Protesto volta às ruas de França, repressão policial aumenta
Depois das manifestações que tiveram participação recorde no dia 7 de março, as desta quinta-feira contarão com números muito próximos. Por exemplo em Marselha, a intersindical anunciou 280 mil manifestantes, mais do que há duas semanas. Em Toulouse os sindicatos anunciaram a presença de 150 mil manifestantes, outro recorde desde o início da mobilização. Bordéus, Estrasburgo, Toulon ou Rouen foram outras grandes cidades a anunciar recordes de participação.
Em Marselha, o líder da França Insubmissa, Jean-Luc Mélenchon disse tratar-se da "maior mobilização social desde o maio de 1968 em todas as regiões". "A censura social está a aumentar. Macron vê como uma multidão se torna um povo que diz não!", conclui o candidato mais votado da esquerda nas presidenciais e que se tornou o motor da união eleitoral dos partidos à esquerda nas legislativas seguintes. Também o socialista Benoit Payan, que preside à autarquia marselhesa, apelou a Macron para não promulgar a reforma das pensões. "Precisamos de palavras que apaziguem e precisamos de ações que apaziguem. Não devemos promulgar esta lei porque, caso contrário, estaremos a colocar as pessoas umas contra as outras e isso não é aceitável", insistiu.
"Macron não ouve, comporta-se como um rei"
A jornada de hoje trouxe uma mudança nas formas de luta, com notícias de mais bloqueios de estradas em muitas regiões do país. Este indicador da radicalização da luta, inspirada também nas táticas usadas pelos Coletes Amarelos em 2018, é a resposta à passagem "à força" da subida da idade da reforma sem votação parlamentar e da entrevista televisiva em que o Presidente francês Emmanuel Macron atacou os opositores da medida, chegando a compará-los aos invasores do Capitólio nos Estados Unidos.
"Macron não ouve, comporta-se como um rei. Eu votei nele na segunda volta porque estava a votar contra outra pessoa, ele não devia esquecer isso", diz ao Le Monde Abdel Yousfi, operário do setor automóvel de 55 anos. E muitos órgãos de imprensa dão conta de testemunhos semelhantes de pessoas que votaram Macron contra Le Pen e se dizem indignadas com rumo da ação presidencial contra a maioria do país. Como em Nantes, onde uma trabalhadora da restauração conta que votou Mélenchon na primeira volta e Macron na segunda para bloquear a candidata da extrema-direita. "Para a próxima acabou-se! Vou votar em branco. Se passar a Le Pen, paciência, será o nosso castigo", afirma Lucile Martin, dizendo que a patroa fechou o restaurante para que pudessem ir à manifestação. Com apenas 39 anos, diz que já toma medicação contra as dores de costas e tendinites. "Como é que eu vou trabalhar até mais tarde? O meu corpo vai ceder a dado momento. Vou trabalhar depois para um escritório? Mas quem é que dá emprego a pessoas de 55 anos?", questiona.
Liga de Direitos Humanos denuncia "espancamento sistemático e violência gratuita" da polícia
A radicalização do discurso presidencial teve também como consequência o aumento da repressão policial sobre os manifestantes nos últimos dias. Já durante a manifestação em Rouen, um deputado da maioria macronista, Damien Adam, dava conta de que uma assistente de estudantes com deficiência perdeu os sentidos depois de uma granada policial lhe ter arrancado um dedo polegar. Em várias cidades, incluindo Paris, o avanço do cortejo foi interrompido por causa da nuvem de gás ou do ataque policial aos grupos de jovens vestidos de negro que seguem à frente do cortejo e tentam destruir montras e mobiliário urbano à sua passagem.
Em comunicado, a Liga de Direitos Humanos alerta para o uso de cercos, armas mutilantes e do excessivo recurso a gás lacrimogéneo, bem como à entrada de corpos policiais que não são formados para a manutenção da ordem pública e são bem conhecidos pela violência das suas ações, como as brigadas BAC e BRAV-M, "com detenções e interpelações indiscriminadas, espancamento sistemático e violência gratuita que viola a dignidade das pessoas".
"Chegou o momento de intimidar um movimento social que está a ser obrigado a pagar pelo seu dinamismo, contrariando a liberdade de manifestação", afirma a LDH. Também a eurodeputada do Bloco Marisa Matias divulgou um vídeo com um resumo da violência policial dos últimos dias. "Em França, Macron silenciou os representantes eleitos do povo francês, ao aprovar uma reforma do regime das pensões à revelia do que é a vontade da maioria. Agora quer silenciar os protestos do povo com uma repressão brutal e prisões arbitrárias", afirma Marisa.
Ante a intransigência de Macron em avançar com uma reforma penalizadora dos trabalhadores e rejeitada por mais de dois terços da população, nas ruas de França multiplicam-se os apelos à dissolução do Parlamento e à realização de um referendo sobre a medida. A radicalização de posições de Macron e do movimento atraiu para a greve novos setores que até agora se tinham mantido à margem dos protestos. Como os trabalhadores do Tribunal de Contas, que em comunicado se dizem "preocupados com a crise política, o impasse e a tensão em que a ausência de diálogo, a utilização de uma lei de financiamento retificativa da segurança social e a decisão de recorrer ao n.º 3 do artigo 49º da Constituição mergulharam o nosso país". E os estivadores de Dunquerque fizeram a primeira greve em 30 anos.
A adesão às greves não atingiu os níveis de janeiro, mas aumentaram em relação às paralisações mais recentes, com os números oficiais a apontarem para 25% nos ferroviários e 21,5% nos professores. Esta foi a nona greve contra a reforma das pensões e em termos gerais contou com adesão de 15,5% dos funcionários públicos, bem acima dos menos de 3% da greve de 15 de março. Nas refinarias e na recolha do lixo, prossegue a greve reconduzível, com o lixo a amontoar-se nas ruas e o combustível a desaparecer das bombas. Mais de 400 escolas liceais foram bloqueadas esta quinta-feira, a par de dezenas de faculdades.
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