Pedro do Coutto
A demissão da colunista Maria Rita Kehl pelo Estado de São Paulo, contrariando antiga tradição da família Mesquita, pode se transformar num episódio destinado a acrescentar ânimo à campanha de Dilma Rousseff, já que um dos argumentos do PT tem sido o de que a imprensa manifesta intolerância em relação do governo Lula e a sua candidata à presidência da República.
Este argumento não é verdadeiro, o que pode ser verificado por uma pesquisa sobre a cobertura das eleições. Entretanto ele pode ser aproveitado como base de uma nova investida eleitoral do PT, uma vez que a demissão da colunista contraria a tradição do jornal. O Estado de São Paulo sempre publicou matérias até contra si próprio e contra sua linha editorial sem que tais fatos acarretarem rupturas, demissões ou proibições.
Eu me lembro bem que o jornal, que nas eleições de 60 tornou-se uma das principais fontes de apoio à vitória de Jânio Quadros, no início do ano seguinte fosse injustamente atacado pelo presidente numa entrevista a televisão. O Estado de São Paulo, então tendo à frente Júlio de Mesquita Filho, publicou integralmente os ataques de Jânio. Em editorial, aí sim, condenou a investida.
O mesmo aconteceu pouco tempo depois quando o Estado de São Paulo foi atacado duramente pelo então deputado Plínio Salgado. Rebateu também através de editorial, mas publicou a crítica a si mesmo.
Anos mais tarde quando seu correspondente em Paris, Gilies Lapouge, manifestou opinião em relação ao governo Miterrand com a qual o jornal não concordava a matéria foi publicada livremente, e na página 3, de opinião, o Estado de São Paulo teceu a restrição que lhe ocorreu. Lapouge trabalha há cerca de 60 anos como comentarista internacional do Estadão e felizmente para os leitores permanece no posto.
A demissão de Maria Rita, que eu conheci quando participávamos do programa Cine Clube da TV Educativa alcançou grande repercussão em Portugal. A correspondente de O Público de Lisboa dedicou duas páginas sobre o assunto, inclusive incluindo uma entrevista do jornalista Jânio de Freitas sobre o episódio.
Os argumentos do editor do jornal Ricardo Gandur não convenceram à correspondente, que destacou a contradição do jornal que repudia a censura a que está submetido há mais de um ano proibido pela justiça de publicar denúncias contra a família do ex -presidente Sarney e, ao mesmo tempo censurar um de seus colaboradores culminando com a demissão de Maria Rita Kehl. São dois pesos e duas medidas, sem dúvida, porém, na minha opinião, além disso, um argumento para Dilma Rousseff dele se utilizar.
Fonte: Tribuna da Imprensa.
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