A "onda verde" surpreendeu os analistas, mas não foi o único fator a explicar o segundo turno; contudo nada explica o clima derrotista. A "onda vermelha" saiu como a grande vitoriosa dessas eleições. Pelo menos nela, a gente conhece as razões do voto.
Muito se tem dito a respeito dos motivos pelos quais a campanha presidencial de 2010 foi para o segundo turno. A "onda verde" cantada em verso e prosa na última semana foi de fato surpreendente, mas certamente não foi o único fator. Prefiro dividir a responsabilidade em cinco partes, três delas, de alguma forma, ligadas a Marina Silva.
Os mapas eleitorais mostram muito claramente o crescimento de Marina nas grandes cidades. De fato, 66% de seus votos vieram dos grandes centros urbanos. Venceu em Brasília, Belo Horizonte e Vitória; foi muito bem votada no Rio de Janeiro, Recife, Palmas, Salvador etc. Parece que ganhou até na minha querida Niterói, cidade que tem uma forte classe média. Só um estudo mais aprofundado de seus votos pelas zonas eleitorais é que poderá trazer alguma luz sobre essa votação expressiva. A campanha petista já deve estar "cavucando" esses dados.
Nesses grandes centros vejo a influência de três tipos de votos.
O religioso, tanto aquele que naturalmente votaria numa candidata assumidamente evangélica e com um discurso marcadamente conservador, quanto aquele que nos últimos dias foi bombardeado com uma massiva campanha anti-Dilma, com distribuição de e-mails e folhetos fartamente comentados pelas redes sociais. Uma baixaria sem tamanho, que rondou igrejas evangélicas mais fundamentalistas e encontrou abrigo até nas correntes udenistas da campanha tucana.
O classe média ambientalmente culpado é o voto do eleitor que tem alguma noção empírica de que devemos dar importância às questões ambientais, mas por vários motivos faz muito pouco no seu dia-a-dia; e vê no voto em Marina, uma forma de se redimir. É também um pouco religioso, como aquele pecador que se confessa apenas para adquirir salvo conduto para novos pecados. Esse eleitor foi votar na "onda verde" carregando uma sacola de plástico que recebeu no supermercado da esquina.
Há também o voto terceira via , oriundo de uma classe média pouco engajada na vida política e que está um tanto quanto saturada dessa longa polarização PT/PSDB. Marina foi uma referência por sua retórica firme, mesmo pouco importando se era mais forma que conteúdo. Eles até reconhecem o risco que seria um presidente sem base parlamentar, mas antes de tudo quiseram dar um recado.
Um quarto fator importante é a abstenção. Parece consenso entre os analistas, mesmo considerando ser difícil mensurar, que a abstenção é maior nas regiões onde tanto Lula quanto Dilma tiveram mais votos. Na análise que fiz no dia 2 de outubro de 2006, vinculei o segundo turno entre Lula e Alckmin em grande medida à abstenção. Hoje ele volta a ser parte da resposta.
Por último, não podemos negar, todos os institutos de pesquisa minimizaram o potencial do José Serra nos estados mais ligados ao chamado "agronegócio", como Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. Nesses estados tradicionalmente tucanos, que elegeram aliados de Serra para governador (exceto Mato Grosso), o azul pálido pintado no mapa – ver post abaixo - tem muito a ver com o crescimento de Marina, tomando votos de Dilma Rousseff, mas também de certa resistência rural-conservadora.
Confesso que não sei medir o peso de cada um desses fatores no resultado das urnas, mas fica difícil entender certo ar derrotista de parte da militância petista. O PT, a "onda vermelha" ganhou as eleições, só não levou ainda. Atrair de volta para nosso campo, parte desta "onda verde" não é tarefa das mais complexas, na medida em que para Dilma falta pouco para alcançar os 50% dos votos válidos.
Marina deixou o PT, mas não perdeu de vista seus históricos companheiros de luta. Costumo dizer que ela "alugou o PV", mas suas referências ainda são Leonardo Boff, Frei Betto, Jacques Wagner, Tarso Genro, os senadores Eduardo Suplicy e Paulo Paim, os irmão Viana do Acre e tantos outros petistas que a acompanharam nesses 25 anos nos quais militou no partido. Marina saberá reconhecer onde estão os adversários de sua causa ambiental e mesmo constrangida pelo seu partido, sublegenda tucana em vários estados, saberá separar o joio do trigo. Não é a toa que ela e o núcleo de sua campanha desautorizaram os "tucanos verdes" que já aderiram a Serra e abriu o leque da discussão de apoio aos intelectuais que a apoiaram fora do PV.
Frei Betto inclusive afirmou em seu twiiter: "Se MARINA SILVA for coerente com seus princípios e origem, só lhe resta apoiar DILMA ROUSSEFF no segundo turno!" e "MARINA SILVA: fiel da balança ou fiel aos princípios que a fizeram discípula de Chico Mendes e ministra de Lula?"
É preciso rebater a campanha suja, mostrar sim que Dilma tem o apoio de uma parte importante das lideranças religiosas, mas fundamentalmente precisamos qualificar ainda mais o debate. Na minha avaliação, o foco deve ser aqueles eleitores que viram na Marina uma espécie de reencarnação do Lula de 1989. Parte desse eleitorado, o PT perdeu, mas não foi um divórcio definitivo; eles apenas preferiram não mais estreitar relações.
O segundo turno, quem sabe, pode ser um espaço para essa reaproximação. O desafio maior será depois atender mentes e corações. Precisamos mostrar para essas pessoas os ganhos econômicos, a mobilidade social, a inversão na curva do desmatamento da Amazônia e a importância das obras de infraestrutura. Precisamos reconhecer que falta muito a avançar na educação, saúde, saneamento e segurança pública, mas mostrar que há um rumo sendo traçado. Não se reforma um país em oito anos.
Precisamos demonstrar que, como disse uma vez Lizeu Mazzioni: "Não vamos esquecer da realidade que é o ponto de partida da dialética e da transformação. Para transformar é preciso estabelecer um processo de transição através da ação sobre a realidade; a avaliação deve analisar as ações de transformação e não se os resultados já são suficientes ou se já atingiram nosso objetivos, o importante é ter um rumo, saber de onde partimos, o que estamos fazendo e para onde vamos."
PS. Antes que me acusem de fazer discurso oportunista, não estou aqui tentando puxar o saco de Marina. Quem acompanha meu blog sabe que sempre a considerei uma ótima ministra do Meio Ambiente. Reaparelhou o ministério, retirou parte do entulho burocrático e deixou uma herança bendita ao seu sucessor. Mas quero deixar claro que dificilmente votaria nela para presidente, só se fosse para derrotar uma candidatura nefasta. Seu conservadorismo, pode se encaixar num ministério ambiental, mas não gostaria de vê-la com o poder de veto, com a caneta das medidas provisórias e a montagem de um ministério. Estou apenas citando elementos que, ao meu ver, por coerência, farão Marina apoiar o bom combate. Mas é preciso avaliar bem o preço a ser pago por esse possível apoio.
POSTADO POR ALEXANDRE PORTO
Nenhum comentário:
Postar um comentário