Bancos não são devedores e sim credores da Selic.
Pedro do Coutto
O governo, através do Comitê de Política Monetária, decidiu quarta-feira elevar a taxa básica de juros (Selic) de 10,75 para 11,25% a/a, sob o argumento de que o efeito será encarecer o crédito para conter a inflação que bateu 5,9% em 2010. Argumento falso. Os bancos não são devedores dessa taxa e sim credores. Assim, quanto mais alta ela for, maior será sua remuneração.
É lógico. A Selic rege a rentabilidade dos títulos federais e papéis do Banco Central que lastreiam a dívida interna do país. Estão em poder da rede bancária e seu montante inclui forte presença de investidores estrangeiros que trazem dólares transformados em notas do tesouro.
Em setembro do ano passado, de acordo com dados da SNT publicados no D.O. de 30 de setembro, a dívida estava na escala de 2,2 trilhões de reais. Meio ponto a mais, portanto, representa uma despesa adicional de 11 bilhões de reais por ano. Onde está a redução dos gastos públicos considerada indispensável pela tecnocracia? O executivo gastava 220 bilhões de reais com os juros que pagava ao longo de doze meses, agora passa a gastar 231 bilhões, aproximadamente.
Reportagem de Patrícia Duarte, O Globo de 20, focaliza os efeitos da decisão, sob a ótica de Alexandre Tombini, presidente do Banco Central. Um dos reflexos seria maior pressão sobre o câmbio. Que tipo de pressão? Restritiva? Nada disso. Aumentar a Selic em mais 0,5% significa uma forma de atrair mais dólares em busca de um sistema volátil de remuneração. Pois o dinheiro entra e sai a qualquer momento e é isento de IR. Os juros reais tornam-se de 5,35% a/a. Resultado da subtração da taxa de 11,25 pelo índice inflacionário de 5,9%.
Toda vez que os juros oficiais básicos sobem, vem a mesma conversa. Uma fantasia. O crédito, através da rede bancária, não se retrai em função de uma Selic maior. Ao contrário, se expande. É claro. A rede bancária passa a dispor de maior volume de recursos, tanto em papel quanto em moeda escritural. Não pode deixar de aplicar o acréscimo, pois caso contrário, estaria esterilizando dinheiro diluído pela inflação do IBGE.
A tecnocracia tem mil desculpas para as medidas que toma de fortalecimento do capital, muito mais que no sentido de valorizar o trabalho humano. Isso de um lado. De outro, a taxa básica de juros nada tem a ver – absolutamente nada – com os juros cobrados pelos mesmos bancos e pelo comércio aos consumidores de crédito. A taxa média está em torno de 4%. Ao mês. Para índices inflacionários de 5,9%, ao ano.
Falei 4% calculando por baixo. E não incluindo, é óbvio, os juros que incidem sobre os cheques especiais e cartões de crédito. Estes variam de 6 a 8%. Ao mês. Seis por cento ao mês correspondem a juros anuais de 96%. Porque são juros compostos, uma incidência mensal cumulativa em cima de montante do endividamento. Não se deve misturar as coisas. Uma são juros pagos pelo governo. Outra os juros cobrados pelos bancos e pelo crédito direto do comércio.
Basta cotejar os índices para se constatar que a Selic não rege o mercado particular de crédito. Se regesse, os juros cobrados pela rede bancária e pelas lojas de departamento estariam próximos no mesmo patamar. Entretanto, há um abismo entre uma margem e outra. No fundo do despenhadeiro, estamos todos nós, consumidores. Pagamos a diferença enorme e, ainda por cima, recebemos mensagens de fantasia. Como esta agora publicada em O Globo. Cito O Globo porque das reportagens que saíram quinta-feira a sua foi a mais bem editada.
Fonte: Tribuna da Imprensa.
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