''A inatural catástrofe do Japão é o preço do lucro buscado a todo custo''
"É legítimo se perguntar se a trágica vulnerabilidade das centrais nucleares do país dos tsunamis não tem verdadeiramente nenhuma relação com a insana busca de economias, também em termos de segurança e de saúde. A catástrofe de Fukushima não é só 'natural'".
A opinião é do filósofo francês Pascal Acot, do Centro Nacional de Pesquisas Científicas - CNRS da França, em artigo para o jornal La Repubblica, 31-03-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Tsunami é uma palavra japonesa que poderia ser traduzida como "onda no porto". Isso significa que catástrofes como a que atingiu o Japão fazem parte da sua cultura e que não se pode invocar a fatalidade ou fingir que um desastre dessas dimensões fosse imprevisível.
O motivo é tragicamente simples: esse país está situado na confluência de quatro "placas tectônicas", partes da crosta terrestre da espessura de cerca de 100 quilômetros. Essas placas não param de se mover, de entrar em colisão, de se sobrepor, provocando assim numerosos sismos na região: ao longo dos últimos dez anos, 16 sismos de grande intensidade (entre 5,8 e 8,1 graus) atingiram o Japão.
No dia 17 de janeiro de 1995, um terremoto de grandíssima magnitude (7,3) devastou a cidade de Kobe e as regiões de Osaka e Kyoto, provocando 6.500 mortos e destruindo 250 mil casas. No ano seguinte, no dia 15 de novembro de 1996, um dos terremotos mais violentos de todos os tempos (8,1) fez disparar o alerta de tsunami no extremo norte do arquipélago japonês. Na semana passada, a magnitude do sismo do dia 11 de março foi reavaliada como de grau 9! Isso o coloca no quarto lugar mundial, desde 1900, e o torna o mais importante da história recente do Japão.
Considerando as dimensões da tragédia e as terríveis incertezas sobre a dispersão de radioatividade, ainda não é oportuno fazer julgamentos definitivos sobre um evento tão complexo quanto doloroso.
Atualmente, não devemos temer na Europa uma contaminação grave devida às fugas radioativas de Fukushima, que se dispersam em doses infinitesimais e, portanto, não são perigosas para a saúde. Lembremo-nos das dezenas de explosões termonucleares para experiências militares realizadas nos anos 50 e que tiveram, parece, consequências em nível mundial.
No Japão, ao contrário, e talvez em algumas regiões do Sudeste Asiático, tudo irá depender da intensidade das radiações e do tempo de exposição aos fatores radioativos. Neste momento, a situação em Fukushima está fora de controle. A saúde de milhões de japoneses, portanto, está ameaçada: os potenciais efeitos das radiações poderiam fazer de Fukushima uma segunda Chernobyl.
Os engenheiros da Tepco não estão dando conta e são evidentemente incompetentes. Os sistemas de segurança são manifestamente insuficientes. A catástrofe, portanto, tornou-se, sob certos aspectos, global: em muitos países, a indústria nuclear civil é objeto de violentos ataques. Isso se refere também à Itália, que compra da França eletricidade "nuclear".
A primeira pergunta é sobre a chamada fatalidade: "Não podíamos prever os efeitos do tsunami", declararam, por sua vez, os responsáveis japoneses na TV. Isso é muito discutível: como ousam evocar desse modo os efeitos desse poderoso tsunami em um país que sofreu centenas deles na sua história? Além disso, todos no Japão sabem que, em 2003, a empresa eletronuclear de direito privado Tepco teve que fechar todos os seus reatores depois da descoberta de documentos falsificados para esconder os acidentes (cerca de 200) ocorridos, também na central de Fukushima.
Sabemos também que as usinas nucleares da Tepco, na região costeira de Niigata, foram danificados em julho de 2007 por um sismo de magnitude 6,8 (que levou a uma diminuição de 7% dos dividendos distribuídos aos acionistas e a uma perda de 75% dos lucros da sociedade). O que ocorreu em Fukushima era, portanto, previsível.
Os japoneses que perderam um ou mais parentes, ou a sua casa, ou o seu trabalho, ou todas essas três coisas ao mesmo tempo teriam o direito de pedir conta delas a todos os que esconderam ou minimizaram esses fatos. Sem falar daquelas que, na Europa, são consideradas por muitos especialistas como centrais low cost do ponto de vista da segurança.
Isso levanta uma segunda dúvida, sobre os riscos que a privatização de uma indústria sensível como a eletronuclear faz com que a população corra. Esse debate se reveste de uma natureza completamente diferente da que se refere a certos serviços públicos: a privatização do serviço público da produção e da distribuição da água potável, por exemplo, raramente tem efeitos nefastos em termos de saúde pública nos países "avançados". Ao contrário, a busca do lucro, por parte de poderosos acionistas (como os fundos d pensão) poderia ter graves consequências.
Portanto, é legítimo se perguntar se a trágica vulnerabilidade das centrais nucleares do país dos tsunamis não tem verdadeiramente nenhuma relação com a insana busca de economias, também em termos de segurança e de saúde. A Tepco recém admitiu que, entre 2001 e 2011, o controle obrigatório da segurança nas usinas não foi feito! A catástrofe de Fukushima não é só "natural". É cada vez mais claro que a segurança dos japoneses foi coloca em jogo na Bolsa de Tóquio.
FONTE: IHU
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