Entrevista a Yehuda Shaul, ex oficial Israelense.
Catherine Schwaab*
Nesta entrevista ao Paris Match do ex-oficial do Tsahal (exército israelense) Yehuda Shaul, ex-oficial do exército israelita com 28 anos, e autor de Breaking the Silence [Ouvir o silêncio], fica claro que a política do tandem Israel-EUA não só não resolve o problema, como assenta numa série de crimes contra a humanidade exercidos sobre os palestinos. A mentira e o terrorismo de estado pode durar mais de seis décadas, como acontece na Palestina, mas não durarão sempre…
Catherine Schwaab (CS): O seu livro é uma bomba pelas suas revelações: que efeito concreto espera?
Yehuda Shaul (YS): Espero poder enfim suscitar uma verdadeira discussão séria em Israel pois, desta vez, os nossos testemunhos são numerosos, verificados, incontestáveis: são 180 e tiramos deles uma análise, o que é novo.
Pensa que a opinião pública ignora o que significa a ocupação militar dos territórios palestinianos?
O público tem clichés na cabeça que incitam à aprovação cega. Por exemplo, em hebreu, a política israelita nos territórios ocupados resume-se a quatro termos que não se pode contestar: «sikkul» (a prevenção do terrorismo), «afradah» (a separação entre a população israelita e a população palestina), «mirkam hayyim» (o «fabrico» da existência palestiniana) e «akhifat hok» (a aplicação das leis nos territórios ocupados). Na realidade, sob esses nomes de código escondem-se terríveis desvios que vão do sadismo à anarquia e rejeitam os mais elementares direitos da pessoa. Isso vai até aos assassinatos de indivíduos inocentes que se calcula serem terroristas. E não falo das prisões arbitrárias e dos assédios de toda a espécie.
CS: Qual é o objectivo disso?
YS: Está claramente definido: é o de mostrar a presença permanente do exército, de produzir o sentimento de ser-se perseguido, controlado, em suma, trata-se de impor o medo a todos na sociedade palestina. Opera-se de maneira irracional, imprevisível, criando um sentimento de insegurança que quebra a rotina.
CS: A ocupação dos territórios não será necessária para evitar «surpresas» terroristas?
YS: Não! A ocupação sistemática não se justifica, pois ela abrange uma série de interdições e de entraves inadmissíveis. Queremos discutir sobre isso agora. Nem no seio do exército nem no seio da sociedade civil ou política se quer enfrentar a verdade. E essa verdade, é que nós criámos um monstro: a ocupação.
CS: Pode esperar-se que discussões sérias sobre a paz melhorem a situação?
YS: Não, tentar acabar com o conflito é uma coisa, acabar com a ocupação é outra. Estamos todos de acordo para procurar a paz, mas esquecemos a ocupação. Ora, é preciso começar por aí.
CS: Os vossos testemunhos revelam a incrível impunidade de que beneficiam os colonos, verdadeiros assistentes militares: eles brutalizam os vizinhos palestinianos, levam os seus filhos à agressividade e ao ódio dos árabes…
YS: Certamente, mas não são eles o problema. É o mecanismo de ocupação que lhes deu esse poder desmedido. Eu, quando era militar em Hebron, não podia deter um colono que estivesse a infringir abertamente a lei sob os meus olhos. Eles fazem parte desse sistema imoral.
CS: Pensa encontrar um apoio na opinião israelita?
YS: Por enquanto, somos minoritários mas optimistas! Temos de sê-lo, pois vivemos tempos sombrios, a opinião israelita é apática, as pessoas estão fartas. E o preço a pagar por esta ocupação não é pesado. É a razão por que não há vontade política. Em contrapartida, o preço moral é enorme.
CS: É a primeira vez que são feitas tais revelações?
YS: Não, há um ano, tínhamos contado as pilhagens na faixa de Gaza e tínhamos sido atacados por todos os lados: pelo exército, pela sociedade civil e a sociedade política. Netanyahu acusou-nos de termos «ousado quebrar o silêncio». Mas que silêncio? É um silêncio vergonhoso sobre um escândalo estrondoso! Eles fizeram tudo para nos desacreditar. Saiu-lhes mal, pois nós somos todos antigos oficiais que vivemos esses acontecimentos terríveis.
CS: Precisamente, muitos soldados e oficiais que se expressam parecem traumatizados pelo que tiveram de fazer. Um sofrimento que permanece.
YS: Sim… Enfim, não nos enganemos: as vítimas, são os palestinos que aguentam esse controlo. Hei-de sempre recordar a resposta de um comandante do exército durante uma discussão televisiva em 2004. Tínhamos organizado uma exposição de fotografias com um vídeo de testemunhos. Ele disse-me: «Concordo com o que vocês mostram, mas é assim, temos de aceitá-lo, isso chama-se crescer, tornar-se adulto». Fiquei sem palavras.
CS: Algumas pessoas pensam que Israel tem interesse em manter o conflito e que os palestinianos nunca terão as suas terras.
YS: É falso. É impossível erradicar uma população de 3,5 milhões de habitantes. O problema não está em dar-lhes uma terra, mas na obsessão de querer controlá-los.
CS: Serão as jovens gerações dos 20-30 anos mais permeáveis ao vosso ponto de vista?
YS: Nem toda a minha geração está de acordo comigo, mas ninguém pode dizer que minto. Somos todos ex-membros do exército nacional, pagámos o preço, ganhámos o direito de falar. É preciso que os espíritos mudem a partir de dentro.
CS: Você é judeu ortodoxo e tem um discurso estranhamente aberto. A sua fé ajuda-o neste combate?
YS: Nem por isso… Mas eu sei o que significa ser judeu religioso: não ficar silencioso perante o que está mal. E quero trazer uma solução, não um problema.
* Jornalista do Paris Match
A versão em português deste texto foi publicada em:
www.egaliteetreconciliation.fr
Fonte: Diário.info.
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