Enviado por luisnassif
Por Marco Antonio L.
Um dos aspectos que já se põe como polêmicos e que já era antevisto no juízo do “mensalão” é o do empate no julgamento, face à aposentadoria compulsória do ministro Cezar Peluso.
A divisão de opiniões se funda, de um lado, no fato de que o regimento do Supremo prevê, em caso de empate, o voto qualificado (de desempate) do presidente da Corte, salvo no caso de habeas-corpus em que há o entendimento de que o princípio constitucional do favorecimento do réu pela duvida em matéria penal.
Pelo que divulga a mídia, alegam alguns que o que se aplica ao habeas-corpus é exceção que não se aplicaria a uma ação penal comum.
A nosso ver tal debate não faz o menor sentido. O regimento do STF não pode ser tido como fonte normativa superior à Constituição. O regimento deve ser interpretado à luz da Constituição e não a Constituição à luz do regimento! Não pode haver questões “interna corporis” não sujeitas aos valores da Constituição.
O que caracteriza um Estado constitucional de Direito é exatamente que todo o “iter”, o percurso de formação da vontade estatal, deve ser conformado pelos valores e princípios da Constituição. Se a dúvida ocorreu no plenário da Corte, uma regra menor não pode fazer de conta que ela não houve para condenar alguém. Não pode, portanto, haver a ficção para condenar no direito.
Leia também:
Barbosa e Lewandowski voltam a divergir
Tais lições são primárias em direito e, obviamente, os ministros melhor que ninguém as conhecem.
Se a Corte empata significa que, como órgão colegiado, tem dúvida quanto à culpabilidade do réu. Atribuir voto de minerva a seu presidente para condenar o réu em matéria penal é uma absurda ofensa ao principio do favorecimento do réu pela duvida, um juízo que ofenderia os mais comezinhos valores não apenas do Estado democrático de Direito e suas garantias fundamentais, mas também da vida civilizada.
Como articulista, me causa muita estranheza ler artigos na grande mídia comercial nos quais colegas colocam a questão como se fosse algo em aberto, algo que coubesse um espaço razoável de dúvida face ao sistema de garantias de nossa Constituição e seu sistema de valores.
Ora, se por um lado textos normativos têm espaços de subjetividade interpretativa, que receberam diversos nomes nas diversas correntes do pensamento jurídico, de outra é inegável que há um campo de sentido objetivo em seus dizeres, aliás em qualquer dizer humano. Os sentidos das coisas não são criados subjetivamente do nada. São produtos de pactos intersubjetivos, se assim não fosse não haveria comunicação entre os homens.
Não vou aqui entrar em debates acadêmicos, mas sou daqueles que acreditam que o caso concreto, como fonte de elucidação do sentido da norma (que nunca tem inteireza de sentido em abstrato), não permite mais que uma solução adequada à luz do plano de valores posto na Constituição, como formulado por Dworkin.
Mas mesmo os que postulam pela maior amplitude possível de discrição subjetiva do intérprete da norma no caso concreto hão de concordar que, neste caso, nossa Constituição não deixa ao intérprete qualquer margem de manobra de sentido.
Mesmo o mais aferrado dos Kelsenianos concordará que nossa Constituição determina o principio da dúvida em favor do réu e que ele implica em decisão de inocência em empates de Cortes colegiadas, mesmo a Suprema, independentemente de qualquer norma regimental que possa ser tida em contrário.
Um seguidor estrito de Kelsen, com base no famoso capítulo VIII de sua Teoria Pura do Direito, alegará, contudo, que mesmo que a decisão do STF seja contrária à Constituição neste caso, considerando os réus culpados, será valida, pois ao juiz é dada a competência para, inclusive, decidir contra a lei, tratando-se a decisão judicial de ato de “politica jurídica”.
Este poder decisionista e arbitrário que Kelsen concede aos juízes em sua formulação teórica é o ponto que mais divirjo de seu pensamento, mas não vou aqui realizar este debate. Um texto jornalístico não é o lugar mais adequado para tanto.
Mas digo: mesmo este Kelseniano acrítico e estrito terá de reconhecer que a decisão do Supremo que conceda ao presidente da Corte voto de qualidade em caso de empate do plenário em ação penal para fins de condenar o réu contraria o disposto em nossa Constituição de forma intensa e frontal. Se o sistema jurídico absorveria como válida esta decisão inconstitucional da Corte é outro debate.
No plano político, creio ser inviável aceitar tamanha ofensa à Constituição em uma decisão de nossa Corte Suprema. Como cidadão, espero, sinceramente, que nosso Supremo Tribunal Federal não incorra neste gravíssimo equívoco.
O empate no caso do ‘mensalão’
Por Pedro Estevam Serrano, na Carta CapitalUm dos aspectos que já se põe como polêmicos e que já era antevisto no juízo do “mensalão” é o do empate no julgamento, face à aposentadoria compulsória do ministro Cezar Peluso.
A divisão de opiniões se funda, de um lado, no fato de que o regimento do Supremo prevê, em caso de empate, o voto qualificado (de desempate) do presidente da Corte, salvo no caso de habeas-corpus em que há o entendimento de que o princípio constitucional do favorecimento do réu pela duvida em matéria penal.
Pelo que divulga a mídia, alegam alguns que o que se aplica ao habeas-corpus é exceção que não se aplicaria a uma ação penal comum.
A nosso ver tal debate não faz o menor sentido. O regimento do STF não pode ser tido como fonte normativa superior à Constituição. O regimento deve ser interpretado à luz da Constituição e não a Constituição à luz do regimento! Não pode haver questões “interna corporis” não sujeitas aos valores da Constituição.
O que caracteriza um Estado constitucional de Direito é exatamente que todo o “iter”, o percurso de formação da vontade estatal, deve ser conformado pelos valores e princípios da Constituição. Se a dúvida ocorreu no plenário da Corte, uma regra menor não pode fazer de conta que ela não houve para condenar alguém. Não pode, portanto, haver a ficção para condenar no direito.
Leia também:
Barbosa e Lewandowski voltam a divergir
Tais lições são primárias em direito e, obviamente, os ministros melhor que ninguém as conhecem.
Se a Corte empata significa que, como órgão colegiado, tem dúvida quanto à culpabilidade do réu. Atribuir voto de minerva a seu presidente para condenar o réu em matéria penal é uma absurda ofensa ao principio do favorecimento do réu pela duvida, um juízo que ofenderia os mais comezinhos valores não apenas do Estado democrático de Direito e suas garantias fundamentais, mas também da vida civilizada.
Como articulista, me causa muita estranheza ler artigos na grande mídia comercial nos quais colegas colocam a questão como se fosse algo em aberto, algo que coubesse um espaço razoável de dúvida face ao sistema de garantias de nossa Constituição e seu sistema de valores.
Ora, se por um lado textos normativos têm espaços de subjetividade interpretativa, que receberam diversos nomes nas diversas correntes do pensamento jurídico, de outra é inegável que há um campo de sentido objetivo em seus dizeres, aliás em qualquer dizer humano. Os sentidos das coisas não são criados subjetivamente do nada. São produtos de pactos intersubjetivos, se assim não fosse não haveria comunicação entre os homens.
Não vou aqui entrar em debates acadêmicos, mas sou daqueles que acreditam que o caso concreto, como fonte de elucidação do sentido da norma (que nunca tem inteireza de sentido em abstrato), não permite mais que uma solução adequada à luz do plano de valores posto na Constituição, como formulado por Dworkin.
Mas mesmo os que postulam pela maior amplitude possível de discrição subjetiva do intérprete da norma no caso concreto hão de concordar que, neste caso, nossa Constituição não deixa ao intérprete qualquer margem de manobra de sentido.
Mesmo o mais aferrado dos Kelsenianos concordará que nossa Constituição determina o principio da dúvida em favor do réu e que ele implica em decisão de inocência em empates de Cortes colegiadas, mesmo a Suprema, independentemente de qualquer norma regimental que possa ser tida em contrário.
Um seguidor estrito de Kelsen, com base no famoso capítulo VIII de sua Teoria Pura do Direito, alegará, contudo, que mesmo que a decisão do STF seja contrária à Constituição neste caso, considerando os réus culpados, será valida, pois ao juiz é dada a competência para, inclusive, decidir contra a lei, tratando-se a decisão judicial de ato de “politica jurídica”.
Este poder decisionista e arbitrário que Kelsen concede aos juízes em sua formulação teórica é o ponto que mais divirjo de seu pensamento, mas não vou aqui realizar este debate. Um texto jornalístico não é o lugar mais adequado para tanto.
Mas digo: mesmo este Kelseniano acrítico e estrito terá de reconhecer que a decisão do Supremo que conceda ao presidente da Corte voto de qualidade em caso de empate do plenário em ação penal para fins de condenar o réu contraria o disposto em nossa Constituição de forma intensa e frontal. Se o sistema jurídico absorveria como válida esta decisão inconstitucional da Corte é outro debate.
No plano político, creio ser inviável aceitar tamanha ofensa à Constituição em uma decisão de nossa Corte Suprema. Como cidadão, espero, sinceramente, que nosso Supremo Tribunal Federal não incorra neste gravíssimo equívoco.
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