quinta-feira, 22 de setembro de 2011

POLÍTICA - Dilma em Nova Iorque.

Próxima de Lula, mas com tom próprio na economia.


Já em Nova York, com o esboço do discurso que pronunciaria ontem na abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), a presidente Dilma Rousseff decidiu reforçar e aumentar o trecho dedicado à crise internacional. A presidente fez questão de enfatizar a preocupação do Brasil com a gravidade da crise e com a necessidade de uma resposta conjunta e não de "uns poucos países", contra medidas recessivas. O esboço do discurso tinha um tom otimista sobre o Brasil, que Dilma amenizou na versão final.

A reportagem é de Sergio Leo e publicada pelo jornal Valor, 22-09-2011.

"Nossa capacidade de resistência não é ilimitada", acrescentou Dilma ao pronunciamento, antes de ir à tribuna. Para estender-se sobre a crise econômica, reduziu o espaço dedicado no discurso à América do Sul e ao Mercosul, assuntos dos quais tem se ocupado pouco nos últimos meses, embora os mantenha como prioridade do governo. A troca é uma mostra de como a crise anda ocupando as atenções no Palácio do Planalto.

Outro tema enfatizado pela presidente foi a referência ao crescente poder das mulheres. Esse é um dos raros assuntos que diferenciam a presidente do antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva. Dilma previa um comentário sobre o fato de ser a primeira vez que uma mulher abre a Assembleia Geral (que, desde 1946, é sempre aberta por um brasileiro). Na última hora, acrescentou cinco parágrafos finais sobre a necessidade de valorização das mulheres, e terminou com uma forte declaração de princípios pela democracia e direitos humanos. "Como mulher que sofreu tortura no cárcere, sei como são importantes", disse.

A atuação de Dilma marcou uma imagem própria, descolada da sombra carismática do antecessor. Dilma publica hoje um artigo no influente "Financial Times" ameaçando reagir contra os "manipuladores de moedas" e culpando as políticas monetárias estrangeiras pelas pressões inflacionárias. Esse discurso foi levado também às reuniões bilaterais dela em Nova York, com mandatários como James Cameron, do Reino Unido, e Nicolas Sarkozy, da França.

Dilma buscou afirmar a imagem de mulher decidida e severa, não só para o público interno. Em lugar do afável líder metalúrgico com uma história pessoal de superação de dificuldades, entra em cena a ex-guerrilheira de talento gerencial, convertida à economia de mercado, mas decidida a brigar pelas mulheres, pelos pobres e pelo desenvolvimento autônomo do país. Suas atuais obsessões: a preocupação com a gravidade da crise e a oposição a qualquer saída que implique aprofundamento da recessão.

Na diplomacia, Dilma em pouco se diferencia de Lula: reiterou o apoio do governo brasileiro à criação do estado palestino, seguindo as fronteiras definidas em 1967, reclamou da demora (18 anos) da reforma que ampliará o Conselho de Segurança da ONU e reivindicou um assento permanente para o Brasil.

Ao mencionar as revoltas no mundo árabe, explicitou a condenação brasileira às "repressões brutais que vitimam as populações civis"; mas, como faria Lula, reiterou a posição brasileira contra intervenções estrangeiras, que vem sendo criticada pelas grandes potências. Pediu uma forma "legítima e eficaz de ajudar as sociedades que clamam por reforma, sem retirar de seus cidadãos a condução do processo" e disse que o recurso à força deve ser "sempre a última alternativa" - uma crítica, especialmente, à atuação das forças das potências ocidentais reunidas na OTAN no apoio à derrubada do ditador líbio Muamar Gadafi.

A relativa estabilidade da economia brasileira é tida como um trunfo no governo, e motivou menções orgulhosas sobre a capacidade do Brasil de oferecer ajuda para a saída da crise. O discurso otimista de Dilma excluiu qualquer referência à ameaça de inflação no Brasil (no artigo para o "Financial Times", ela atribui às pressões externas a subida de preços) e chega a ser paradoxal ao condenar as ações protecionistas no comércio internacional - condenação que não combina com sua recente decisão de sobretaxar a importação de automóveis, contra as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC).

A menção à crise financeira mostrou que é esse o campo em que Dilma se sente mais à vontade quando trata de temas internacionais, adotando um tom mais técnico na cobrança de responsabilidades dos países desenvolvidos. Sem recorrer a metáforas, ela ressaltou a alta moral do Brasil para cobrar, ao lado da tradicional reivindicação por maior controle dos fluxos financeiros, esforço de "avaliação mútua" das situações fiscal e monetária dos países em crise.

Após ressaltar que a crise econômica é, "também", de governança e de coordenação política", cobrou apoio financeiro aos países com dificuldades fiscais, e reivindicou o fim da "manipulação do câmbio tanto por políticas monetárias excessivamente expansionistas como pelo artifício do câmbio fixo" - uma crítica, respectivamente, à China e aos Estados Unidos.

Além do que foi considerado uma boa estreia na ONU, a visibilidade de Dilma na imprensa mundial alegrou a presidente e seus assessores. Ela se tornou, nesta semana um dos raros chefes de Estado estrangeiros brindado com foto na capa da edição americana da popular revista Newsweek (o último presidente a ter essa distinção foi o do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, em 2009, com um polêmico artigo do editor Fareed Zakaria contestando o interesse iraniano em construir uma bomba atômica).
Fonte:IHU

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