"A decisão de revisão dos juros, em 31.08.2011, parece inaugurar novo período na história econômica do país. Período em que medidas de proteção ao mercado interno e regras que limitam fluxos financeiros internacionais pautarão o novo nacionalismo brasileiro", escreve Marco Aurélio Cabral, professor da Universidade Federal Fluminense, em artigo publicado no jornal Valor, 23-09-2011.
Segundo ele, "para desgosto dos "mercados", contudo, não parece haver qualquer componente ideológico ou politiqueiro por detrás disso. Apenas o velho e bom pragmatismo de proteção do bem coletivo diante de inevitável aumento da ameaça externa".
Eis o artigo.
Contrariados como meninos mimados, participantes do "mercado" se exasperam nas críticas às supostas interferências políticas sobre o Banco Central, com alardes sombrios sobre o futuro próximo de todos os brasileiros. Ocorre que Banco Central independente é suposto como aquele que resiste a pressões políticas, seja de governos ou de "mercados", para o benefício dos interesses difusos, usualmente silenciosos no debate sobre juros. Nestes termos, ao reduzir juros em 31 de agosto, o Poder Executivo parece alinhar expectativas do "mercado" com o pragmatismo do agravamento da situação econômica internacional. Crises históricas são fenômenos distintos de pânico nos "mercados". Desdobram-se em acontecimentos aparentemente contraditórios se percebidos como simples sobe e desce de indicadores. Vistas de longe, as ondas longas do historiador Fernand Braudel parecem apontar para crises que se somam no momento presente dos fatos. Crises políticas e econômicas que se realimentam e se desenvolvem lentamente. E o pior. Inevitavelmente, para nós brasileiros.
Não se resolve nada ao fingir que o problema não existe e que há "normalidade" nos "mercados". A revisão do produto nos EUA para este ano aponta para taxas de crescimento negativas ao término de 2011.
Aproximadamente metade dos espanhóis jovens encontra-se desempregada. Não há recuperação do Japão por conta do acidente nuclear. Pelo contrário, a chance mais concreta é que venhamos a assistir proliferação de favelas em Tóquio.
Diante disso, pragmatismo explica porque o objetivo de manutenção dos investimentos industriais previstos não é tarefa simples nestes tempos e, portanto, tanto o crescimento quanto o emprego devem ser defendidos pelo Estado brasileiro. O mesmo senso de realidade parece justificar a reorientação da política monetária em favor do enfrentamento da guerra cambial, que beneficia minoria próspera e mina a vitalidade competitiva de pequenos e grandes empresários brasileiros.
Cumpre-se lembrar que meio por cento de redução na taxa básica de juros implica em economia de cerca de R$ 7 bilhões ao ano no pagamento de juros, contribuição mais do que significativa no esforço de melhoria do resultado nominal. Caso mantida gradualismo na queda do diferencial das taxas reais interna e internacional até os níveis de 3% a 5% do "prêmio Brasil", seria necessário cerca de um ano com reduções em juros. Ao cabo deste período, estaríamos economizando cerca de R$ 70 bilhões anuais, esforço do tamanho do montante que será gasto em educação pública no país em 2011.
O Brasil de hoje se encontra em situação bem diferente daquela enfrentada ao final do século passado, quando convivia alta inflação e baixo crescimento. Após uma década de geração de empregos e renda, a fração de brasileiros sem cobertura do sistema bancário caiu, compreendendo-se hoje cerca de 40% da população (estima-se que em 1999 eram cerca de dois terços).
Da mesma maneira, a inflação que vier a resultar no futuro, se vier, pode ser reduzida considerando-se que outras instituições podem participar do esforço de contenção de preços. A Petrobrás já o faz com o preço da gasolina, vilão do passado. Mas poderiam ajudar também as agências reguladoras, em esforço coordenado de desindexação de contratos de concessão. As compensações à vista para as empresas poderiam ser canalizadas para redução de dívidas, principalmente em moeda estrangeira.
Da mesma maneira, a necessidade de redução nos juros poderia ser menor se fossem ativados mecanismos de exportação de capital via apoio financeiro público à aquisição de empresas no exterior por operadores brasileiros. Dado que a crise afeta poderosa e negativamente o segmento de bens de capital e, dado que este segmento gera inovações tecnológicas relevantes para competitividade das cadeias produtivas, espera-se que surjam oportunidades para transferência de tecnologia obtida nos países centrais para grupos industriais brasileiros. Neste contexto, os Ministérios de Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) e de Ciência e Tecnologia (MCT) poderiam acumular, de forma integrada e coordenada, inteligência tecnológica e competitiva para identificação de setores e tecnologias prioritárias. O BNDES-Exim poderia operacionalizar recursos financeiros para aquisições no exterior com emprego do Fundo Soberano.
Há ainda a opção de se introduzirem controles cambiais, sendo esta alternativa de mais difícil implementação que a penalização dos capitais de curto prazo via impostos sobre movimentações financeiras.
Finalmente, os mecanismos responsáveis pela expansão da oferta, infraestrutura e indústria, devem ser ancorados em estratégias de longo prazo, obedecendo-se a critérios de planejamento da ocupação racional e sustentável do território brasileiro. Com isso, possíveis aumentos de preços poderão ser neutralizados pelo crescimento homogêneo da renda e do emprego, principalmente nas regiões mais pobres do país.
A importância histórica do Copom de agosto de 2011 parece ser a de encerrar período marcado pela retomada do desenvolvimento (2003-2010), iniciando-se novo período de implementação de projeto nacional de desenvolvimento - só que desta vez em ambiente democrático e inclusivo, ao contrário dos nossos rivais chineses.
Em síntese, a decisão de revisão dos juros, em 31.08.2011, parece inaugurar novo período na história econômica do país. Período em que medidas de proteção ao mercado interno e regras que limitam fluxos financeiros internacionais pautarão o novo nacionalismo brasileiro. Para desgosto dos "mercados", contudo, não parece haver qualquer componente ideológico ou politiqueiro por detrás disso. Apenas o velho e bom pragmatismo de proteção do bem coletivo diante de inevitável aumento da ameaça externa.
Fonte: IHU
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