Antecipo que Carlos Eduardo Lins da Silva, o ombudsman da Folha de S. Paulo, é meu amigo. Sei que serei mais uma vez criticado, mas quando eu decidir escrever para agradar aos leitores é melhor pedir o boné deste site, o que não significa nada -- já que sou meu próprio chefe, pelo menos aqui.
Em sua coluna de domingo o ombudsman da Folha faz uma observação muito simples, que é básica do Jornalismo: é obrigação de um jornal não reproduzir informação alheia sem que ela passe pelo seu próprio controle de qualidade; é obrigação de um jornal ir além da reprodução de declarações de autoridades.
Eu diria mais: a Folha foi muito além do razoável no campo da opinião quando permitiu que um psicanalista acusasse o presidente da República de cometer homicídio em um acidente aéreo que -- hoje está claro -- resultou de erro dos pilotos. Se isso não era sabido na época era obrigação do jornal exercer a cautela. A Folha foi muito além do razoável no campo da opinião quando permitiu a uma colunista conclamar toda a população, de forma irresponsável, a se vacinar contra a febre amarela, quando é sabido que a vacina não é recomendável para todas as pessoas.
Mas deixemos esses dois episódios no passado para voltar à coluna do Carlos Eduardo.
Já escrevi neste site sobre a repercussão seletiva de capas, que foi praticada quando eu era repórter da TV Globo de São Paulo. No período que antecedeu as eleições presidenciais de 2006 a Globo repercutiu, durante meses, as capas da revista Veja sobre o escândalo do mensalão. Eu mesmo fui encarregado de fazer uma das reportagens. Reclamei, na ocasião, com meu superior imediato. Eu argumentava, então, que o Jornal Nacional não deveria simplesmente reproduzir o publicado em uma revista sem confirmar as informações de forma independente.
O risco é óbvio: um grupo político ou econômico interessado em um determinado impacto legal ou eleitoral paga pela publicação de um texto em um jornal ou revista. Os outros vão atrás e repercutem. Até que se prove que a "notícia" original era falsa ou plantada a mentira já foi repetida tantas vezes que já se tornou verdade.
O caso do grampo no presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, é um exemplo. Por enquanto é um crime sem corpo, já que não há qualquer prova material de que o grampo de fato aconteceu. A quem interessa essa "notícia"? O ombudsman da Folha disse que é obrigação do jornal fazer essa pergunta, já que ela ajuda os leitores a entender o contexto em que as informações são divulgadas. É espantoso que o Carlos Eduardo precise se dar ao trabalho de repisar noções básicas do Jornalismo. Sinal dos tempos?
Não acredito. A Folha faz jornalismo quando quer. "Se fosse na Venezuela, seria estatização", escreveu Vinicius Torres Freire na capa do jornal nesta segunda-feira. É fato, muito embora Hugo Chávez acredite que é preciso estatizar para forçar o setor privado a competir com empresas estatais, enquanto o governo Bush age no desespero para estatizar os prejuízos do mercado financeiro.
Na página 2, Fernando de Barros e Silva faz uma boa análise política, da qual destaco o seguinte trecho: "Lula é o nosso esperanto, a encarnação do "&" que conecta e separa Casa Grande e Senzala. Ele é a expressão máxima da democracia brasileira. E talvez de seus limites".
Vai ao encontro do que escrevi neste site sobre os princípios negociáveis do governo Lula. Muitos leitores me criticaram. Minha implicância é com esse personalismo, com aqueles que acreditam que um homem É a democracia.
O risco é de desmobilização dos movimentos sociais, à espera de que o "pai dos pobres" dê sua benção. A democracia não é do Lula. É nossa, de todos os brasileiros. E ela precisa ser aprofundada independentemente de quem ocupe a presidência da República. Ela precisa ser institucionalizada. Não dá para garantir a presunção de inocência para o Daniel Dantas sem garantir o mesmo para agentes públicos do Estado. Não dá para condenar a tortura do regime militar sem condenar também a tortura nas delegacias de polícia. Não dá para condenar os abusos de agentes públicos -- no uso de grampos ou de algemas -- sem condenar também o fato de que milhares de presos já cumpriram a pena e continuam presos.
Lula nunca deu um passo que fosse no sentido de ameaçar a democracia brasileira. Pelo contrário, deu muitos passos positivos no sentido de ampliá-la. Enquanto for assim merece todos os aplausos e elogios. Porém, ninguém merece de um jornalista algo que não seja uma avaliação crítica. Caso contrário não é Jornalismo.
Fonte: Blog Vi o Mundo, Luiz Carlos Azenha.
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