Por Sanzio
 
A coluna da ombudsman da Folha, de hoje, começou alvissareira, a partir do próprio título: "Tema proibido". Já no quarto parágrafo a ombudsman promete gandes emoções, ao sugerir que irá contar o que ninguém ainda sabe mas todos querem saber: como eram as relações entre o jornal (ou algum de seus jornalistas) e o bicheiro Carlinhos Cachoeira: "Já menções à imprensa, na grande imprensa, têm sido quase ignoradas. A Folha, que tem ombudsman para publicar o que a Redação menospreza, aparece em dois grampos, nada comprometedores".

Infelizmente, dura pouco a esperança. Já no final do próprio parágrafo adivinha-se o quem pela frente: a Folha foi apanhada nas conversas do bicheiro gravadas pela PF, mas não é nada comprometedor, ao contrário, as falas do bicheiro sugerem que ele não consegue influir na pauta do jornal, pois lamenta-se de não ter ninguém lá dentro.

Bem, pensei comigo, a ombudsman livrou a cara de seu jornal, mas vai sobrar para a Veja. Que nada, o tom continua o mesmo: não há nada que possa comprometer a revista do esgoto e, comparar com o caso Murdoch é forçar a barra.

Então tá. Mesmo me esforçando para entender a posição da Suzana Singer, funcionária do jornal, que tem que lidar com um tema delicado, não consigo aceitar que ela tente me fazer de idiota. Mesmo pisando em ovos e falando nas entrelinhas, poderia ter mandado seu recado. O leitor não é imbecil, e percebe a diferença entre as limitações impostas pelo cargo e a subserviência pura e simples ao patrão. Outros ombudsman perderam o emprego, mas não perderam o respeito dos leitores, que é o que deveria interessar ao jornalista no fim do dia.

Da Folha

Tema proibido

da Ombudsman Suzana Singer

A imprensa deve revelar sua relação com o bicheiro para que o leitor decida o que é eticamente aceitável
A imprensa tem-se mostrado ágil e eloquente na publicação de qualquer evidência de envolvimento com o superbicheiro de Goiás, Carlos Cachoeira. Já se levantaram suspeitas sobre governadores, senadores, deputados, policiais, empresários, mas reina um silêncio reverente no que tange à própria mídia.
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O sujeito nem precisa ter sido pego em conversa direta com Cachoeira, uma citação ao seu nome é suficiente para virar notícia -na semana passada, por exemplo, a Folha destacou uma tentativa de lobby no Ministério da Educação.
Já menções à imprensa, na grande imprensa, têm sido quase ignoradas. A Folha, que tem ombudsman para publicar o que a Redação menospreza, aparece em dois grampos, nada comprometedores.
Num diálogo, Cachoeira comenta nota do Painel, de 7 de julho de 2011, em que o deputado federal Sandro Mabel, de Goiás, nega ser a fonte das denúncias que derrubaram o ministro dos Transportes. O bicheiro se diverte e diz que foi o senador Demóstenes Torres (ex-DEM) quem espalhou isso em Brasília.
Em outra conversa, o contraventor e Claudio Abreu, na época diretor da Delta, tentam evitar a publicação de uma reportagem. Primeiro, Abreu diz que "nós tamos bem lá", mas depois lamenta não ter contato no jornal. "Queria alguma relação com a Folha."
A Secretaria de Redação não identificou o assunto que incomodou a empreiteira, mas diz que, após o tal telefonema, "a Folha publicou duas reportagens críticas à Delta: uma falando de sobrepreço em reforma no Maracanã e outra sobre paralisação de obra em Cumbica".
A "Veja", que aparece várias vezes nos grampos, publicou apenas um diálogo em que é citada e colocou, no on-line, uma defesa de seus princípios ("Ética jornalística: uma reflexão permanente"). O artigo, do diretor de Redação, afirma que "ter um corrupto como informante não nos corrompe" e lembra ao leitor que "maus cidadãos podem, em muitos casos, ser portadores de boas informações". Cabe ao jornalista avaliar "se o interesse público maior supera mesmo o subproduto indesejável de satisfazer o interesse menor e subalterno da fonte".
Trocando em miúdos: mesmo sendo uma pessoa inidônea, Cachoeira pode ter fornecido à revista dados valiosos, que levaram a importantes denúncias de corrupção.
Do que veio a público até o momento, não há nada de ilegal no relacionamento "Veja"-Cachoeira. O paralelo com o caso Murdoch, que a blogosfera de esquerda tenta emplacar, soa forçado, porque, no caso inglês, há provas de crimes, como escutas ilegais e a corrupção de policiais e autoridades.
Não ser ilegal é diferente, porém, de ser "eticamente aceitável". Foram oferecidas vantagens à fonte? O jornalista sabia como as informações eram obtidas? Tinha conhecimento da relação próxima de Cachoeira com o senador Demóstenes? Há muitas perguntas que só podem ser respondidas se todas as cartas estiverem na mesa.
É preciso divulgar os diálogos relevantes que citem a imprensa. A Secretaria de Redação diz que tem "publicado reportagens a respeito, quando julga que há notícia". "Na sexta, entrevista com o relator da CPI tratava do tema e estava na Primeira Página. Já em abril havia reportagem de Brasília e colunistas escreveram a respeito", afirma.
É pouco. Grampos mostram que a mídia fazia parte do xadrez de Cachoeira. Que essa parte do escândalo seja tratada sem indulgência, com a mesma dureza com que os políticos têm sido cobrados. Permitir-se ser questionado, jogar luz sobre a delicada relação fonte-jornalista, faz parte do jogo democrático.

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