Da mesma maneira que o primeiro sutiã para uma adolescente – como apontou há anos o publicitário Washinton Olivetto, em peça publicitária premiada – a primeira vaia para um artista no palco, para um político no palanque ou para um governante, em pleno exercício do poder, é experiência indelével. A presidente Dilma Rousseff que o diga.
Não dá para, simplesmente, passar uma esponja em tudo, nem fazer de conta que nada aconteceu. A presidente da República viveu sua primeira vaia no poder, esta semana, durante um encontro com prefeitos, organizado com pompa e circunstância pela Confederação Nacional dos Municípios(CNM) e pela Frente Nacional dos Prefeitos para marcar a chamada Marcha a Brasília, em sua décima quinta edição.
Nas palavras e nas imagens foi algo marcante e bastante raro, em atos de poder no Brasil. Algo para não esquecer tão cedo ou, quem sabe, jamais. Tanto para a presidente Dilma e seus assessores, como para os responsáveis pelos apupos. Principalmente, os que prepararam terreno para que a vaia acontecesse e a estimularam.
Apelemos à memória para contextualizar o fato, como recomendava o mestre premiado do jornalismo, Juarez Bahia, quando editor nacional do Jornal do Brasil, ou em seus livros referenciais de teoria e prática da Comunicação.
Em ambiente ornamentado e preparado, de acordo com os melhores e mais testados princípios do marketing político e administrativo, a presidente da República discursava para finalizar o ato, com natural expectativa de apoteose.
Diante de mais de três mil prefeitos presentes ao ato, Dilma anunciava mais um pacote de bondades em ano de eleições municipais:máquinas retro-escavadeiras para as prefeituras, construção de creches para acolher filhos de trabalhadores, ajuda na seca nordestina e nas cheias do norte. Tudo parecia correr às mil maravilhas e, de repente, as coisas começaram a desandar.
Mal comparando, parecia repetição daquela antiga história brasileira das promessas de colares e apitos para os índios. O caso virou até impagável marchinha carnavalesca, sucesso indispensável em toda folia momesca que se preza país afora.
No meio dos milhares de chefes e chefetes políticos municipais no fim de mandato – boa parte deles desenganados, ameaçados de perder a prefeitura e as benesses que o cargo possibilita. Vários decidiram mostrar fastio diante do que a presidente Dilma prometia já quase no final de seu discurso. E apostar no jogo de pressão por “mais alguma grana viva da viúva”, sempre desejada, ainda mais na despedida para muitos, em ano de campanha eleitoral nos mais de cinco mil municípios do país.
Alguém, no fundo do imenso salão, puxou o coro: “Queremos royalties” (da exploração do petróleo). Logo, outro grito: “royalties”. E mais outro e outros: “Royalties, royalties, queremos royalties”. No caso, para municípios que não produzem uma gota de óleo.Então, chegamos ao ponto crucial da história e das conseqüências do enredo da Marcha de Brasília esta semana.
Há vozes que, à boca pequena, nos corredores do poder no Palácio do Planalto e Esplanada dos Ministérios, se dizem convencidas de que teria sido melhor e menos desgastante para os dois lados, se a presidente tivesse agido como os antigos pessedistas. Feito “ouvido de mercador” em frente aos apupos, divididos com aplausos do auditório. “Deixado a bola passar”, sem maiores escaramuças.
Mas, em sua sempre imprevisível mistura mineira, gaúcha e búlgara, de sentimentos e reações, Dilma Rousseff tem seu jeito próprio de dizer e fazer as coisas. Optou pelo exemplo do artista baiano e universal, João Gilberto, sempre disposto a uma boa polêmica, principalmente quando tentam invadir sua seara de músico virtuose ou pisam em seus calos.
João criou um caso sem tamanho, que até hoje ainda repercute, na inauguração da casa paulistana de espetáculos Credicard Hall. Com tudo preparado e previsto para ser uma apoteose. A certa altura, porém, João, que se apresentava com Caetano Veloso, reclamou do ar condicionado e da qualidade do som da super casa de espetáculo que se inaugurava. A platéia respondeu com vaias ao artista. Caetano tentou contemporizar para evitar o pior na festa, mas João Gilberto foi direto ao ponto: mostrou a língua para os que o apupavam e atacou no ponto fraco: “Uh, uh, Uh! Vaia de bêbado não vale”. E o caso até hoje rola, sem fim!
A presidente Dilma, diante do pouco caso dos prefeitos, ao pacote de bondades que ela anunciava, e das suas vaias pedindo grana viva em forma de royalties, não contou conversa, como dizem os baianos. “Então, eu vou dizer uma coisa para vocês: não acreditem que vocês conseguirão resolver a distribuição de hoje para trás. Lutem pela distribuição de hoje para frente”, atirou a presidente, como se dissesse: “Vaia de prefeito em fim de mandato não vale”.
O resto é o que se sabe e o que se verá nas eleições municipais que se aproximam. A conferir.
Vitor Hugo Soares, jornalista – E-mail: vitor_soares1@terra.com.br>
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