Entra ano sai ano e a gente continua vindo todo 8 de março falar sobre como mulheres ainda ganham menos que homens para exercer a mesmíssima função. A gente continua repetindo que mulheres são vítimas de diversos tipos de violência. Continua insistindo no fato de que fazemos jornada tripla, porque acumulamos trabalho fora, trabalho doméstico e trabalho de cuidado, e questionando o que significa pra sociedade – quanto PIB a gente gera! – nosso trabalho não remunerado. E lembrando que, embora sejamos minoria na força de trabalho, somos maioria entre os desempregados, como mostra estudo recente do Dieese que você pode ler clicando aqui.
Eu juro, não queria vir falar disso de novo, mas infelizmente as novidades no assunto não melhoram muito a situação. Isso porque a gente acaba tendo que se deparar com a informação de que o descaso ultimamente era tão grande que o orçamento inteiro de políticas de enfrentamento à violência e promoção da igualdade das mulheres previsto pelo governo passado para 2023 era de míseros R$ 13 milhões, o menor valor dos últimos anos de um orçamento que não parava de cair.
O dado está num levantamento feito pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), que mostrou, para a surpresa de zero pessoas, que o governo de Jair Bolsonaro, com a hoje senadora Damares Alves (Republicanos) à frente da pasta da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, abriu mão de utilizar recursos de políticas para as mulheres. Você pode ler aqui.
Junto com isso, em 2020, mais de R$ 80 bilhões deixaram de ser usados no enfrentamento às consequências da covid-19. O valor pode não ser diretamente direcionado para políticas de proteção da mulher, mas na prática a relação é evidente, porque metade desse recurso seria usado no auxílio emergencial. “Assim, se 4,2 milhões de mulheres negras saíram da extrema pobreza nos meses em que o auxílio foi pago, outras milhões de mulheres poderiam ter sido atendidas caso o governo tivesse executado todo o recurso autorizado”, diz a nota do Inesc.
Também em 2020, quando muitas mulheres sofriam com o aumento da violência doméstica ao se verem obrigadas a fazer isolamento junto de seus agressores, 70% dos recursos voltados para o enfrentamento da violência contra as mulheres não foram utilizados.
E eu nem vou entrar aqui nos direitos sexuais e reprodutivos, porque é só lembrar dos casos de meninas impedidas, inclusive com a ajuda da própria ministra, de acessar o aborto legal que já se vê o tamanho da tragédia em que estávamos metidas.
Pra que lembrar disso tudo se o cenário agora é outro, você pode me perguntar. De fato, mudou muita coisa. A tendência é que agora tenhamos mais orçamento, pra começo de conversa. Mas a gente ainda está tão, mas tão longe de garantir direitos para as mulheres no Brasil – ou sequer de conseguir abordar determinados temas publicamente – que a gente não pode nunca deixar de insistir no assunto nem de lembrar como foi que chegamos até aqui, inclusive pra não correr o risco de repetir os erros do passado.
E também porque, mesmo recuperando políticas, ainda temos muito pelo frente.
Quem tem casa?
Uma das políticas que estão sendo recuperadas é o Minha Casa Minha Vida, o que é ótimo já que uma lei de 2005 determina que casas de interesse social devem ser registradas, preferencialmente, em nome de mulheres, justamente para protegê-las. Mas não tem como fugir da realidade de que, se a mulher estiver sendo vítima de violência, em muitos casos não resta a ela outra alternativa que deixar a casa onde vive. E é o que acontece com muitas delas.
Hoje a nossa reportagem fala sobre o déficit habitacional brasileiro e como ele atinge principalmente as mulheres. Uma das histórias que representam esse cenário é a da cabeleireira e manicure Silvia Liger Silva Cruz. Aos 44 anos, ela mora com os dois filhos, de 23 e 15, em um barraco de 6 metros quadrados sem banheiro nem cozinha que ela construiu num terreno ocupado na Zona Leste da cidade de São Paulo.
Ela é uma das 3,4 milhões de mulheres do país que são responsáveis por domicílios considerados inadequados para habitação, o que equivale a 60% do déficit habitacional brasileiro, como você pode ler aqui.
Uma espiada no passado para olhar para o futuro
O objetivo deste texto não é deprimir ninguém.
Primeiro porque as perspectivas para o futuro são melhores, o que é um alento. O orçamento de R$ 13 milhões para 2023, por exemplo, foi ampliado para R$ 33 milhões em articulação do governo atual com o Congresso, um valor ainda meio desesperador, mas já um avanço.
E depois porque tudo isso é combustível para a luta de milhares de mulheres pelo Brasil afora que hoje tomam as ruas para dizer que já deu disso, né? Veja aqui a lista de atos pelo país.
O quanto a gente vai conseguir esticar a corda para ampliar os nossos direitos a gente vai ter que descobrir. Mas é só na luta que ela cede um pouquinho mais.
Vem com a gente
Enquanto tudo isso acontece, a gente tem uma equipe aqui no Brasil de Fato garantindo a cobertura de cada um desses atos e trazendo informação de qualidade com a visão popular do Brasil e do mundo que orienta o nosso trabalho há 20 anos.
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