sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

POLÍTICA - Mestres do ódio carregado e engatilhado.

Pepe Escobar

NEW YORK. Há uma aterrorizante conexão direta entre a retórica do ódio que arde como febre alta nos EUA, os tiros contra a deputada Gabrielle Giffords do Arizona, as ameaças de morte contra Julian Assange, fundador de WikiLeaks, e o nono aniversário da infame prisão em Guantánamo, Cuba. Essa conexão perturbadora deveria provocar calafrios na espinha, em quem tenha qualquer preocupação com direitos humanos, por remota que seja. Pois não provoca. Não, pelo menos, nos EUA.


Julian Assange

Assange voltará ao tribunal em Londres dia 7 de fevereiro para audiência de dois dias inteiros sobre sua possível extradição para a Suécia, conectada ao ultra-nebuloso caso de camisinhas supostamente furadas e “sexo por surpresa”, coestrelado por duas fanzocas de Assange numa Estocolmo candente, em agosto passado.

Os advogados de Assange entenderam rapidamente o xis da questão: se ele for extraditado para a Suécia, o governo dos EUA moverá céus e terra até conseguir extraditá-lo para os EUA. Nos EUA, Assange pode ser condenado à morte, ou à pena irmã-gêmea dessa, nos termos da “guerra ao terror” – ser mandado para o limbo legal de Guantánamo. Para os EUA, o fato de que os tratados de direitos humanos proíbam extradição nessas condições é coisa de somenos.


Prisão de Guantánamo

Almas simplórias, bem-intencionadas, talvez lembrem que o presidente Barack Obama dos EUA prometeu fechar Guantánamo. Nunca fechará. O Congresso dos EUA matará qualquer possibilidade de transferir “combatentes inimigos” para a pátria-mãe, para que tenham julgamento adequado. A Casa Branca está pronta para condenar pelo menos 40 daqueles prisioneiros a permanecer para sempre em Guantánamo – sem acusação formalizada, sem julgamento, só um buraco negro. E Bagram, no Afeganistão, segue o mesmo caminho. Esqueçam a Constituição dos EUA e a lei internacional.

Os direitos humanos tiveram de aparecer como parte crucial da estratégia de defesa de Assange, em sete partes – porque uma possível extradição viola o Artigo 3 da Convenção Europeia sobre Direitos Humanos. Assim, os advogados de Assange, no sumário inicial de 35 páginas de sua estratégia, foram obrigados a chamar atenção para a possibilidade real de Assange ser vítima de prisão ilegal e para “o risco real de ser condenado a pena de morte. Sabe-se que figuras destacadas da cena pública nos EUA já declararam implicitamente, quando não explicitamente, que o Sr. Assange deve ser executado.”


Sarah Palin

Para que a ideia apareça com clareza para a opinião pública global, a própria WikiLeaks distribuiu release para a imprensa, no qual destaca o paralelo inevitável entre a retórica de “peguem Assange” (a ex-governadora do Alaska Sarah Palin diria “recarregue e atire”) e a narrativa dos mestres do ódio da direita, que culminou, até agora, nos tiros contra Giffords. Palin é citada, porque conclamou o governo Obama a “caçar esse chefe de WikiLeaks como os Talibãs”.

A estrada à frente só aponta para radicalização – enquanto o ódio supura, numa configuração que o próprio Assange resumiu como “Orwelliana”. Assim como os ataques contra WikiLeaks são hoje mais fortes que nunca, assim também cresce o apoio global. E há muito mais a caminho. Até agora, só foram publicados 2.017 telegramas diplomáticos (nesse passo, o arquivo ainda não estará integralmente publicado no final da década). O próximo mega-alvo é o Banco da América. E há ainda preciosidades sobre a China, os EUA e, sim, Guantánamo.

Embora a parceria entre WikiLeaks e algumas publicações da imprensa global pareça ter chegado a um ponto de equilíbrio em termos jornalísticos, estamos a um passo de guerra declarada entre os que defendem a mídia como – a palavra já diz tudo – instituição de mediação, e os que apoiam o ethos de WikiLeaks, de descarregar blocos de realidade, com mínima intervenção. Embora nada vença a informação bruta, é essencial alguma contextualização e alguma edição. E o leitor que compare e decida se prefere a versão crua ou as versões filtradas.

O que mais preocupa é o fato de que o ponto crucial do argumento de WikiLeaks – se há políticos e figuras de destaque da mídia, promovendo o homicídio e incitando ao crime, ele deveriam ser acusados e processados nos termos da lei – não está tendo qualquer ressonância nem nos EUA nem no resto do mundo. Inevitavelmente, como argumenta WikiLeaks, se o grupo continuar a ser estigmatizado como uma espécie de nova al-Qaeda, certamente acontecerão outras tragédias semelhantes à de Tucson, Arizona.


Massacre de Tucson

Não há evidência alguma de que os mestres do ódio nos EUA, que infestam o pântano do show midiático e político corram qualquer risco de serem punidos. Não há evidência alguma de que os líderes do Partido Republicano tomarão atitude pública contra a retórica “peguem, matem e arrebentem”. O massacre no Arizona, que matou seis pessoas e feriu 14, já está sendo desqualificado em bloco, pelos círculos da direita, como mais um ato isolado, de mais um dos doidos solitários de sempre.

Portanto, não há sinal algum de que o crescimento acelerado, gráfico, endêmico, do fascismo na sociedade dos EUA esteja em vias de começar a ser enfrentado seriamente. Abandonai toda a esperança, vós que ansiais por debate adulto, sereno, racional na política dos EUA. Negócio lastimável, que o pensador político e historiador francês, Alexis de Tocqueville, previu há mais de um século e meio, em A Democracia na América.

Hoje é Giffords. Amanhã pode ser Assange. Mas o verdadeiro alvo somos todos nós.
Fonte: Redecastorphoto.

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