A declaração da secretaria de Estado dos EUA, Hillary Clinton, de que
“o Brasil é uma voz muito importante para tentar resolver a crise" na Síria, na
quarta-feira (24) a jornalistas em Nova York, depois de uma reunião com o
chanceler brasileiro Antonio Patriota, foi quase um pedido para a diplomacia
ajudar a deslindar a sangrenta crise provocada naquele país depois das ações
armadas de “rebeldes” apoiados precisamente pelo governo dos EUA. E um claro
desmentido da torcida negativa que, na mídia conservadora brasileira, tem
tentado desqualificar qualquer tentativa brasileira de apoiar, pelo mundo, os
esforços pela paz.
O comentário de Hillary Clinton
vem num momento favorável à paz, apesar da política intervencionista das grandes
potências imperialistas. Tanto o governo do presidente Bashar Al-Assad quanto
líderes da oposição armada concordaram em um cessar fogo entre a manhã da
sexta-feira (26) e a segunda-feira (29), em virtude de um feriado religioso.
Será a primeira suspensão dos combates desde março de 2011, quando a “primavera
árabe”, na Síria, degenerou em conflitos armados que, com o apoio ativo dos EUA,
da União Europeia e seus aliados no mundo árabe, têm o potencial de mergulhar o
país no caos e transformar a Síria num caso semelhante àquele que sobreveio, na
Líbia, quando este país sofreu a intervenção militar das potências
imperialistas, através da Otan.
A questão subjacente à declaração da
senhora Clinton é simples: afinal, o que querem os EUA? O desdobramento trágico
da intervenção na Líbia indica que caminho semelhante pode ser trilhado na Síria
no rastro de uma intervenção armada patrocinada pelo imperialismo. A alardeada
“democracia” levada pela força das armas tem se traduzido, como ocorreu na Líbia
e em outros países vítimas de agressão semelhante, no fortalecimento de grupos
fundamentalistas religiosos extremamente conservadores e antidemocráticos,
tendência semelhante à que se assiste entre os chamados grupos “rebeldes” que
agem na Síria com o patrocínio do governo de Washington, como a dirigente da
diplomacia dos EUA confessou, novamente, na entrevista desta
quarta-feira.
Falar em “democracia”, neste contexto, não é irônico: é
hipócrita. Na entrevista, Hillary Clinton deu um sinal das pretensões
norte-americanas em relação à diplomacia brasileira. Ela foi clara, dando boas
vindas a "qualquer participação brasileira no esforço para alcançar um
cessar-fogo, para implementá-lo, para ajudar na transição política" na
Síria.
A palavra chave aqui é “transição política”, um eufemismo para
esconder o objetivo imperialista de intervir nos assuntos internos e soberanos
da Síria e impor a troca do governo atual, de Assad, por outro formado por
outras forças e “negociado”.
Esta não é a política brasileira para a
crise síria. O Brasil tem autoridade para participar na busca de uma solução
para esta crise, primeiro por acolher, em seu território, uma das maiores
populações sírias no exterior, criando laços de amizade e parentesco entre os
dois povos. Esta é uma autoridade sentimental que reforça outra, decisiva, a
autoridade política. Sobretudo desde o inicio do governo Lula, em 2003, o país
tem feito sucessivas gestões para fortalecer a amizade com os povos no Oriente
Médio e ser um interlocutor influente nas negociações de paz na região.
É a tradição histórica de nossa diplomacia, reafirmada pela presidenta
Dilma Rousseff em seu discurso na abertura da Assembleia Geral da ONU, há
exatamente um mês, quando a mandatária brasileira proclamou ao mundo a sua
convicção de não existir "solução militar para a crise na Síria. A diplomacia
não só é a melhor como, creio, a única solução", disse. O Brasil vem reafirmando
esta tese em declarações da Chancelaria e dos votos proferidos na ONU, onde se
opõe ativamente a soluções militares e contrárias à soberania do Estado sírio e
do seu povo.
O caminho que o Brasil propõe é o da paz e da soberania
nacional, como Patriota deixou claro na entrevista concedida juntamente com
Hillary Clinton. Sem referir-se à “transição política” citada pela
norte-americana, disse esperar que as “posições do Conselho de Segurança
representem um ressurgimento de um consenso internacional que contribua para uma
solução dentro do mais breve prazo com respeito à Carta da ONU e dentro da
prioridade ao diálogo e à diplomacia", rejeitando a possibilidade de uma
intervenção na Síria. O importante, acentuou o chanceler brasileiro, é retomar o
processo de paz “para encontrar uma solução negociada para a Síria", mobilizando
também os países do Ibas (Índia, Brasil e África do Sul) nesse esforço.
Há diferenças entre a posição do Brasil e dos EUA, em relação à crise
síria. E Isto sugere a pergunta: o que querem os EUA? O que pretende a senhora
Clinton?
Fonte: O Vermelho.
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