Mantega, na Folha: os 235 dias de infâmia e humilhação
O ex-ministro da Fazenda Guido Mantega foi preso pela Polícia Federal, por ordem de Sérgio Moro, no dia 22 de setembro passado.
Algumas horas depois, foi solto pela reação que surgiu do fato de que ele entrava, naquele momento, num hospital para acompanhar uma cirurgia na mulher, Eliane, que sofre de câncer há seis anos.
Se os procuradores da Lava Jato pediram, se Sérgio Moro mandou e se a PF executou a prisão é de supor que houvesse algum perigo em que ele esperasse livre o julgamento ou fornecesse informações. Aliás, que julgamento? Nem mesmo réu Mantega é, até agora.
235 dias depois desta urgente prisão, que exige invadir a casa de alguém e fazer um menino de 15 anos – imaginem seu estado- ligar para o pai e dizer que os “homi” estavam lá, que exige chamar vizinhos e até clientes de uma padaria próxima para servirem de testemunhas, 235 dias depois, repito, Guido Mantega só uma vez foi prestar depoimento. E apenas como testemunha, no caso de Eduardo Cunha.
Vale repetir, de novo: há 235 dias Guido Mantega estaria mofando na cadeia sem ser ouvido, se um capricho perverso do destino não tivesse feito coincidirem sua prisão e a cirurgia de câncer da mulher.
A entrevista que Monica Bergamo faz com ele, na Folha de hoje, deveria ser impressa em panfletos e lida em todas as casas deste país, muito embora muitos esteja emburrecidos a ponto de não ouvir nem pensar, apenas babar seus ódios. Os jovens deveriam lê-la e debater se uma autoridade, investida de poder de Estado, tem o direito de fazer isso a alguém.
É a infâmia, a infâmia, a infâmia. A nudez das atitudes selvagens de que se acha dono do mundo e manda prender porque quer prender e ver se, com isso, atiça suas vitimas a pronunciarem o nome dos que são seus alvos.
235 dias, um pouco menos que o tempo que Mantega passou sendo acusado em outra operação, a Zelotes, até que polícia e justiça concordassem que nada havia contra ele.
Monica Bergamo, hoje, prestou um serviço ao pais. Transcrevo o que ela, ao contrário do jornalismo lavajateiro fez, dando voz a quem teve, nas suas próprias palavras, foi humilhado e teve a vida transformada em um infetno:
É uma humilhação, a minha vida virou um inferno’, diz Guido Mantega
Entrevista a Monica Bergamo, na Folha
Folha – O senhor foi preso no ano
passado, acusado de ter pedido ao empresário Eike Batista R$ 5 milhões
para saldar dívidas de campanha.
Guido Mantega – Eu fui preso e fui solto em seguida. Depois disso, nunca mais fui chamado [pelas autoridades].
Eu não tinha a menor ideia do que se
tratava. Sempre tive um relacionamento distante com o Eike. Estava
cuidando da minha mulher [Eliane], que tem um câncer com metástase e faz
todos os tratamentos possíveis, com quimioterapia, radioterapia, e que
neste dia faria uma cirurgia. Nós tínhamos entrado no hospital [Albert
Einstein, em SP] às 5h. Eram 7h quando recebo um telefonema da minha
casa dizendo que a polícia estava lá, com o meu filho de 15 anos.
A Eliane estava indo para a sala cirúrgica. Liguei para a minha irmã, “alguém tem que vir aqui ficar com ela.”
Eu pensava que seria conduzido para prestar depoimento. Aí me avisaram que era mandado de prisão.
O delegado da PF [que comandou a
operação] tinha sido da minha segurança pessoal. Aliás, me trataram
muito bem. E ele falou “faz a mala, reúne as coisas”.
Sabe o que é uma entrada da polícia às 6h da manhã na sua casa, inesperadamente?
É um choque porque eles pegam testemunhas
entre os vizinhos, pegaram até na padaria. É uma desmoralização. Você
imagina o vexame, na sua casa, um monte de jornalista, “tá sendo preso”.
O juiz Sergio Moro acabou revogando a prisão.
Eu estava lá [na sede da PF, em SP],
esperando a vinda do avião que nos levaria a Curitiba. Ao meio-dia, o
delegado diz “acho que teremos boa notícia. Você vai ser solto”.
Havia reação forte, as pessoas estavam indignadas [por Mantega estar preso enquanto a mulher fazia cirurgia].
A Eliane tá nessa luta. Ela toma agora uma quimioterapia muito forte para tentar controlar [o câncer].
A pessoa precisa de apoio moral para não
desistir desses remédios. No final de 2016, ficamos 51 dias no hospital.
Descobrimos o câncer há cinco anos, em 2011.
Nessa época o senhor quase saiu do governo, não é?
Pois é. Deveria ter saído. Teria sido bom
para mim. Ou pelo menos para a família. Não existiria nada disso. Mas
não dá para recuperar o leite derramado.
O senhor se arrepende?
Eu me arrependo. Embora nós tivéssemos um
projeto importante para o país. A economia crescia como nunca, com
melhoria da condição de vida da população, aumento extraordinário do
emprego, as empresas faturando. Era difícil eu sair naquele momento.
Delatores relatam que, no período,
houve negociações com o senhor para doação de dinheiro em troca de
benefícios do governo. Começa por Emílio Odebrecht, que diz ter pedido a
Lula que desse “um alô” ao senhor para destravar um Refis [programa que
permite às empresas regularizarem dívidas com tributos].
Eu estava atrapalhando os planos deles. Eu não estava ajudando. Eu tenho que explicar e vai ficar tudo claro.
Em 1969, uma lei permitiu que as empresas
exportadoras se creditassem de IPI [Imposto Sobre Produtos
Industrializados], para estimular as exportações. Esse benefício deveria
vigorar até 1990. Mas elas recorriam à Justiça e ganhavam, usufruindo
do benefício até os anos 2000.
Em 2007, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) julgou uma ação validando o crédito apenas até 1990.
O pessoal [empresários] ficou
desesperado. Eles estavam aproveitando créditos há 17 anos e teriam que
devolver tudo com multa e correção. Procuraram o governo: “Se tivermos
que pagar, vamos quebrar”.
Eles queriam uma lei que reconhecesse os
créditos. Uma anistia. E fizeram essa lei: em 2009, colocaram uma emenda
numa medida provisória do Minha Casa Minha Vida, no Senado. Articularam
apoios, governadores escreveram a Lula para que ele não vetasse a
emenda.
E o chato do ministro da Fazenda [referindo-se a si mesmo] defendeu o veto.
E o Lula vetou?
Vetou. Agora, nós não queríamos quebrar o
setor. Em 2008 [um ano antes do veto], tínhamos feito um Refis para
combater a crise, permitindo que empresas parcelassem seus débitos.
Fizemos então uma complementação que possibilitava que eles
[exportadores] pagassem [os débitos do IPI] em até 12 vezes, com alguns
descontos. Essa foi a “bondade” que fizemos. Não anistiamos. Essa para
mim é a prova cabal de que não demos moleza. Pelo contrário. Fizemos
eles pagarem.
O Lula falou com o senhor sobre o Refis?
Lula não falou comigo desse assunto.
Marcelo Odebrecht conversou com o senhor sobre o Refis?
O Marcelo quer dar a entender que ele era
o protagonista, mas eu conversei com Gerdau, Vale, todas as grandes
empresas exportadoras brasileiras. E também com o Marcelo.
E desde quando Refis é bondade para um segmento? O Refis é para milhares e milhares de empresários.
Ele diz que, na negociação do Refis, em 2009, o senhor entregou “um papelzinho” com pedido de R$ 50 milhões.
Isso não ocorreu. É mentira do Marcelo.
Ele é um ficcionista. Ele criou uma história. E ela é totalmente
inverossímil, pelo que já te mostrei.
Mas por que ele, que se mentir perde os benefícios de uma delação premiada, inventaria isso contra o senhor?
Porque, para você conseguir uma delação,
tem que entregar pessoas do alto escalão do governo. Um ou dois
presidentes [da República] e um ou dois ministros. De certa forma é uma
exigência. E aí fala do ministro sem provas. Porque não faz sentido essa
questão do Refis.
E menos ainda R$ 50 milhões que diz que
pedi num bilhetinho. Que bilhetinho? Mostra o bilhetinho! Ele tinha que
montar uma história para dizer que tinha propina e inventou essa. Mas
foi infeliz porque esse Refis foi feito para Deus e o mundo.
Ele diz que os R$ 50 milhões ficaram
como crédito na conta “Italiano”, apelido do Palocci, que administrava
esse caixa. E que em 2014 o dinheiro foi gasto na campanha da Dilma.
Por que não usamos esse crédito em 2010,
quando a campanha acabou com uma dívida de R$ 17 milhões? Esse crédito
foi transferido para 2014? Eu nunca vi um crédito dessa natureza. É da
cabeça dele. E ele diz que em março de 2014 o crédito já era de R$ 150
milhões. Acrescentam R$ 100 milhões.
Marcelo Odebrecht diz que, depois que
Palocci sai do governo, em 2011, Dilma indicou o senhor como
interlocutor. E afirma que falou a ela sobre pagamentos que vinha
fazendo ao Palocci.
De fato eu era o interlocutor do
empresariado. Era ministro da Fazenda e 50% do meu tempo era dedicado a
reuniões com empresariado, a seminários, almoços, jantares.
Ele fala que passou a ter uma agenda
intensa com o senhor. E que o senhor teria dito que criou-se uma
expectativa de colaboração de R$ 100 milhões para campanhas.
Tivemos inúmeras reuniões sobre várias
questões. De fato, em algumas delas, ele manifestou o desejo de
contribuir. Partiu dele. Havia uma certa animosidade entre ele e a
Dilma. O Marcelo foi derrotado várias vezes e não gostava do governo. Eu
acho que queria sinalizar para a Dilma que estava ajudando.
E como o senhor reagiu?
Eu falei: “Acho bom que você contribua,
desde que oficialmente e pelos canais competentes. Não sou eu que trato
dessas questões”.
Ele afirma que o senhor escrevia num
papel “V está precisando”. V seria João Vaccari, então tesoureiro do PT.
Cita ainda pagamentos para o marqueteiro João Santana.
Se eu expus isso num papel, por que ele
não trouxe o papel? Porque não tem prova nenhuma. O que ele fala não tem
sentido e não tem prova.
Se você ler as declarações dele, vai ver
que é tudo flutuante. Selecionei várias frases [mostra um caderno com
anotações sobre os depoimentos de Odebrecht e outros].
Mônica Moura, mulher e sócia de João Santana, diz que também tratava com o senhor sobre pagamentos para a campanha eleitoral.
Eu dialogava com a Mônica e com o João
Santana. Eles eram marqueteiros das campanhas do PT desde 2006, e eu era
ministro da Fazenda desde 2006. Algumas vezes a Mônica me abordou. Ela
se queixava: “Tá faltando dinheiro”. Eu respondia: “Fala com o
tesoureiro do partido. Eu sou o ministro da Fazenda, eu cuido da
economia do país e não dessa questão”.
A razão dela [para fazer as afirmações] é
a mesma, a meu ver, do Marcelo. Ou seja, para fazer uma delação ela
precisava entregar alguém de importância.
Quais foram os impactos da prisão e das denúncias?
Eu me sinto terrível porque minha
reputação foi colocada por água abaixo. A repercussão foi péssima,
péssima. passei a ter problemas em restaurantes, no hospital. Não posso
ter uma vida normal. É uma humilhação ser chamado de ladrão. Eu poderia
ter começado a dar palestras, consultorias. Criei um nome lá fora, fiz o
Brasil ser respeitado. E acabei jogado nessa vala. A essa altura dos
acontecimentos, depois de trabalhar tantos anos para o governo, depois
de ter tantos resultados, eu não esperava. Realmente eu não esperava.
O que o senhor tem feito?
Tenho feito projetos na FGV, mas é só um trabalho interno. Não estou dando aula. Participo de seminários fechados, pequenos.
Praticamente perdi a minha reputação, com
mentiras, diga-se de passagem, seja na área econômica, seja nessa
questão. A minha vida virou um inferno.
E o senhor teme algum dia ser condenado e preso, desta vez para cumprir pena?
Sim, tenho temor. Eu sou a principal
pessoa que cuida da minha mulher, que dá sustentação psicológica para
ela. Temo o que aconteceria com ela se eu fosse preso. Se você olhar as
acusações, as provas, elas são frágeis, não se sustentam. Eu espero que a
Justiça faça justiça.
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