Um texto de Sonia Castro Lopes
LULA X MORO: POLÊMICA DESNECESSÁRIA
Lula está ressentido. É natural. Lula está ansioso para fazer um bom governo. É natural. Mas precisa se conter um pouco. A oposição é grande e todos os seus adversários estão à espreita de um escorregão. Sabíamos que seria difícil. Como presidente de um governo que enfrenta sérias dificuldades, não pode se pronunciar publicamente sobre um ex-juiz que, relegado ao ostracismo, aproveita os momentos de fama que a grande imprensa lhe tem concedido.
Moro é um ser abjeto. Condenou o presidente sem provas, impediu-o de concorrer às eleições de 2018, facilitou a emergência de Bolsonaro, a quem serviu de olho no cargo de ministro e uma futura indicação para o STF. Humilhado publicamente na célebre reunião de abril de 2020 pediu as contas e passou a se opor ao governo ao qual prestou vergonhosa vassalagem. Com pouco capital político para se eleger presidente, conseguiu uma vaga no Senado e serviu mais uma vez ao governo que tanto criticara aparecendo como um fantasma no último debate presidenciável ao lado de Bolsonaro na ridícula tentativa de intimidar Lula, o que, felizmente, não aconteceu.
Colocar esse verme no centro do debate político é, a meu ver, uma estratégia equivocada. E a mídia corporativa, ainda ansiosa pelo representante da “terceira via” que não vingou, agora deita e rola com manchetes e comentários sensacionalistas equiparando Lula ao fascista que o antecedeu, como o fez a morista juramentada Vera Magalhães. Quantos desses comentaristas votaram em Lula tapando o nariz? Seguramente muitos deles. Declarando-se imparciais e críticos, esses profissionais da imprensa põem fim à lua de mel com o novo governo e abrem espaço para figuras execráveis como Sérgio Moro venderem a sua narrativa dos fatos.
É evidente que Moro procura se vitimizar com a cumplicidade de uma imprensa saudosa dos tempos em que pretendia transformá-lo em herói. O que este cidadão fez para ser jurado de morte pelo comando do PCC? Os advogados dos criminosos já declararam que Moro não encabeçava a lista de supostas vítimas de atentado como foi amplamente divulgado pelos jornais e TVs. Era o promotor paulista Lincoln Gakiya quem estava no topo da lista dos sentenciados à morte pela facção, pois foi ele quem assinou os pedidos de transferência de integrantes da cúpula do PCC para o sistema prisional federal. Até o final do ano passado o nome do ex-juiz e atual senador tampouco constava da lista dos “decretados”, segundo informações do Serviço de Inteligência de São Paulo.
Portanto, é falsa a afirmação de Moro que após dois meses de governo Bolsonaro (em março de 2019) como Ministro da Justiça determinou a remoção do principal chefe da facção, Marcola, para o sistema federal. O máximo que o ex-ministro fez foi proibir visitas íntimas aos presidiários, razão insuficiente para encabeçar a lista de inimigo número 1 da facção criminosa. Segundo o promotor Gakiya, o ex- juiz tenta obter dividendos políticos com essa história, uma vez que coube ao Ministério da Justiça apenas providenciar a logística para a remoção dos presos a fim de que fosse cumprida a ordem da justiça paulista.
Mas por que só agora essa questão vem à baila? E com a participação de uma juíza suspeitíssima, Gabriela Hardt - substituta de Moro na Operação Lava-Jato -, que autorizou a ação contra o PCC apenas 35 minutos após a declaração de Lula em entrevista ao Brasil 247 na última terça feira (21/3). Quero dizer com isso que Lula tem razão ao sugerir a “armação” de Moro no episódio. Tem razão em odiar Moro depois de tudo que sofreu sob a responsabilidade daquele juiz venal, mau caráter, mas não pode declarar publicamente seus anseios. Isso não acrescenta nada ao seu currículo, além de despertar o ressentimento dos vencidos e dar combustível à oposição que não dá trégua ao atual governo.
Para se ter uma ideia, pesquisa realizada pelo IPEC e publicada no último domingo (19/3), revela que 44% dos brasileiros acham que o governo Lula poderá instaurar o comunismo no país. Isso é muito grave. A extrema direita que avança internacionalmente e os bolsonaristas aqui no Brasil estimulam essa falácia e, diga-se de passagem, de forma eficaz. Segundo resultados dessa pesquisa 48% dos entrevistados que demonstram temor com o risco comunista são moradores da região sudeste, seguidos da região centro-oeste (47%) sendo a maioria (57%) composta por evangélicos que hoje constituem mais de 30% da população brasileira.
Como sentenciou Marx, a história só se repete como farsa, mas creio que às vezes é necessário revisitá-la. Lembrai-vos do segundo governo de Vargas (1951-54), das condições em que Getúlio voltou “nos braços do povo”, mas foi perseguido e implacavelmente abatido por seus inimigos, com destaque para o “corvo” Lacerda, dublê de deputado e jornalista que municiou praticamente toda a imprensa da época contra o presidente. Vargas não resistiu. Os tempos são outros, dirão vocês, mas nunca é demais recorrer à história e à sua matéria-prima, a memória, para compreender o presente.
SONIA CASTRO LOPES é historiadora e professora aposentada da UFRJ.
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