Do Estadão
Em cartas endereçadas à empresa do Grupo
Alstom, em 1998, offshores pediram depósitos de 1,41 milhão de francos
franceses em bancos na Suíça
por Fausto Macedo
Documentos enviados pela Procuradoria da
França e pelo Ministério Público de Genebra aos investigadores
brasileiros do Caso Alstom – cartel na área de energia em São Paulo –
revelam operações de remessas de valores no total de 1,41 milhão de
francos franceses para contas bancárias na Suíça de titularidade de duas
offshores.
Investigadores brasileiros sustentam que
esses documentos reforçam as suspeitas de que as offshores MCA Uruguay
Ltd e Taltos Corporation Ltd serviram de canal de pagamentos de propinas
a agentes públicos da gestão Mário Covas (PSDB), em 1998.
Rastreamento bancário localizou o
destino final de parte dos valores que passaram pelas contas das
offshores. Os documentos que agora estão de posse dos investigadores
brasileiros são duas cartas, uma delas emitida pela MCA Uruguay Ltd no
dia 6 de outubro de 1998, a outra emitida pela Taltos Corporation Ltd.,
no dia 7 de outubro daquele ano.
A destinatária das correspondências é a
Cegelec, empresa que foi incorporada pela Alstom em meio às negociações
para o polêmico aditamento do contrato Gisel (Grupo Industrial para o
Sistema da Eletropaulo), orçado em US$ 45,7 milhões, em valores da
época.
As cartas foram apreendidas pelos procuradores franceses e pelo Ministério Público suíço.
A MCA solicitou o depósito de 144,1 mil
francos franceses em uma conta que ela mantinha no Union Bancaire
Privée, de Zurique. O valor seria relativo a “serviço de consulta e de
suporte local para o projeto Gisel da Eletropaulo”.
A Taltos Corporation, por sua vez, pediu
a transferência de 1,27 milhão de francos franceses para uma conta no
Banque Multi Commerciale, em Genebra, “representando a 1.ª parcela
Cegelec dos nossos honorários”.
O Ministério Público brasileiro e a
Polícia Federal estão convencidos de que esses valores não eram
relativos à consultoria e depois migraram para contas de agentes
públicos de São Paulo, na ocasião.
A propina teria sido paga no âmbito de
um contrato da Empresa Paulista de Transmissão de Energia (EPTE),
estatal ligada à Secretaria de Energia. A Alston pretendia aditar
contrato de 1983 para a cessão de equipamentos para três subestações de
energia.
A França enviou um terceiro documento ao
Brasil. É um manuscrito, de André Botto, ex-diretor comercial da
Alstom, para Bernard Metz, também executivo da multinacional francesa.
Botto se refere a um telefonema que havia dado a Metz. Fala em
“remunerações elevadas”, sobre a “instrução do dossiê” e a “remuneração
que será objeto de um acordo de aproximadamente 7,5 (%)”.
“Trata-se da remuneração para o poder
político vigente”, escreveu Botto. “Ela é negociada por intermédio de um
ex-secretário do governo (RM). Ela cobre: as finanças do partido, o
Tribunal de Contas, a Secretaria de Energia.”
O Ministério Público brasileiro não tem
dúvidas de que R.M. são as iniciais de Robson Marinho, ex-secretário
chefe da Casa Civil do governo Covas, hoje conselheiro do Tribunal de
Contas do Estado.
Já como conselheiro de contas, Marinho
deu parecer favorável ao aditamento do contrato Gisel. Em 2010, a
Promotoria de Defesa do Patrimônio Público e Social, braço do Ministério
Público de São Paulo, ingressou na Justiça com ação cautelar de
sequestro de bens de Marinho, inclusive valores que ele manteria
depositados na Suíça, em montante estimado de US$ 5,5 milhões. Marinho
nega enfaticamente possuir contas naquele país europeu.
No inquérito do Caso Alstom, a Polícia
Federal assinala que o aditamento do contrato Gisel possibilitou em 13
de maio de 1998 que a empresa estatal EPTE obtivesse crédito no exterior
junto ao banco francês Societé Generale no valor total de 269,5 milhões
de francos franceses, equivalentes a US$ 72,7 milhões, com a finalidade
de aquisição de equipamentos do Grupo Alstom.
Documento encaminhado por França e Suíça
mostra pedido de transferência de recursos que, segundo a PF, seriam
usados para propinas
Segundo inquérito da PF, o Ministério
Público da Suíça concluiu que “a contratação de empréstimo internacional
pela EPTE S.A. somente ocorreu porque o Grupo Alstom, na França, por
meio das empresas francesas Alstom T&D e Cegelec, idealizou um
esquema de pagamento de vantagens indevidas (subornos) para funcionários
públicos paulistas, justamente para recompensar os funcionários
públicos responsáveis pela aprovação da celebração do contrato de
crédito entre a EPTE e o banco francês, com declaração de
inexigibilidade de licitação”.
A PF é taxativa. “O esquema de pagamento
foi montado com interpostas pessoas que constituíram empresas offshores
no exterior e conta no nome delas, com o fim de receber recursos das
empresas francesas Alstom T&D e Cegelec, para depois repassa-los aos
beneficiários finais, servidores públicos do governo do Estado de São
Paulo em 1998, responsáveis de fato pela aprovação da referida tomada de
crédito.”
A PF menciona a MCA Uruguay, a Taltos e
outras duas offshores. “O meio criminoso utilizado foi a simulação de
prestação de serviços de consultoria entre as empresas do Grupo Alstom e
as empresas offshore, MCA Uruguay, administrada por Romeu Pinto Junior,
Taltos Ltd, administrada por José Geraldo Villas Boas; Splendore Y
Associados Desenvolvimento Econômico, administrada por Jean Marie
Lannelongue; e Andros Management Ltd, administrada por Jean Pierre
Charles Antoine Courtadon.”
Jean Pierre Courtadon rechaça com
veemência a suspeita sobre sua conduta. “Minha função (na Cegelec) era
de negociar e obter importantes contratos de usinas de produção de
energia, subestações, linhas de transmissão, etc, e principalmente obter
financiamento para a viabilização destes contratos.”
Por meio de nota, a Alstom manifestou
“veemente repúdio quanto a insinuações de que possui política
institucionalizada de pagamentos irregulares para obtenção de
contratos”. A empresa disse lamentar que “o conteúdo de investigações
sobre supostas condutas ocorridas há quase 20 anos, que por obrigação
legal deveriam ser tratadas de forma sigilosa, venham a ser utilizado de
forma reiterada e desproporcional nos dias de hoje com o intuito de
denegrir a imagem de uma empresa que cumpre com todas as suas obrigações
legais”.
Leia a íntegra e a tradução dos documentos que a França e a Suíça enviaram ao Brasil:
MCA URUGUAY LTD.
FATURA Nº. GIS/98/001-MC
Para: CEGELEC
2 quai MICHELET
92.309 LEVALLOIS – PERRET-FRANÇA
Data: 06/10/98
DESCRIÇÃO DE SERVIÇOS
Serviço de consulta e de suporte local para o projeto da subestação Gisel da Eletropaulo, de conformidade com o termo do contrato celebrado entre a Cegelec e a MCA Uruguay, ref.: TL-EPTE Nº 980610 assinado em 28 de agosto de 1998.A quantia acima será paga em US dólares à conta abaixo:
UNION BANCAIRE PRIVÉE
BAHNHOF STRASSE, 20
QUANTIA TOTAL DEVIDA: FRF 144.164 (cento e quarenta e quatro mil cento e sessenta e quatro francos francesas).
8022 – ZURICH
TEL.: 41 12196111
BENEFICIÁRIO: MCA URUGUAY LTD
ATTENTION: MARIA RODRÍGUEZ
Assinado
MCA Uruguay Ltd.
Vanterpool Plaza, 2nd Floor, Wickhams Cay I, Road Town
Tortola, British Virgin Islands
FATURA Nº. GIS/98/001-MC
Para: CEGELEC
2 quai MICHELET
92.309 LEVALLOIS – PERRET-FRANÇA
Data: 06/10/98
DESCRIÇÃO DE SERVIÇOS
Serviço de consulta e de suporte local para o projeto da subestação Gisel da Eletropaulo, de conformidade com o termo do contrato celebrado entre a Cegelec e a MCA Uruguay, ref.: TL-EPTE Nº 980610 assinado em 28 de agosto de 1998.A quantia acima será paga em US dólares à conta abaixo:
UNION BANCAIRE PRIVÉE
BAHNHOF STRASSE, 20
QUANTIA TOTAL DEVIDA: FRF 144.164 (cento e quarenta e quatro mil cento e sessenta e quatro francos francesas).
8022 – ZURICH
TEL.: 41 12196111
BENEFICIÁRIO: MCA URUGUAY LTD
ATTENTION: MARIA RODRÍGUEZ
Assinado
MCA Uruguay Ltd.
Vanterpool Plaza, 2nd Floor, Wickhams Cay I, Road Town
Tortola, British Virgin Islands
Bureaux: 1, rue de la Tour de l’I
1204 – Genève Suisse
Genebra, 07 de outubro de 1998
CEGELEC
2, Quai Michelet
92309 LEVALLOIS PERRET
Ref: Acordo de consultoria CEGELEC/TALTOS
Prezados Senhores,
Dando seguimento ao nosso acordo de 1º de dezembro de 1997 e aos seu Aditamento de 30 abril 1998, seríamos muito gratos se os Srs. depositassem gentilmente na nossa conta no
Banque Multi Commerciale
1, rue de la Tour de l’ Ile
1204 – Genève Suissse
compte # 18658 ref. TALTOS
o montante de FF 1.279.357,00 (Um milhão duzentos e setenta e nove mil trezentos e cinquenta e sete francos) representando a 1ª parcela Cegelec dos nossos honorários.
Com os nossos vivos agradecimentos,
Respeitosamente
(assinatura)
1204 – Genève Suisse
Genebra, 07 de outubro de 1998
CEGELEC
2, Quai Michelet
92309 LEVALLOIS PERRET
Ref: Acordo de consultoria CEGELEC/TALTOS
Prezados Senhores,
Dando seguimento ao nosso acordo de 1º de dezembro de 1997 e aos seu Aditamento de 30 abril 1998, seríamos muito gratos se os Srs. depositassem gentilmente na nossa conta no
Banque Multi Commerciale
1, rue de la Tour de l’ Ile
1204 – Genève Suissse
compte # 18658 ref. TALTOS
o montante de FF 1.279.357,00 (Um milhão duzentos e setenta e nove mil trezentos e cinquenta e sete francos) representando a 1ª parcela Cegelec dos nossos honorários.
Com os nossos vivos agradecimentos,
Respeitosamente
(assinatura)
de 21/10 de 1997
Em continuação ao meu telefonema destinado a conhecer a situação da confirmação pela GA dos nossos compromissos assumidos em nomes deles com relação a….. para o projeto GISEL adendo ??? X, a situação é a seguinte:
1) Levando em consideração as remunerações elevadas
GA T and D (Mahler) deve receber o aval da sede: Bilger via E. Dé
Este procedimento está em andamento.
2) Para concluir a instrução do dossiê
GA desejava alguns detalhes sobre a remuneração que será objeto de um acordo de aproximadamente 7,5
Minha resposta foi a seguinte:
“Trata-se da remuneração para o poder político vigente.
Ela é negociada por intermédio de um ex-secretário do governo (RM)
Ela cobre:
- as finanças do partido
- o Tribunal de Contas
- a Secretaria de Energia
Pedi que a identidade do intermediário não fosse comunicada à “organização GA do Brasil”.
3) Tratando-se de “consultancy agreements”confirmei que eram estabelecidos com base num modelo do tipo G.A. Y Grandejean ficou igualmente preocupado com as modalidades de pagamento previstas.
Em continuação ao meu telefonema destinado a conhecer a situação da confirmação pela GA dos nossos compromissos assumidos em nomes deles com relação a….. para o projeto GISEL adendo ??? X, a situação é a seguinte:
1) Levando em consideração as remunerações elevadas
GA T and D (Mahler) deve receber o aval da sede: Bilger via E. Dé
Este procedimento está em andamento.
2) Para concluir a instrução do dossiê
GA desejava alguns detalhes sobre a remuneração que será objeto de um acordo de aproximadamente 7,5
Minha resposta foi a seguinte:
“Trata-se da remuneração para o poder político vigente.
Ela é negociada por intermédio de um ex-secretário do governo (RM)
Ela cobre:
- as finanças do partido
- o Tribunal de Contas
- a Secretaria de Energia
Pedi que a identidade do intermediário não fosse comunicada à “organização GA do Brasil”.
3) Tratando-se de “consultancy agreements”confirmei que eram estabelecidos com base num modelo do tipo G.A. Y Grandejean ficou igualmente preocupado com as modalidades de pagamento previstas.
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