Liberalismo econômico é responsável por crise brasileira, afirma Bresser-Pereira
da Rede Brasil Atual
Para economista, "5% do PIB é roubado do patrimônio público e
entregue a rentistas", mas governo Temer elegeu o povo e os
trabalhadores como "privilegiados" e alvo das reformas
Por Eduardo Maretti, da RBA
São Paulo – “O Brasil não tem uma ideia de nação desde os anos
1990, desde o governo Collor o Brasil se entregou aos interesses, ideias
e ao comando estrangeiro, ao liberalismo econômico, que é dominante no
Brasil desde então”, diz o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira.
Pensando nisso, ele está redigindo um manifesto intitulado Projeto
Brasil Nação, que pretende divulgar no fim do mês. Nele, “conclama-se
os brasileiros a voltarem a se unir em torno da ideia de nação e em
torno de um programa econômico viável, responsável, do ponto de vista
fiscal e cambial”, afirma.
Projetando as eleições de 2018, Bresser-Pereira acredita que o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o líder capaz de fazer
compromissos e entendimentos “e voltar a transformar essa sociedade, não
digo numa grande nação, mas pelo menos num país que volte a se
repensar, com menos ódio e com mais ideia de cooperação e colaboração
entre todos”.
Fundador do PSDB, ex-ministro dos governos José Sarney e Fernando
Henrique Cardoso, o economista acredita que a legenda tucana “é o
verdadeiro sucessor da UDN no Brasil, e portanto é um partido golpista”.
“O PMDB não é nada, não é um partido. É um conjunto de pessoas,
algumas até muito boas, e outras péssimas. Já o PSDB é um partido, como o
PT, mas é um partido da direita e da direita absolutamente antinacional
e dependente”, diz, em entrevista à RBA.
No final de 2015 o senhor disse que o Brasil tem dois
grandes problemas, a “alta preferência pelo consumo imediato” e a perda
da “ideia de nação”. Depois do golpe, a ideia de nação se perdeu
definitivamente?
Veja, o Brasil não tem uma ideia de nação desde os anos 1990, desde
o governo Collor o Brasil se entregou aos interesses, ideias e ao
comando estrangeiro, ao liberalismo econômico, que é dominante no Brasil
desde então, e liberalismo significa dependência, para nós. Houve nos
governos Lula e Dilma uma certa retomada da ideia de nação. Nada muito
forte, mas houve um esforço nessa direção. De repente vem o golpe, um
golpe ultraliberal, absolutamente contrário à ideia de nação e que
agravou profundamente a crise em que nós já estávamos, uma crise
provocada por esse liberalismo.
O Brasil está dominado pelo liberalismo econômico desde 1990. Desde
aquela época foi feita uma série de reformas que mudaram o regime de
política econômica, de um regime desenvolvimentista para um regime
liberal, que é inviável no país. De forma que o Brasil vai de mal a
pior.
Qual sua avaliação do atual cenário e da conjuntura econômica, do futuro no curto e médio prazo?
Tivemos uma crise que se desencadeia no final de 2014 e que, se
fosse contra-atacada com uma política expansiva, feita por um ministro
competente, keynesiano, talvez o Brasil estivesse fora dela há bastante
tempo. Mas não. Foi ainda a Dilma que chamou o Joaquim Levy e ele adotou
uma política que afinal agravou a recessão substancialmente. Veio o
Nelson Barbosa e tentou consertar a coisa dizendo: “Não, nós não podemos
reduzir investimentos, podemos reduzir despesa corrente, mas em
hipótese alguma investimento. Pelo contrário, devemos expandir”.
Foi o que eu também estava dizendo nesse momento, depois de
equivocadamente ter apoiado a Dilma no comecinho da segunda gestão dela.
Mas veio o golpe e outra vez veio o liberalismo econômico mais radical,
a ortodoxia. O câmbio tinha ido para o lugar certo. Eu estava contando
com isso para as empresas retomarem os investimentos, tornarem-se
competitivas e a economia voltar a crescer. Não aconteceu, o câmbio
voltou a se apreciar. Nós já estamos com o câmbio substancialmente
apreciado, o consumo só diminui, com esse imenso desemprego. Estamos com
mais de 13 milhões de desempregados. Realmente a crise se aprofundou. E
é uma crise construída pelo liberalismo econômico, sem ideia de nação.
Se o dólar ideal seria em torno de R$ 3,80, segundo o senhor já disse, estamos muito longe disso...
Dada a inflação que houve aqui no Brasil e lá fora, o dólar que
tornaria as empresas competitivas está próximo hoje de quatro reais.
Estamos muito longe. Esse é o mal fundamental do Brasil, a
irresponsabilidade cambial. Há um outro mal, e aí a esquerda também é
useira e vezeira em praticá-lo, que é a irresponsabilidade fiscal. A
Dilma foi a última experiência de irresponsabilidade fiscal. Agora, a
irresponsabilidade cambial é principalmente da direita, dos liberais.
Eles acham que ter déficit em conta corrente é bom porque seria poupança
externa, que se transformaria em investimento. É poupança externa,
porque realmente ficamos devendo aos outros, mas essa poupança externa
não é para financiar investimento, é para financiar consumo.
Apesar dos erros da Dilma que o senhor mencionou,
considerando que a derrubada do governo foi, no mínimo, incentivada por
interesses internacionais, era possível ter evitado o golpe?
Sem dúvida que podia ter sido evitado. Foi uma decisão
lamentável do Congresso, foi uma manobra de um grupo de oportunistas do
PMDB, na qual o PSDB embarcou docemente, demonstrando que é um partido
liberal, o verdadeiro sucessor da UDN no Brasil, e que portanto é um
partido golpista como era a UDN. Que o PMDB seja golpista... O PMDB não é
nada, não é um partido. É um conjunto de pessoas, algumas até muito
boas, e outras péssimas. Já o PSDB é um partido, como o PT, mas é um
partido da direita e da direita absolutamente antinacional e dependente. Isso ficou demonstrado quando eles se associaram ao golpe, que não os adiantou em nada.
Uma coisa muito curiosa é o seguinte: agora já começam a discutir
quem serão os candidatos na próxima eleição. A Cristina Fernandes, do
Valor, relatou uma festa na coluna dela em que os milionários do Brasil
estavam lá reunidos, e mais os políticos de direita, e então
conversava-se sobre quem seria o novo presidente. Quem enfrentaria o mal
maior, que é o Lula? E chegaram à conclusão que era o (João) Doria, que
é uma coisa quase ridícula.
O que aconteceu no Brasil, um pouco por culpa da Dilma e muito por
culpa de uma direita ressentida, é que uma classe média de direita
ressentida não se sentiu apoiada pelo governo; os ricos ficavam mais
ricos, os pobres eram apoiados pelo governo e essa classe média ficava
solta no ar. E aí houve uma radicalização muito violenta na sociedade
brasileira, e passou a haver no Brasil uma coisa que nunca tinha visto,
que foi o ódio. Estamos nessa situação, semelhante, aliás, à triste
situação em que estão os Estados Unidos também, completamente divididos.
Não há nada pior para uma sociedade do que isso. Mas vamos ter eleição
em 2018...
Se é que vai ter...
Vai ter. E o Lula possivelmente vai ser candidato. Não creio que
eles consigam impedir que ele seja candidato. Digamos que o outro seja o
Doria. Quem desses candidatos tem capacidade de reunir a sociedade
brasileira? Quem tem capacidade de fazer os compromissos, entendimentos
etc., e voltar a transformar essa sociedade, não digo numa grande nação,
mas pelo menos num país que volta a se repensar, com menos ódio e com
mais ideia de cooperação e colaboração entre todos? Certamente não é um
Doria. E a meu ver, o Lula tem todas as condições para isso.
O Paulo Sérgio Pinheiro me enviou um manifesto que foi assinado em
1989 por um conjunto de intelectuais que não eram de partido e apoiavam o
Lula, com essa ideia, de o Lula poder representar uma união nacional.
Isso pode ser o destino dos grandes líderes. O Lula é um grande líder,
não há dúvida. Vamos ver.
O Temer está introduzindo algumas reformas extremamente
perversas, como a da Previdência. Diante da retirada de direitos e da
enorme impopularidade, esse governo resiste até o fim?
Não nos termos em que foi colocada, mas acho que uma reforma da
Previdência é necessária. É preciso fazer alguma coisa nessa direção. É
preciso estabelecer uma idade de aposentadoria mais alta, é impossível
se manter no Brasil pessoas se aposentando tão cedo. E é preciso
igualizar o sistema público ao privado. Na minha opinião, há três grupos
privilegiados no Brasil: o grupo dos rentistas, que vivem de juros e
recebem quase 7% do PIB, quando deviam receber no máximo 2%. Tem 4%, 5%
do PIB, uma barbaridade de dinheiro, que é roubado do patrimônio público
e entregue a rentistas e financistas. O segundo grupo é o dos altos
burocratas, que têm salários altos demais e aposentadorias excessivas. E
o terceiro é o grupo dos interesses estrangeiros, porque tudo é feito
aqui no Brasil em função dos interesses estrangeiros, e vamos nos
transformando aos poucos em meros empregados dos países ricos.
Agora, o governo que está aí é uma maravilha de governo, porque há
um quarto grupo de privilegiados e esse é o objeto fundamental: é o
povão, os pobres, os trabalhadores. Esses é que são os privilegiados,
segundo o governo e segundo o PSDB. Segundo os liberais.
A questão da Petrobras, a entrega do pré-sal é simbólico disso?
Queremos ter déficit em conta corrente, porque achamos que isso é
bom, lá no norte nos ensinam que é bom. Em Nova York, em Washington, em
Londres e Paris eles dizem: “vocês precisam ter déficit em conta
corrente porque isso permite que nós os ajudemos financiando vocês”. Nós
acreditamos nisso, consumimos muito, ficamos devendo muito, não
investimos, e aí precisamos começar e vender tudo o que temos. Já que
não produzimos, a gente vai vendendo o que tem. É isso que estamos
fazendo no Brasil há muito tempo.
O que dizer às pessoas hoje desiludidas, de várias
gerações, que passaram a acreditar que o país podia ser autônomo, ter
soberania, mas outra vez sofreu um golpe?
Não há nada mais importante do que isso. Devemos lançar até o final
do mês um manifesto que chamo de Projeto Brasil Nação, e espero que
seja seriamente lido, estudado e apoiado pelas pessoas, porque
conclama-se os brasileiros a voltarem a se unir em torno da ideia de
nação e em torno de um programa econômico viável, responsável, do ponto
de vista fiscal e cambial.
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