!Marcelo Carneiro da Cunha
Estimados eleitores e leitores, incrível! Eu envelheço e envelheço e esses olhos ainda não conseguiram ver tudo que existe de esquisito nesse nosso reino da Dinamarca de ilustre povoação tupiniquim.
Mas então um candidato a presidente do país pode ligar para um presidente do Supremo Tribunal Federal e mandar parar a votação que estiver acontecendo, assim porque sim? Sério? Então, se o Serra quisesse ele poderia ligar para o Gilmar Mendes e mandar o Supremo agilizar o processo do Pimenta Neves? Ele poderia cobrar que um dos muitos processos contra o Paulo Maluf fossem julgados nesse século?
Ou seja, se o que a Folha de São Paulo mostrou nessa quinta-feira é verdade, e o ministro Gilmar Mendes atendeu mesmo a uma ligação e a um pedido do candidato Serra e parou a votação no STF, quando ela estava dando de goleada a favor da liberação da exigência de dois documentos para se poder votar, então o maior tribunal do país pode atender os desejos de um indivíduo sobre os desejos das leis da nação? Sério?
Porque se for sério mesmo, isso é muito sério! Sério de dar dor na gente, de fazer a gente pensar que algo de muito, mas muito grave ocorreu, e, pior, ocorra usualmente e estejamos todos diante de um problema de dimensão mastodôntica!
Não sei como vocês se sentiram, mas eu fiquei - e aqui vai um adjetivo que eu vinha guardando especialmente pra esse momento - estarrecido. Tão estarrecido fiquei que usei a palavra estarrecido para descrever como eu fiquei, vejam só.
Porque, estimados eleitores e leitores, quando ocorre um caso de possível uso da máquina e do dinheiro público em benefício de poucos, como no possível caso do filho da ministra Erenice, tão cantado em prosa e verso nas últimas semanas, a coisa é séria e triste, mas a República não se sente ameaçada. Diante de um roubo de banco, ninguém pensa em revogar a democracia ou questionar o sistema de governo baseado em três poderes independentes. Porque para serem três e independentes, estimados eleitores e leitores, eles precisam ser, acima de tudo, independentes. O STF é independente, se um ministro se submete a pedidos pessoais para tomar decisões para a nação? Se isso ocorre, o que ocorre, com todos nós?
Podemos viver em paz e em harmonia se alguns de nós optam por obedecer aos sinais de trânsito e outros não? Podemos viver confiando na Justiça quando ela é tão privatizada que atende aos interesses intensamente privados de um indivíduo sobre todos os demais?
Não, estimados leitores e eleitores, não podemos. E, portanto, se isso aconteceu mesmo, eu acho que o ministro Gilmar Mendes não pode seguir sendo ministro, não depois de ter feito algo dessa ordem de pequeneza. Ou não teremos mais um Supremo TF, e sim, um Mínimo TF. Não imagino que os demais membros dessa Corte possam assistir pacificamente ao desmonte da imagem, da tradição e da dimensão que uma corte como essa tem, ou, simplesmente, não tem.
E, se isso aconteceu mesmo, acho que o ministro Gilmar Mendes deve ser submetido a algo muito mais duro do que um mero impixement, mas sim passar uma semana sendo impiedosamente espinafrado pela minha Avó Jovita, punição tão, mas tão severa, que o próprio Getúlio, dizem, preferiu entrar para a História do que enfrentar a minha avó buzinando nos seus ilustres ouvidos.
Gilmar Mendes e o candidato José Serra, quando perguntados sobre a tal conversa, negaram que ela tivesse ocorrido. O jornalista presente disse que ela ocorreu. Se os dois tivessem falado que tinham sim conversado sobre coisas de Zeppelin e traseiro de moça, sobre o Palmeiras e mediunidades, tudo bem, mesmo que esquisito. Mas os dois falaram que a conversa não ocorreu.
Se ela ocorreu, eles não foram verdadeiros nas suas declarações. E, pouco depois de a conversa não ocorrida ter ou não ocorrido, o ministro parou a votação com seu esquisito pedido de vistas. Agora, ele precisa simplesmente abrir o seu sigilo telefônico e provar que a conversa nunca aconteceu, e fim de conversa. Ou arcar com as consequências da existência da conversa que a Folha diz que houve - lembrando que a minha avó Jovita, dos infinitos campos do céu, onde galopa há anos, aguarda pacientemente pelo resultado dessa investigação, e que uma confissão pode reduzir a sentença. Pense, ministro, pense.
E, antes de encerrar, minhas desculpas à Folha de São Paulo, que deu uma demonstração do bom e sólido jornalismo em ação. Eu andei falando que a Folha tinha pulado o tubarão e perdido o jeito (leiam a coluna de umas semanas atrás).
Não pulou, não perdeu, e sabe fazer jornalismo, quando quer. Sorte a nossa, azar deles.
Fonte: Terra Magazine.
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