domingo, 16 de março de 2014

UKRÂNIA NA MIRA DA GEOPOLÍTICA DO OCIDENTE.

Odalys Buscarón: Ucrânia na mira geopolítica do Ocidente



A disputa com o Ocidente na questão ucraniana tem como base os sérios questionamentos da Rússia acerca da ampliação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) ao redor de suas fronteiras e da política de dois pesos, duas medidas.

Por Odalys Buscarón Ochoa *


As relações russo-estadunidenses terminaram o ano de 2013 com uma intensificação na tensão por velhos e novos problemas, que cada vez deixam mais visíveis as diferenças entre Washington e Moscou em termos de política mundial e a crescente tendência para uma ordem multipolar.

O desfecho dos acontecimentos ucranianos após o golpe de Estado anticonstitucional e a destituição ilegal do presidente Víktor Yanukóvich, com a cumplicidade do Ocidente, colocou a Ucrânia no epicentro de dois polos contrapostos.

A Rússia foi firme em sua postura de não reconhecer a legitimidade do processo violento gestado ali durante os últimos meses, e em consequência, a tomada do poder armado por setores de direita e fascistas.

Para muitos analistas, o confronto verbal pela questão ucraniana, com relação às ameaças e sanções contra Moscou, é apenas a ponta do iceberg dentro do oceano de contradições pelas visões contrárias e os interesses geopolíticos.

Segundo a posição do cientista político Valeri Mijailin, à sombra da retórica oficial do Ocidente se escondem muitas outras coisas relacionadas com os interesses e a política dos Estados Unidos, a União Europeia (UE) e a Otan, contrapostos à Rússia.

O pesquisador alemão e especialista sobre Rússia, Alexander Rar, coincidiu com outros analistas em que esse lance em torno da Ucrânia faz pensar em uma nova época de guerra fria e não descartou uma associação do país centro-europeu na aliança militar ocidental.

A diretora-geral do Instituto de Pesquisas e Iniciativas de Política Exterior, Veronika Krasheninnikova, observou a respeito que a guerra fria nunca terminou, e nestes últimos tempos os Estados Unidos e aliados da Otan têm levado a cabo uma variante mascarada e silenciosa.

A cientista política recordou em uma entrevista exclusiva à Prensa Latina que, depois da desintegração da União Soviética em 1991, a Rússia e outros estados do espaço pós-soviético sucumbiram a uma situação de debilidade, e por muito tempo não puderam contrapor-se à ofensiva dos Estados Unidos.

Uma década depois, com um potencial político e econômico em ascensão, o país euroasiático esteve em condições de defender seus interesses e os de outros amigos no mundo, destacou.

Krasheninnikova considerou que depois dos reveses na Síria e Irã, e a firme posição russa na Ucrânia, Washington e o Ocidente decidiram ir à ofensiva. Não podiam perder, diante de um cenário orquestrado pelas forças fascistas e pró-ocidentais nesse país. E se tratava basicamente de reconfigurar o panorama político interno e a correlação de forças, portanto significava tirar do jogo o presidente Yanukóvich e seu partido, o Partido das Regiões.

No fundo, concorda a analista, a base das contradições com Moscou tem raiz nas ambições da Otan de continuar seu avanço e ampliação para as fronteiras russas, contando incluir a Ucrânia, e "isso é um fator muito perigoso, ao qual não se deveria ter chegado", advertiu.

Nos últimos 20 anos, o bloco militar cresceu de 16 membros para 28 estados aliados, e não deixa de estimular a entrada de outras repúblicas ex-soviéticas como a Geórgia, a Armênia e o Azerbaijão.

Do ponto de vista do mapa político da Europa, é impossível imaginar a Ucrânia na Otan e também do ponto de vista dos interesses da Rússia, disse Krasheninnikova.

Golpe de Estado

Em 22 de fevereiro ocorreu na Ucrânia um golpe de Estado armado. Como resultado, chegou ao poder um governo autoproclamado, constituído de um lado por agentes do Ocidente, e por outro, por ultranacionalistas e fascistas, esboçou a analista russa.

Arseni Yatseniuk, que se considerou a si próprio como premiê, não foi fruto de uma eleição do povo ucraniano, senão que de uma articulação dos Estados Unidos.

Informação corroborada por uma conversa vazada entre a secretária de Estado adjunta dos EUA, Victoria Núland, e o embaixador desse país em Kiev, Geoffrey Pyatt.

Em ditas conversas eles apostaram, recordou a analista, sobre suas preferências quanto ao governo ucraniano, e disseram abertamente que Yatseniuk tinha que ser o premiê.

Outro líder da oposição ucraniana, da chamada ala moderada, é o boxeador Vitali Klichkó. Seu partido Udar (Golpe), foi financiado e criado por iniciativa do partido alemão dos democratas-cristãos. A Fundação Konrad Adenauer, aliada da União Democrata Cristã, desenvolveu em 2010 o conceito dessa formação. De maneira que Udar foi criado com recursos alemães. Além disso, Klichkó é cidadão alemão, e supõe-se, não tem nenhum fundamento para aspirar ao posto de presidente da Ucrânia.

Também, o governo autoproclamado em Kiev é integrado pelos fascistas. O nomeado chefe do Conselho Nacional de Segurança Nacional, Andrei Parubi, fundou em 1991 junto a Oleg Tiagnibok o partido neonazista Liberdade (Svoboda), que em 2012 elegeu 37 deputados no parlamento unicameral.

Outra figura dessa organização que emergiu depois do golpe de Estado é Dmitri Yarosh, líder do Setor Direito, acusado pela Rússia de instigar o terrorismo, e sujeito a uma ordem de captura internacional.

Krasheninnikova recordou que foi precisamente esse grupo que integrou comandos armados e realizou ações de repressão durante os protestos na Praça da Independência (Maidán), matando policiais e civis ucranianos.

Esse golpe de Estado e a destituição do presidente legítimo, Víktor Yanukóvich, se produziram com o apoio dos governos ocidentais, reafirmou a cientista política russa.

Segundo ela, tal afirmação é corroborada por muitos daqueles que estiveram em Maidán, epicentro dos protestos, onde se realizaram coordenações estreitas entre representantes de agências de inteligência ocidentais e os ativistas do Setor Direito.

Para Krasheninnikova, todas essas atuações, o posterior golpe e suas consequências são ilegítimas, e aqueles que não veem Stepán Bandera (nacionalista ucraniano que colaborou com os nazistas) como seu herói, não estão obrigados a obedecer a essas autoridades.

Algumas das regiões do leste e sul da Ucrânia não reconhecem o governo imposto em Kiev e se declararam favoráveis a uma unificação com a Rússia, entre elas, a República Autônoma da Criméia e Sebastopol. Manifestações similares autonomista acontecem em Járkov, Donetsk, Jerson e Nikolaev.

No Ocidente, e sobretudo em Washington, insistem em que a decisão sobre o referendo na Criméia não é legítimo. No entanto, apontou a pesquisadora russa, a Casa Branca e uma parte da Europa reconhecem a independência dos estados, aqueles que possuem benefícios com esse status.

Enquanto isso, negam-se categoricamente a reconhecer a independência dos povos que não se submetem a eles.

Valeria perguntar de novo por que há uns anos Kosovo conseguiu a independência e os Estados Unidos foi o que mais fez questão disso. A resposta é singela. Precisava de Kosovo, disse Krasheninnikova, pois nesse território o Pentágono abriu sua maior base militar na Europa, a Bondsteel.

Washington também não se opôs à independência do Sudão do Sul porque precisamente nesse território se concentra a maior parte de jazidas de petróleo. E foi um benefício para eles controlar dessa forma as jazidas e a extração do petróleo.

A cientista política disse também que em paralelo à consulta da Criméia, prepara-se o plebiscito na Escócia com vistas à sua independência, e os Estados Unidos não têm nada contra esse referendo.

É outro exemplo a mais da enorme hipocrisia norte-americana e da falta de respeito à opinião dos outros povos, sentenciou a analista política russa.

*Chefe da correspondência da Prensa Latina na Rússia.

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