoria da educação, do combate ao trabalho infantil e ao trabalho forçoso.

Alguns exemplos: o rendimento médio mensal dos trabalhadores ocupados sai de cerca de R$ 809,00 em 2003 para R$ 904,00 em setembro de 2007; o desemprego cai de 9,6 % (2003) para 8,4% (2006); reverteu-se a tendência de crescimento da informalidade dos anos 90, ampliando-se a formalidade de 44,1% para 48,2% da força de trabalho ocupada.

Caos da década de 90 ficou para trás

Inegavelmente, as políticas de ampliação do crédito, aumento real do salário mínimo, o crescimento econômico, as políticas de transferência de renda, o aumento dos gastos sociais, enfim, o "conjunto da obra" do governo do Presidente Lula resultaram nessa expressiva melhora dos indicadores, e mais, reverteram a perversa tendência dos anos 90, de desemprego, queda de rendimentos e aumento da pobreza.

Quase dou risadas ao lembrar-me dos argumentos catastrofistas que ouvia, quando era dirigente da CUT Nacional, à época do governo FHC, de que aumentos reais do salário mínimo provocariam a falência da Previdência Social e dos municípios, que, enfim, seria o caos; de que as altas taxas de desemprego eram irreversíveis porque se tratava de resultado da modernização produtiva e tecnológica... Seria engraçado se não fosse trágico pensar que vivemos oito anos naquela toada...

Mas agora, o que interessa é partir disso para melhor. E, nesse sentido, os desafios colocados são igualmente grandes, mas completamente possíveis, desde que tenhamos vontade política e ousadia. Comento apenas alguns itens para reflexão.

Um gráfico que retrata a altíssima taxa de rotatividade da força de trabalho: cerca de 42,2% de trabalhadores são substituídos por mês em relação ao estoque vigente no 1º. dia do mês (RAIS/CAGED). Parte expressiva dos ganhos obtidos nas negociações salariais nas datas base, que, em 2007, segundo estudos do DIEESE, repôs a inflação em 97% dos casos e garantiu aumento real em 88% dos mesmos, é perdida devido a essa rotatividade, pois os novos trabalhadores são contratados por salários menores ou pelo piso salarial da categoria.

O próprio relatório afirma que "a alta rotatividade tem conseqüências negativas no treinamento da mão de obra, no aumento da produtividade e nos rendimentos dos trabalhadores". Além disso, outro dado importante é o excesso de horas trabalhadas, acima das 44 horas semanais, o que ocorre para mais de um terço da força de trabalho (34,7%). Em resumo, diminuiu o desemprego, mas o estoque de empregos gerados ainda não é totalmente de boa qualidade. E se queremos melhorar o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), cumprindo a Agenda do Trabalho Decente, é preciso atacar esses problemas.

Por exemplo, através da ratificação da Convenção 158 da OIT, que regula as demissões imotivadas, e que se encontra tramitando no Congresso Nacional enviada pelo presidente Lula a partir de reivindicação e da luta das Centrais Sindicais. Infelizmente, parte dos deputados e senadores brasileiros têm se posicionado contrários à Convenção 158, com falsos argumentos, pois a mesma apenas cria regras civilizadas para as demissões sem justa causa, não as impede ou proíbe. Cabe ao Executivo uma forte ação junto à sua base de sustentação no Parlamento brasileiro, esclarecendo e deixando clara sua aposta no Trabalho Decente.

Há mais desafios pela frente

É preciso também enfrentar a discussão da Redução da Jornada de Trabalho, uma outra campanha das Centrais Sindicais de grande relevância, pois toca no problema do excesso de horas trabalhadas apontado pelo relatório. Esse problema, diga-se de passagem, é muito mais agudo no caso das mulheres trabalhadoras, devido à dupla/tripla jornada de trabalho. O relatório confirma, em diversas tabelas, que, embora tenha diminuído nesses últimos anos, a discriminação salarial e acesso à empregos de baixa qualidade persiste no caso da força de trabalho feminina.

Aliás, merece comentário também a questão da desigualdade salarial entre homens e mulheres. Embora exista uma relevante e pioneira iniciativa por parte do governo brasileiro, que é o Programa Pró-Equidade no Emprego entre Homens e Mulheres, conduzido pela ministra Nilcéia Freire, da Secretaria Especial de Políticas para a Mulher, é preciso mais ousadia e ampliar esse programa para os temas salariais, pedra de toque da desigualdade entre homens e mulheres. Nos países onde se atacou esse problema da desigualdade salarial entre homens e mulheres, como na província de Quebec, no Canadá, foi comprovada sua contribuição para a erradicação da pobreza e para a inclusão social, pois os estudos mostraram que a melhora dos salários das mulheres repercutiu em toda a família, tendo tido ainda fortes repercussões no desenvolvimento local.

Outro imperativo não menos importante é incluir, como parte insubstituível e obrigatória, os sindicatos de trabalhadores/as no Comitês de Equidade formados sob a chancela do Programa. A Agenda do Trabalho Decente prevê o aumento e fortalecimento dos instrumentos do Diálogo Social como condição sine qua non do processo, e não se entende porque não existe a presença obrigatória de sindicatos e centrais sindicais no âmbito do Pró Equidade.

Qualidade no serviço público

Por fim, algumas considerações sobre o papel do setor público e de seus trabalhadores. Em 2007, o emprego público correspondeu a 9,7% da população economicamente ativa e, portanto, tem um importante peso nas taxas de ocupação. Segundo dados do professor de Economia, Márcio Pochmann, o relatório afirma que "a parcela do total de emprego urbano no Brasil que dependia fundamentalmente do gasto social subiu de 18%, em 95/96, para 34% em 2003/2004". Ora, ampliação do gasto social implica em ampliação da força de trabalho no setor público também. E ampliação do gasto social, como saúde, educação, trabalho, previdência e assistência social, sem dúvida repercute positivamente no IDH. No entanto ainda, há pelo menos dois grandes desafios nesse campo.

Em primeiro lugar, garantir a negociação coletiva no setor público, como propõe a Convenção 151 da OIT, ora em tramitação no Congresso Nacional. Experiências mostram que é possível e desejável que a negociação coletiva do setor público aborde, além das questões salariais, temas relativos à qualidade do serviço público, como foi o caso da negociação de sistema de Avaliação de Desempenho Individual e Institucional na Prefeitura de São Paulo, ocorrida sob a gestão da prefeita Marta Suplicy. Sem dúvida, a melhoria da qualidade do serviço público prestado contribui sobremaneira para melhores IDHs.

E outro desafio importante, também relacionado à qualidade do serviço público e à qualidade do emprego, é o tema da terceirização de serviços no setor público. Hoje, cada vez mais se terceirizam serviços no setor público, restringindo direitos, salários e capacitação profissional, com duplo efeito perverso: queda da qualidade do emprego e da qualidade do serviço prestado. Por isso, é urgente, se quisermos alcançar desenvolvimento humano e trabalho decente, que enfrentemos esse tema, buscando no mínimo uma regulação negociada do processo de terceirização, hoje selvagem, que imponha limites e garanta direitos, sob a ótica do emprego de qualidade e da qualidade do serviço público.

Por sua densidade, muito mais poderemos refletir, no próximo período, acerca desse valioso relatório, que fornece subsídios importantes para a elaboração de políticas para atingirmos o crescimento econômico sustentado e desenvolvimento humano.

Muito foi feito, e muito ainda há por fazer!

Monica Valente é sindicalista, ex-presidente nacional da CUT e secretária da sub-regional no Brasil da Internacional Serviços Públicos (ISP).
Fonte:Blog do Zé Dirceu.

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