CONSUMISMO OU INVESTIMENTO
Por Paulo Kliass
“A diferença de comportamento do Brasil e da China quanto à conduta perante a crise financeira internacional ilustra bem as distintas estratégias a respeito de modelos de crescimento e desenvolvimento econômicos. Desnecessário ressaltar que nem todas as estratégias são possíveis, em especial na comparação entre países tão distintos. De qualquer forma, o Brasil parece ter engatinhado ao longo das últimas décadas, enquanto a China alcançou níveis até então inimagináveis de crescimento de seu PIB.
Se tomarmos o início dos anos 1980 como base de comparação, a economia chinesa cresceu a uma taxa média anual de 10%. Assim, caso seu PIB fosse igual a hipotéticos $100 em 1980, hoje seria equivalente a $2.100. Ou seja, o valor do produto foi multiplicado por 21 ao longo dos 32 anos. Já a economia brasileira conheceu um crescimento médio anual em torno de 3%. Portanto, caso seu PIB fosse também igual aos mesmos hipotéticos $100 lá em 1980, hoje seria equivalente a $257 - um crescimento de apenas 2,5 vezes ao longo do mesmo período. Essa simulação nos informa que a economia chinesa cresceu mais de 8 vezes do que a economia brasileira.
Esse diferencial de taxa de crescimento está na base da explicação das distintas posições relativas ocupadas pelos dois países na lista de países por ordem de magnitude PIB. Em 1982, por exemplo, o Brasil era a oitava economia e a China aparecia como a décima-primeira do mundo. Hoje, a China é a segunda economia (atrás apenas dos Estados Unidos), enquanto o Brasil ocupa a sexta posição.
CRESCIMENTO DO PIB E SEUS COMPONENTES
No entanto, para além da simples taxa de crescimento do PIB de um país, é importante que se verifiquem outros atributos. E não vamos aqui nem introduzir a crítica a respeito da metodologia de cálculo do Produto Interno e nem as necessárias ponderações para os elementos de desenvolvimento humano, desigualdade entre setores da sociedade, concentração de renda e sustentabilidade sócio-ambiental do modelo. Trata-se, tão somente, de analisar quais são os chamados “componentes” do PIB que estão sendo os mais dinâmicos e responsáveis pelo crescimento atingido.
Uma primeira maneira de efetuar tal análise é verificar se o estímulo à atividade econômica está se realizando mais pelo lado do consumo de bens e serviços ou pelo aumento dos níveis de investimento do país. Outro recorte possível é comparar o crescimento geral da economia entre os diferentes segmentos da atividade, segundo mercadorias importadas ou produzidas internamente. Também é interessante verificar o que ocorre de acordo com a tradicional divisão de setores: i) primário (agricultura e recursos minerais); ii) secundário (indústria); e iii) terciário (comércio e serviços).
No caso específico deste artigo, a intenção é verificar as diferenças entre a opção de puxar o crescimento pelo lado do estímulo ao consumo, em sua comparação com o incentivo às atividades vinculadas ao aumento do investimento. E aqui, também sob essa perspectiva, nota-se grande diferença entre os modelos adotados pelo Brasil e pela China. Ao longo dos últimos anos, a China tem apresentado elevada participação do investimento no total do PIB. Assim, a chamada “taxa de investimento” do gigante asiático tem apresentado a impressionante média de 48%. O caso brasileiro é bastante distinto: nossa participação do total de investimento no Produto revela média histórica recente de apenas 18%.
OS LIMITES DO MODELO LASTREADO NO CONSUMISMO
Ora, essa discrepância entre as duas medidas é a expressão de duas estratégias diferentes para orientar o crescimento e o desenvolvimento econômicos. A sustentação de algum modelo de crescimento no tempo exige algumas pré-condições básicas. E vejam que nem se trata de algo mais sofisticado, do tipo incluir um desenvolvimento social e ambientalmente sustentável. Não, imagine apenas um padrão de crescimento que se mantenha por um determinado período, em um arranjo econômico minimamente equilibrado. Desse ponto de vista, a opção por um modelo baseado essencialmente no consumo não se apresenta como estratégia viável ou coerente a longo prazo. Isso porque essa alternativa (a prioridade ao consumo) implica a dependência de manter e elevar a participação dos produtos importados no total dos bens consumidos. Essa tendência se deve ao fato de que o conjunto de bens de capital e infraestrutura existente em um país sofre permanente processo de depreciação e necessita contínua substituição, acompanhada de aumento da capacidade instalada em novos patamares tecnológicos.
Caso não se mantenha ritmo adequado (que varia segundo a formação social e o momento histórico considerados) dos investimentos, o desequilíbrio em favor de um viés consumista termina por comprometer o modelo logo ali na frente. De que adianta estimular o consumo frenético de automóveis se a indústria automobilística não investe em parques mais modernos, com tecnologia de ponta? Ou se o país não oferece infraestrutura urbana ou de rodovias compatível? Ou se o conjunto do sistema educacional e de ciência & tecnologia não pesquisa alternativas de modelos de transporte que representem a substituição dessa opção que já se apresenta como inviável nos dias de hoje?
Saindo de um foco setorial e pensando no conjunto da economia, a incapacidade de oferecer investimentos em infraestrutura implica o risco de o país bater nos chamados “gargalos” de transportes, comunicações, energia. Isso sem mencionar os problemas derivados das deficiências nas áreas sociais, como saúde, educação, previdência social e ciência e tecnologia. O estímulo focado no exagero do consumismo concentra os recursos financeiros, monetários e creditícios apenas na ponta do modelo: a compra final de bens e serviços. Com isso, as necessidades de elevar a capacidade de investimento para trás (na escala produtiva) e para frente (no tempo) ficam comprometidas. Dessa forma, em algum momento, o conjunto dos atores econômicos sentirá a carência de infraestrutura, com problemas de risco de “apagão”, aumento de custos por atraso tecnológico e perda de competitividade por eficiência nas redes de suporte à atividade produtiva.
DIFICULDADES EM SAIR DO CONSUMISMO E AVANÇAR NO INVESTIMENTO
Ora, mas então, se é reconhecida essa necessidade de harmonizar o investimento com o consumo, por que os países não conseguem lograr uma situação de equilíbrio e segurança nesse quesito?
Justamente pelo fato de que a economia não é uma ciência exata e que seus elementos fundadores são determinados na luta política e na disputa de interesses dos agentes econômicos. Os analistas liberais mais fundamentalistas ainda acreditam que tudo isso deve ser deixado à “livre acomodação das forças de oferta e demanda” – a velha crença nos superpoderes do mercado. Já os liberais mais pragmáticos, em especial nos momentos de crise, acreditam ser mais inteligente chamar o Estado a dar sua contribuição como agente regulador e regulamentador nesse quesito, de maneira a assegurar que a infraestrutura necessária seja efetivamente viabilizada. Mas de toda a maneira, o fato é que os recursos de investimento precisam aparecer, eles devem estar disponíveis para se concretizar na ampliação da capacidade produtiva e econômica do país.
No caso brasileiro, vira e mexe surge a polêmica a respeito da nossa suposta baixa capacidade de poupança. E essa constatação vem associada à idéia de que haveria uma precedência cronológica da poupança em relação ao investimento. O ponto é que, para uma parcela importante dos economistas, não faz sentido raciocinar para o fenômeno macroeconômico da maneira como pensamos para o comportamento dos indivíduos ou das famílias. O senso comum e os comentaristas das colunas “suas finanças” dos grandes meios de comunicação insistem na tecla de que é necessário poupar antes para que esse recurso se transforme em investimento. Mas, para a escala de um país, as variáveis operam segundo outra lógica e obedecem a outra dinâmica. O importante é tomar a decisão de investir, pois a partir desse momento a complexidade de relações entre a economia e a sociedade termina por criar as condições para drenar recursos para o investimento agregado.
A dificuldade tupiniquim nesse quesito sempre esteve mais associada ao estímulo ao financismo e à carência crônica de necessidades básicas por parte da maioria da população. Dessa forma, os recursos disponíveis para aumentar o nível de investimento eram drenados para a atividade parasita do circuito financeiro, em busca da remuneração elevada no curto prazo. E esse modelo era assegurado pelo próprio governo, por meio da política monetária de juros oficiais estratosféricos. Na outra ponta, a profunda desigualdade de renda e o nível de sobrevivência a que historicamente esteve submetida a grande maioria de nosso povo não contribuíam para mentalidade poupadora no plano individual ou familiar. Finalmente, as décadas de convivência com elevadas taxas de inflação e as experiências negativas com os planos de estabilização econômica anteriores ao Plano Real colaboraram também para a baixa credibilidade dos mecanismos de poupança de longo prazo.
A IMPORTÂNCIA DE SE ELEVAR A TAXA DE INVESTIMENTO
A intenção não é que se adote o modelo chinês como referência. Inclusive, porque ele apresenta um conjunto de problemas, a exemplo da manutenção de uma taxa de investimento em relação ao PIB muito elevada, talvez até mesmo em excesso. Sim, pois por mais contraditório que possa parecer, essa condição não é a melhor para um país no longo prazo. Para a China, num primeiro momento, foi importante manter taxas de investimento do PIB em torno de 50%. Foi o instrumento encontrado para conseguir recuperar o “atraso” em relação às grandes potências e dar o grande salto à frente – transitar do modelo baseado na agricultura e avançar rumo à industrialização. Porém, a continuidade desse tipo de repartição entre investimento e consumo pode criar um fenômeno associado à baixa utilização da capacidade instalada. Naquele país, como investimento em infraestrutura ainda é capitaneado pelo Estado, esse problema não adquire as repercussões de um modelo em que os parques de transportes, comunicações e energia sejam operados ou de propriedade do setor privado. No caso, uma eventual baixa na taxa de retorno esperado, pode significar redução na oferta de infraestrutura. E isso sinaliza uma porta de entrada para uma conjuntura de recessão.
Assim, toda a ciência e a arte estão em encontrar pontos mais adequados para a taxa de investimento em relação ao PIB. No nosso caso, com certeza algo bem acima da média histórica dos 18%, sem precisar chegar no exagero chinês dos 50%. Mas, de qualquer maneira, a contribuição do Estado é fundamental para se alcançar essa elevação tão necessária, por meio das políticas públicas e do estímulo às atividades umbilicalmente ligadas ao investimento. Esperar tão somente pelo “espírito animal” do empresariado não tem se revelado como estratégia eficiente para alcançar essa meta.”
FONTE: escrito por Paulo Kliass, especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10. Artigo publicado no site “Carta Maior”
“A diferença de comportamento do Brasil e da China quanto à conduta perante a crise financeira internacional ilustra bem as distintas estratégias a respeito de modelos de crescimento e desenvolvimento econômicos. Desnecessário ressaltar que nem todas as estratégias são possíveis, em especial na comparação entre países tão distintos. De qualquer forma, o Brasil parece ter engatinhado ao longo das últimas décadas, enquanto a China alcançou níveis até então inimagináveis de crescimento de seu PIB.
Se tomarmos o início dos anos 1980 como base de comparação, a economia chinesa cresceu a uma taxa média anual de 10%. Assim, caso seu PIB fosse igual a hipotéticos $100 em 1980, hoje seria equivalente a $2.100. Ou seja, o valor do produto foi multiplicado por 21 ao longo dos 32 anos. Já a economia brasileira conheceu um crescimento médio anual em torno de 3%. Portanto, caso seu PIB fosse também igual aos mesmos hipotéticos $100 lá em 1980, hoje seria equivalente a $257 - um crescimento de apenas 2,5 vezes ao longo do mesmo período. Essa simulação nos informa que a economia chinesa cresceu mais de 8 vezes do que a economia brasileira.
Esse diferencial de taxa de crescimento está na base da explicação das distintas posições relativas ocupadas pelos dois países na lista de países por ordem de magnitude PIB. Em 1982, por exemplo, o Brasil era a oitava economia e a China aparecia como a décima-primeira do mundo. Hoje, a China é a segunda economia (atrás apenas dos Estados Unidos), enquanto o Brasil ocupa a sexta posição.
CRESCIMENTO DO PIB E SEUS COMPONENTES
No entanto, para além da simples taxa de crescimento do PIB de um país, é importante que se verifiquem outros atributos. E não vamos aqui nem introduzir a crítica a respeito da metodologia de cálculo do Produto Interno e nem as necessárias ponderações para os elementos de desenvolvimento humano, desigualdade entre setores da sociedade, concentração de renda e sustentabilidade sócio-ambiental do modelo. Trata-se, tão somente, de analisar quais são os chamados “componentes” do PIB que estão sendo os mais dinâmicos e responsáveis pelo crescimento atingido.
Uma primeira maneira de efetuar tal análise é verificar se o estímulo à atividade econômica está se realizando mais pelo lado do consumo de bens e serviços ou pelo aumento dos níveis de investimento do país. Outro recorte possível é comparar o crescimento geral da economia entre os diferentes segmentos da atividade, segundo mercadorias importadas ou produzidas internamente. Também é interessante verificar o que ocorre de acordo com a tradicional divisão de setores: i) primário (agricultura e recursos minerais); ii) secundário (indústria); e iii) terciário (comércio e serviços).
No caso específico deste artigo, a intenção é verificar as diferenças entre a opção de puxar o crescimento pelo lado do estímulo ao consumo, em sua comparação com o incentivo às atividades vinculadas ao aumento do investimento. E aqui, também sob essa perspectiva, nota-se grande diferença entre os modelos adotados pelo Brasil e pela China. Ao longo dos últimos anos, a China tem apresentado elevada participação do investimento no total do PIB. Assim, a chamada “taxa de investimento” do gigante asiático tem apresentado a impressionante média de 48%. O caso brasileiro é bastante distinto: nossa participação do total de investimento no Produto revela média histórica recente de apenas 18%.
OS LIMITES DO MODELO LASTREADO NO CONSUMISMO
Ora, essa discrepância entre as duas medidas é a expressão de duas estratégias diferentes para orientar o crescimento e o desenvolvimento econômicos. A sustentação de algum modelo de crescimento no tempo exige algumas pré-condições básicas. E vejam que nem se trata de algo mais sofisticado, do tipo incluir um desenvolvimento social e ambientalmente sustentável. Não, imagine apenas um padrão de crescimento que se mantenha por um determinado período, em um arranjo econômico minimamente equilibrado. Desse ponto de vista, a opção por um modelo baseado essencialmente no consumo não se apresenta como estratégia viável ou coerente a longo prazo. Isso porque essa alternativa (a prioridade ao consumo) implica a dependência de manter e elevar a participação dos produtos importados no total dos bens consumidos. Essa tendência se deve ao fato de que o conjunto de bens de capital e infraestrutura existente em um país sofre permanente processo de depreciação e necessita contínua substituição, acompanhada de aumento da capacidade instalada em novos patamares tecnológicos.
Caso não se mantenha ritmo adequado (que varia segundo a formação social e o momento histórico considerados) dos investimentos, o desequilíbrio em favor de um viés consumista termina por comprometer o modelo logo ali na frente. De que adianta estimular o consumo frenético de automóveis se a indústria automobilística não investe em parques mais modernos, com tecnologia de ponta? Ou se o país não oferece infraestrutura urbana ou de rodovias compatível? Ou se o conjunto do sistema educacional e de ciência & tecnologia não pesquisa alternativas de modelos de transporte que representem a substituição dessa opção que já se apresenta como inviável nos dias de hoje?
Saindo de um foco setorial e pensando no conjunto da economia, a incapacidade de oferecer investimentos em infraestrutura implica o risco de o país bater nos chamados “gargalos” de transportes, comunicações, energia. Isso sem mencionar os problemas derivados das deficiências nas áreas sociais, como saúde, educação, previdência social e ciência e tecnologia. O estímulo focado no exagero do consumismo concentra os recursos financeiros, monetários e creditícios apenas na ponta do modelo: a compra final de bens e serviços. Com isso, as necessidades de elevar a capacidade de investimento para trás (na escala produtiva) e para frente (no tempo) ficam comprometidas. Dessa forma, em algum momento, o conjunto dos atores econômicos sentirá a carência de infraestrutura, com problemas de risco de “apagão”, aumento de custos por atraso tecnológico e perda de competitividade por eficiência nas redes de suporte à atividade produtiva.
DIFICULDADES EM SAIR DO CONSUMISMO E AVANÇAR NO INVESTIMENTO
Ora, mas então, se é reconhecida essa necessidade de harmonizar o investimento com o consumo, por que os países não conseguem lograr uma situação de equilíbrio e segurança nesse quesito?
Justamente pelo fato de que a economia não é uma ciência exata e que seus elementos fundadores são determinados na luta política e na disputa de interesses dos agentes econômicos. Os analistas liberais mais fundamentalistas ainda acreditam que tudo isso deve ser deixado à “livre acomodação das forças de oferta e demanda” – a velha crença nos superpoderes do mercado. Já os liberais mais pragmáticos, em especial nos momentos de crise, acreditam ser mais inteligente chamar o Estado a dar sua contribuição como agente regulador e regulamentador nesse quesito, de maneira a assegurar que a infraestrutura necessária seja efetivamente viabilizada. Mas de toda a maneira, o fato é que os recursos de investimento precisam aparecer, eles devem estar disponíveis para se concretizar na ampliação da capacidade produtiva e econômica do país.
No caso brasileiro, vira e mexe surge a polêmica a respeito da nossa suposta baixa capacidade de poupança. E essa constatação vem associada à idéia de que haveria uma precedência cronológica da poupança em relação ao investimento. O ponto é que, para uma parcela importante dos economistas, não faz sentido raciocinar para o fenômeno macroeconômico da maneira como pensamos para o comportamento dos indivíduos ou das famílias. O senso comum e os comentaristas das colunas “suas finanças” dos grandes meios de comunicação insistem na tecla de que é necessário poupar antes para que esse recurso se transforme em investimento. Mas, para a escala de um país, as variáveis operam segundo outra lógica e obedecem a outra dinâmica. O importante é tomar a decisão de investir, pois a partir desse momento a complexidade de relações entre a economia e a sociedade termina por criar as condições para drenar recursos para o investimento agregado.
A dificuldade tupiniquim nesse quesito sempre esteve mais associada ao estímulo ao financismo e à carência crônica de necessidades básicas por parte da maioria da população. Dessa forma, os recursos disponíveis para aumentar o nível de investimento eram drenados para a atividade parasita do circuito financeiro, em busca da remuneração elevada no curto prazo. E esse modelo era assegurado pelo próprio governo, por meio da política monetária de juros oficiais estratosféricos. Na outra ponta, a profunda desigualdade de renda e o nível de sobrevivência a que historicamente esteve submetida a grande maioria de nosso povo não contribuíam para mentalidade poupadora no plano individual ou familiar. Finalmente, as décadas de convivência com elevadas taxas de inflação e as experiências negativas com os planos de estabilização econômica anteriores ao Plano Real colaboraram também para a baixa credibilidade dos mecanismos de poupança de longo prazo.
A IMPORTÂNCIA DE SE ELEVAR A TAXA DE INVESTIMENTO
A intenção não é que se adote o modelo chinês como referência. Inclusive, porque ele apresenta um conjunto de problemas, a exemplo da manutenção de uma taxa de investimento em relação ao PIB muito elevada, talvez até mesmo em excesso. Sim, pois por mais contraditório que possa parecer, essa condição não é a melhor para um país no longo prazo. Para a China, num primeiro momento, foi importante manter taxas de investimento do PIB em torno de 50%. Foi o instrumento encontrado para conseguir recuperar o “atraso” em relação às grandes potências e dar o grande salto à frente – transitar do modelo baseado na agricultura e avançar rumo à industrialização. Porém, a continuidade desse tipo de repartição entre investimento e consumo pode criar um fenômeno associado à baixa utilização da capacidade instalada. Naquele país, como investimento em infraestrutura ainda é capitaneado pelo Estado, esse problema não adquire as repercussões de um modelo em que os parques de transportes, comunicações e energia sejam operados ou de propriedade do setor privado. No caso, uma eventual baixa na taxa de retorno esperado, pode significar redução na oferta de infraestrutura. E isso sinaliza uma porta de entrada para uma conjuntura de recessão.
Assim, toda a ciência e a arte estão em encontrar pontos mais adequados para a taxa de investimento em relação ao PIB. No nosso caso, com certeza algo bem acima da média histórica dos 18%, sem precisar chegar no exagero chinês dos 50%. Mas, de qualquer maneira, a contribuição do Estado é fundamental para se alcançar essa elevação tão necessária, por meio das políticas públicas e do estímulo às atividades umbilicalmente ligadas ao investimento. Esperar tão somente pelo “espírito animal” do empresariado não tem se revelado como estratégia eficiente para alcançar essa meta.”
FONTE: escrito por Paulo Kliass, especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10. Artigo publicado no site “Carta Maior”
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