sexta-feira, 2 de setembro de 2011

ECONOMIA -"O custo Brasil quem paga é você"

Do Terra Magazine

Marcelo Carneiro da Cunha

De São Paulo


Estimadíssimos leitoríssimos, Verherten Lesern, ou algo assim, no meu alemão sauerkrautico, para felicidade geral da nação, informem ao povo, com exceção dos credores, que voltei.

Berlim continua linda, o verão alemão continua inexistente, a cerveja alemã continua sendo, as beldades alemãs se mostram muito tímidas; o pão da Siebert segue sendo o melhor do mundo, e passar pelo caixa de um supermercado alemão continua sendo a experiência mais veloz do planeta.

Em tudo mais a vida alemã é mais ou menos calma, surpreendentemente calma. Você não vê gente correndo, ninguém se desloca na velocidade média dos pedestres na Avenida Paulista. As pessoas trabalham até as cinco da tarde e auf wiedersehen, se mandam. O trânsito é lento porque ninguém corre, ou porque nada perturba mais um alemão do que a idéia de ultrapassar o limite legal de alguma coisa. A vida é como ela deveria ser e transcorrer, caros leitores. E, mais, ela é barata.

Nessa parte a minha compreensão do que faz o mundo girar não consegue me explicar o fenômeno que faz uma ida a um restaurante tão diferente lá em relação a aqui. Pra começo de conversa, lá você vai e volta no tempo que quiser. Uma rede eficientíssima de transportes oferece a você as alternativas de pegar um metrô, um trem de superfície, um ônibus ou bonde. No caso de você preferir a sua auto-suficiência e o combate ao aquecimento global, em troca do aquecimento corporal, pode ir e vir de bicicleta, o que eles por sinal fazem, e muito.

Aliás, caros leitores, uns dias em Berlim e você retorna ao Brasil pronto para a luta armada por um transporte coletivo e decente. Nosso transporte é um dos maiores pilares do Custo Brasil, e ele é assim porque sim, não porque precise ser assim, e isso a Alemanha prova por A plus B. Um transporte eficiente não é consequência de país rico, caros leitores. Ele é simplesmente um desejo que um país tem de ser mais eficiente e melhor para todas as pessoas. Os Estados Unidos, por exemplo, são riquíssimos, mas cultuam uma individualidade que torna o transporte coletivo uma esquisitice inexistente. O Custo Brasil para os brasileiros é o que pagamos para fazer algo tão básico como ir ou vir em termos de tempo, energia e dignidade. E esse custo existe porque sim, porque uma elite desmiolada acha que tudo bem, desde que quem pague sejam os outros, em troca de um ônibus barulhento, desconfortável, quente e escasso; ou de um metrô que, onde existe, transporta enlatados.

Outro detalhezinho, estimados co-vitimados. TUDO que eu fiz ou consumi era mais barato em uma rica cidade do primeiríssimo mundo do que aqui. Agora expliquem como isso pode ser. Eles pagam salários muito, muito maiores. Os impostos certamente não são baixos em um país criador do estado do bem-estar social como a Alemanha. Eles têm custos pesados com aquecimento, que nós não temos. Eles têm um inverno siberiano, eles importam uma grande quantidade do que consomem, e quando produzem, comida, por exemplo, quem o faz são fazendeiros bem pagos.

Como, nessas condições, o que eles compram pode custar menos do que o que nós, cidadãos de um país de renda média, pagamos? Querem exemplos? Jantar para três pessoas, restaurante de comida tradicional alemã, com cerveja, naturalmente, conta de 34 euros, ou uns 80 reais, no total. E isso se repetiu ao longo de todo o tempo, em que eu olhava para o que eu consumia, versus o que eu pagava, e me sentia um pato, caros leitores. Um pato que viajou 10 mil quilômetros para ter o privilégio de não pagar o Custo Brasil por uns dias.

Celular ou internet custam MUITO menos do que aqui. Empréstimos podem pagar juros de uns 6% ao ano. Aluguei um automóvel por 90 euros com tudo incluso, e era um BMW. Comprei uma caixa dos ótimos vinhos drocken em uma feirinha e cada garrafa custava 4,90 euros. Cerveja custa 50 centavos de euro, ou 1,20 reais a garrafa de meio-litro. E é cerveja alemã, que, diferentemente das Brahma da vida, têm gosto de cerveja. Dá pra melhorar, só pode melhorar, mas cadê a vontade? Cadê o esforço e o planejamento? Cadê a vontade política de fazer o que tem que ser feito para patos poderem ir daqui pra lá sem precisarem perder as penas no processo? Cadê a seriedade que estenderia uns poucos quilômetros de linha de trem até Guarulhos, libertando de um sofrimento inútil os milhões de passageiros que chegam até aqui e ainda precisam enfrentar a Marginal em um táxi ou ônibus?

A Alemanha nos enche de muitas sensações, caros patos, e a maior delas é a de que pagamos um preço danado para sermos brasileiros. Eu gosto de ser brasileiro. Vivo aqui por escolha e não penso em mudar a escolha. Peço apenas, exijo, na verdade, que me entreguem uma conta mais leve e uma promessa de melhores entregas em um prazo compatível com nossa expectativa de vida e dos vastos recursos que temos e desperdiçamos. Poucos dias atrás, por exemplo, na anti-Berlim também conhecida como Rio de Janeiro, um bondinho superpopulado por pessoas e incompetências se arremessou morro abaixo, ferindo e matando o equivalente a um furacão de bom tamanho.

Não precisa ser assim, não pode ser assim, e nada como uma ida até um lugar certo para percebermos o quanto, em termos de dinheiro e em vidas, esses erros nos custam.


Marcelo Carneiro da Cunha é escritor e jornalista. Escreveu o argumento do curta-metragem "O Branco", premiado em Berlim e outros importantes festivais. Entre outros, publicou o livro de contos "Simples" e o romance "O Nosso Juiz", pela editora Record. Acaba de escrever o romance "Depois do Sexo", que foi publicado em junho pela Record. Dois longas-metragens estão sendo produzidos a partir de seus romances "Insônia" e "Antes que o Mundo Acabe", publicados pela editora Projeto.

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