Os segredos de Estado estão online
Desde ontem, mais de 250 mil arquivos em posse do Wikileaks estão disponíveis para consulta na Internet. Trata-se de telegramas enviados pelas embaixadas aos ministérios do Exterior dos seus países. Mas há também outros materiais, como a indicação de alguns lugares secretos de estruturas de inteligência ou informações reservadas sobre ativistas em forte conflito com os governos dos seus países.
A reportagem é de Benedetto Vecchi, publicada no jornal Il Manifesto, 03-09-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Mas o que diferencia essa publicação das anteriores é que o material informativo não sofreu nenhum tipo de elaboração. O anúncio da publicação ocorreu, como já é de costume, no Twitter, com o convite aos leitores para que realizem aquele trabalho investigativo e seletivo feito anteriormente pelo grupo. É a primeira vez que Assange apela à chamada "sabedoria da multidão" – o crowdsourcing, isto é, o trabalho voluntário dos usuários que tanto apaixonam os gurus da Web 2.0 –, que se contrapõe à incapacidade da mídia, segundo o Wikileaks, de sustentar o desafio da luta contra os segredos de Estado, objetivo principal contra o qual o Wikileaks combate.
Já se sabe que a relação entre o Wikileaks e a mídia sempre foi "difícil". Embora julgada como cúmplice do poder constituído, a mídia dominante havia tentado acessar os materiais em posse do Wikileaks, garantindo o respeito das regras postas por Assange para a publicação dos materiais em seu poder. E, em 2009, na verdade, o Wikileaks estabeleceu acordos com algumas publicações para a divulgação prévia dos materiais já "elaborados".
O New York Times, o El Pais, o The Guardian, o Der Spiegel começaram, assim, a publicar os materiais fornecidos pelo Wikileaks (há alguns meses, a revista L'Espresso publica os materiais referentes à Itália). Houve problemas com o New York Times, quando, em alguns desses telegramas a serem publicados, estavam presentes nomes e referências a situações que podiam constranger o governo dos EUA. Mas sempre se havia chegado a um acordo. As maiores dificuldades ocorreram, ao contrário, com o inglês The Guardian.
Nos últimos dias, ocorreu a decisão do Wikileaks de agir legalmente contra o jornal britânico, depois que um jornalista havia divulgado a senha para acessar os arquivos disponibilizados para os jornais envolvidos no acordo de publicação dos materiais. Um anúncio que chegou depois que a senha havia se tornado público no inverno de 2010, quando o jornalista do The Guardian David Leigh havia enviado às livrarias um livro escrito com Luke Harding, muito crítico contra Julian Assange, mas não contra o Wikileaks, no qual estava presente a senha (Wikileaks: Inside Julian Assange's War on Secrecy, Guardian Press).
Depois do episódio, Assange decidiu ampliar a plateia dos jornais envolvidos no acordo de publicação, mesmo que o relatório, cada vez mais tempestuoso, com o The Guardian nunca foi interrompido. A decisão de mover um processo legal contra o jornal inglês pode ser interpretada como uma decisão unilateral do Wikileaks de romper o acordo com os jornais para a publicação prévia dos materiais em sua posse.
E ontem o The Guardian, o The New York Times, o El Pais e o Der Spiegel condenaram a decisão da unilateral publicação dos 250 mil arquivos. Críticas também chegaram dos Reporters sans Frontières e da Anistia Internacional, que sublinharam o fato de que, no material publicado, também estão presentes os nomes de alguns informantes que forneceram material para denunciar a operação dos governos jordaniano, iraquiano e israelense.
A publicação sem "filtros" dos materiais pode ser avaliada como um sinal das dificuldades do Wikileaks para garantir a "qualidade" do material em sua posse. Muito poucas pessoas para uma enorme quantidade de material a ser avaliada, verificada, elaborada. Explicação que vai contra o que foi reiteradamente afirmado por Assange, que há muito tempo afirma como o número dos voluntários – muito poucas pessoas recebem dinheiro pelo trabalho desenvolvido – estaria em constante aumento.
Não há dúvida de que o consenso em torno do Wikileaks está aumentando; basta lembrar as ações em apoio da sua ação por parte de intelectuais, cineastas, muitos grupos de ativistas de mídia e hackers, como o Anonymous. Ao mesmo tempo, no entanto, um dos primeiros membros do Wikileaks, Daniel Domscheit-Berg, no livro Inside Wikileaks (Ed. Marsilio), que selou a sua ruptura com Assange, descreve as atividades de um pequeno grupo de ativistas.
Outra explicação para a decisão do Wikileaks de publicar todos os materiais em sua posse pode ser buscada no atual confronto com o governo norte-americano. Há muito tempo, a atividade do Wikileaks é comparada a uma ação terrorista contra os Estados Unidos. E foram fortes as pressões sobre os bancos, instituições de crédito e empresas para qualquer relação com o Wikileaks. Pressões que determinaram um isolamento do Wikileaks. A publicação, portanto, deveria ser contextualizada no confronto entre o Wikileaks e o governo dos EUA.
Além das explicações dos motivos que levaram o Wikileaks a publicar o material, permanece o fato de que o tsunami representado pela publicação dos materiais "sensíveis", "reservados" e secretos não parou, continuando a constranger governos e empresas.
Fonte:IHU
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