segunda-feira, 29 de maio de 2017

ANOS DE CHUMBO - Uma que não se dobrou.

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Foto: Arquivo
Do Vermelho.org
A morte de Gilse Cosenza faz-nos lembrar aspectos históricos da luta contra a ditadura.
Mineira de família conservadora, a Gilse envereda na política estudantil em colégio católico de freiras, quando entra na Juventude Estudantil Católica, a JEC, e participa de grêmio estudantil. Tinha 16 anos. Estava em curso a campanha pelas “reformas de base” do governo João Goulart. Logo que entrou na PUC em 1964, veio o golpe militar.

Gilse, de imediato, sentiu a necessidade de resistir ao golpe. Torna-se uma líder estudantil e entra em Ação Popular, a AP. Foi eleita presidente de Diretório em escola da PUC-MG e em 1966 foi vice-presidente do Diretório Central dos Estudantes.

Por essa época já travava abertamente a luta contra a ditadura, pois que a AP se empenhou nessa luta desde o primeiro dia da instalação da ditadura.
O movimento estudantil brasileiro nunca se deixou levar pela cantilena da ditadura que o tentou cooptar. Quando os militares quiseram criar o Diretório Nacional dos Estudantes, o movimento estudantil disse não, ficou com a UNE, perseguida, posta na ilegalidade, mas em luta.

Nisso foi grande o papel que teve a AP. Talvez possa se dizer que o movimento estudantil brasileiro tomou posições anti-ditatorias desde 1964 por causa da influência que aí tinha a AP, bem mais que qualquer outra organização na época.

Respondendo com radicalização a radicalização da ditadura, a AP orientou suas lideranças perseguidas a entrarem na clandestinidade e irem trabalhar com operários ou camponeses, organizando a resistência.

E nessa direção Gilse e seu companheiro Abel Rodrigues, recém-casados, terminaram numa zona camponesa de Minas, perto de Coronel Fabriciano. Gilse assumiu o nome de guerra de Ceci, Abel o de Túlio.

Fui visitá-los nessa situação, “integrados junto as massas camponesas”, como dizíamos na época. Eu dirigia a Comissão Nacional Camponesa. Fiquei na casa deles, onde viviam como camponeses. Ceci estava grávida. Era bem quista pelo povo local, tinha liderança junto às mulheres. Lembro-me de que se queixava muito do machismo existente no meio camponês, que era grande. Os dois ficavam animados com as notícias da luta geral que eu transmitia de que a organização da resistência crescia.

Em 1969 Gilse foi presa. Segue-se a rotina dantesca de massacre, torturas atrozes, físicas e psicológicas.

Foi a época em que outras quatro companheiras, com a Gilse, iam sendo trucidadas nas masmorras da ditadura, mas resistiram. O jornalista comunista Luiz Manfredini conta a história desse capítulo honroso no livro “As moças de Minas”, que eram cinco, Loreta, Sissi, Gilse, Ludelina e Rosário. Uma página que enaltece as mulheres e o povo brasileiro. A tortura era brutal, o objetivo era o torturado delatar. O prêmio, deixar de sofrer tortura. O resultado: nada de delação.

Quando é solta, a Gilse reencontra seu companheiro e filha e integra-se em outra batalha em curso, a da incorporação de Ação Popular Marxista Leninista no antigo e renovado Partido Comunista do Brasil.


Logo após a incorporação de APML no PC do B, o Partido cria sua Comissão Nacional de Organização com Pedro Pomar, Sérgio Miranda e eu. Pomar, velho dirigente desde 1935, Miranda, bem mais jovem, mas já era do Partido, e eu que estava chegando de AP. Eu era quem conhecia a turma de AP que chegava, eu era quem dava as informações.

Discutíamos como reforçar o trabalho em locais fragilizados, um deles, o Ceará. Em uma de nossas reuniões clandestinas dei a notícia: da turma chegada de AP tinha uma dupla do melhor nível, Gilse e Abel. Providências foram tomadas e lá se foi a “dupla do melhor nível” para o Ceará, ajudar na reorganização do Partido. Gilse assumiria a tarefa da direção principal.

Depois, veio a anistia e Gilse, com sotaque mineiro vira nordestina de coração cearense, e empenha-se, como sempre, nas novas batalhas que se colocam.

Traiçoeiro, um câncer lhe pegou e ela fez o que sabia, lutou contra ele. Anos a fio.

Foi-se Gilse. Fica sua memória, de mulher vibrante, alegre, inteligente, simples, mãe de duas filhas que lhes honram, mineira e cearense, brasileira de coração, comunista pela vida.
Haroldo Lima é membro da Comissão Política Nacional do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil.

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