Os dilemas das lutas específicas em um mundo de exploração
"As demandas das mulheres, Gays e
negros não podem - sob pena de encurtarem seus horizontes - estar
desvinculadas das lutas pela transformação social", escreve Gilberto Maringoni, doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP)m em artigo publicado por Carta Maior, 13-01-2016.
Eis o artigo.
Uma das principais dificuldades nas disputas políticas é determinar aquilo que Mao Tsetung denominava de “contradição principal”.
Ou seja, em meio a um emaranhado de
crises, injustiças, problemas, insuficiências, violências etc., é sempre
necessário verificar os interesses maiores em jogo e o que está
subordinado a uma contenda central. Isso não significa negar as
especificidades, mas potencializá-las.
Desde que as lutas dos trabalhadores
afloraram de forma mais escancarada e amadurecida, a partir de 1848 na
França, as demandas de determinados segmentos entre os explorados
procurou ser examinada, pela esquerda, dentro de um universo maior, o da
exploração capitalista.
E desde lá – ou de antes– as lutas das
mulheres, dos negros, contra a exploração do trabalho infantil etc etc.
sempre foram enfrentadas no bojo de uma refrega mais universal.
Mulheres e negros - O próprio Dia Internacional da Mulher refere-se – como é amplamente conhecido – às lutas operárias a partir de 1857, nos EUA. A Revolução Russa – que consagrou de forma pioneira vários direitos femininos – começou com uma manifestação das mulheres na fábrica de tratores Putilov, na então Petrogrado. A greve de 1917, em São Paulo, também teve seu estopim na luta por creches.
No caso dos negros, o Brasil já tinha uma imprensa específica desde os anos 1850. O Partido Comunista Brasileiro foi o primeiro a apresentar um operário negro como candidato a presidente da República, em 1927. Era Minervino Oliveira, marmorista do Rio de Janeiro.
Mais recente - No caso dos homossexuais, pelo extremo preconceito social, as organizações surgiram muito mais recentemente e se difundiram a partir dos anos 1960.
Todas, absolutamente todas essas
demandas não podem – sob pena de encurtarem seus horizontes – estar
desvinculadas das lutas pela transformação social.
Já vi muitos militantes sérios do movimento negro exaltarem os ex-secretários de Estado Colin Powell e Condolezza Rice apenas por serem negros, abstraindo o fato ambos integrarem a equipe dos falcões do governo Bush. Claro que a nomeação de Rice e Powell representa mudanças no establishment estadunidense.
Mas é preciso ir devagar com o andor.
Patética, nessa senda, foi a exaltação recente da ministra e latifundiária Katia Abreu, como campeã do feminismo por jogar uma taça de vinho no senador José Serra.
Conquistas em Israel -
Falo isso tudo para comentar as propaladas conquistas democráticas para
os homossexuais na sociedade israelense, que suscitaram acalorados
debates nos últimos dias.
É preciso ter em conta que um ganho específico não pode tirar de cena o contexto geral.Vamos lembrar.
Os operários italianos e alemães, no final da década de 1930, obtiveram conquistas e confortos impensáveis em décadas anteriores e em comparação a outros países europeus. A melhoria em itens como estabilidade no emprego, assistência social, bons salários e moradia eram reais. Apesar disso, eram direitos assegurados apenas a italianos ou alemães, no âmbito social de uma crescente onda racista e de intolerância xenófoba.
As conquistas dos homossexuais em Israel estão quilômetros à frente da situação de outros países da região. Em alguns deles, vive-se uma realidade existente na Inglaterra até os anos 1960: ser gay é motivo de dura perseguição. Em alguns casos, de prisão e morte. É um atraso.
Os gays com direitos assegurados em Israel são os gays judeus. É um avanço. Mas gays árabes, palestinos e muçulmanos não têm vida fácil no país e nos territórios ocupados. Não por serem gays, mas por sua condição étnico-religiosa. Antes de serem homossexuais são diferentes.
São processos complexos, que precisam ser debatidos amplamente – e com cabeça fria - pela esquerda e por setores democráticos da sociedade brasileira.
O tema de segmentos específicos só se torna vitorioso quando sensibiliza amplamente a sociedade. Para isso, as demandas precisam ser abertas, generosas e solidárias.
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