Astra tinha prêmio de 20% para sair de negócio de Pasadena

Do Valor


 
Por Fernando Torres e Cláudia Schüffner
O principal fator que fez encarecer o preço pago pela Petrobras pela segunda metade da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, foi um dispositivo do acordo de acionistas que previa que, em determinados casos, a sócia belga Astra Oil teria direito a um prêmio de 20% sobre o valor original negociado, caso exercesse a opção de venda para sair do negócio e dar controle total para a brasileira.
Esse sobrepreço seria aplicado caso a opção de venda ("put option") fosse acionada no caso de a Petrobras tomar uma decisão em desacordo com a sócia (que não estivesse ligada à reforma da refinaria, já que esse ponto estava sujeito a outras regras), em um momento em que a Astra ainda tivesse pelo menos 50% das ações da joint venture.
E foi exatamente nessas condições que a opção de venda foi exercida pela sócia da Petrobras. Se fosse em outras condições, poderia não ter havido esse "extra".
Conforme o acordo de acionistas, ao qual o Valor teve acesso, o prêmio de 20% valeria tanto para os 50% restantes do ativo refinaria, avaliado em março de 2006 por US$ 378 milhões, como para a trading, que tinha preço de referência inicial de US$ 300 milhões, que era o "capital comprometido" pela Astra no negócio até a assinatura do acordo.
Além disso, estava previsto que os 50% restantes dos estoques seriam comprados pelo preço de mercado, sem prêmio, e que os passivos seriam descontados.
Fazendo a conta simples, a primeira metade do negócio sairia por US$ 339 milhões (sendo US$ 189 milhões na refinaria e US$ 150 milhões na trading) e a segunda por US$ 406,8 milhões (sendo US$ 226,8 milhões na refinaria e US$ 180 milhões na trading), num total de US$ 745 milhões.
A Petrobras diz que pagou US$ 359 milhões na primeira etapa, sendo exatamente US$ 189 milhões pelo ativo refinaria e US$ 170 milhões "em estoques" da trading. Esse parcela atribuída pela estatal a "estoques" não está totalmente clara, já que além de superar os US$ 150 milhões previstos como metade do valor de referência da trading, outros documentos sugerem que ela incluía algo que é chamado nos contratos de "alocação especial" - montante que a Petrobras se comprometeu a pagar à Astra (além da sua parcela de 50% do lucro no negócio) pelo seu "relacionamento" no mercado de compra e venda de petróleo e derivados.
Já o preço para a segunda metade da refinaria foi determinado no processo arbitral, em abril de 2009, em US$ 296 milhões, valor que se compara a US$ 226,8 milhões, quando se aplica apenas os 20% de prêmio sobre o valor previsto no contrato.
Essa diferença que persiste pode ser explicada pela incidência de juros sobre o valor ao longo de três anos (o que não está totalmente claro) ou por algum investimento adicional feito na refinaria nesse período, mas que não tivesse totalmente amortizado, já que esse reembolso também estava previsto no acordo de acionistas, e sobre o qual também haveria prêmio de 20%.
Além disso, os árbitros definiram que a Petrobras pagaria mais US$ 170 milhões pela segunda metade da trading e seus estoques existentes em julho de 2008, montante que se compara com os US$ 180 milhões que resultariam após aplicação do prêmio de 20% sobre metade do "capital comprometido" inicialmente pela Astra (não fica claro o motivo da diferença de US$ 10 milhões e se ele se deve à variação de estoques).
O que está certo é que o aumento de preço não foi determinado pela "Cláusula Marlim", que previa retorno mínimo de 6,9% para a sócia belga caso a Petrobras levasse adiante o projeto de transformar a refinaria para que ela processasse petróleo pesado extraído no Brasil, já que essa reforma na unidade nunca ocorreu.
A carta de intenções negociada pelo então diretor da área internacional, Nestor Cerveró, com a Astra, em dezembro de 2007, em que ele propunha que a Petrobras pagasse US$ 700 milhões pela segunda metade da refinaria, e mais US$ 85 milhões pela parcela restante da "alocação especial" devida à belga, também não foi reconhecida no processo de arbitragem e não afetou o preço pago diretamente pela refinaria.
Esse último documento, contudo, foi levado à Justiça pela sócia belga, e contribuiu para forçar a Petrobras a aceitar um acordo extrajudicial, no qual teve que pagar outras somas a Astra para encerrar a disputa. Na prática, portanto, a carta de intenções contribuiu para o desembolso total de US$ 1,18 bilhão da Petrobras no caso, sendo US$ 355 milhões em juros, honorários, reembolsos etc.
Ainda como decorrência da arbitragem, a Petrobras ficou responsável pelo pagamento de US$ 173 milhões referente à execução de uma garantia bancária pelo BNP Paribas, em um empréstimo de US$ 500 milhões que tinha a trading como devedora e que não foi inteiramente pago.
Na condição de garantidores da operação de crédito, a Petrobras America e a Astra foram obrigadas a pagar, em 3 de novembro de 2008, US$ 156 milhões cada uma, referente a sua parte na dívida.
Ocorre que em 24 de outubro de 2008 o tribunal arbitral tinha validado a opção de venda da Astra (decisão confirmada depois em abril de 2009, após recurso). E o acordo de acionistas garantia que, uma vez exercida a put, a Petrobras assumiria também as dívidas da trading e da refinaria garantidas pela Astra.
Assim, a dívida da empresa belga executada pelo BNP foi paga por outra empresa do grupo, de modo que a Astra não ficasse inadimplente perante o banco, mas que ainda assim pudesse pedir o reembolso para a Petrobras, o que de fato aconteceu, já pelo valor corrigido por juros, no total de US$ 173 milhões (valor em março de 2010, que seguiu sendo corrigido por juros de 5% ao ano até ser pago em junho de 2012).