quinta-feira, 6 de março de 2014

MÍDIA - O jornal como conversa ou como discurso?


O jornal como conversa ou como discurso?

Por Carlos Castilho

Depois do surgimento do fenômeno das redes sociais, a produção de informações tornou-se um processo cada vez mais parecido com uma conversa entre indivíduos que fazem e recebem notícias. Trata-se de uma mudança importante e inédita na comunicação de massa, porque o público passa a ser protagonista das notícias – não como entrevistado, vítima ou herói, mas como colaborador.

A transformação do jornalismo em grande conversa entre profissionais e o público só não é mais rápida porque tanto um lado como o outro ainda não se deram conta das reais dimensões da mudança. Os jornalistas resistem à perda do controle do fluxo das informações porque foram treinados para dizer para as pessoas o que eles acham importante elas saberem ou não saberem. Como o público também foi educado no sistema um para muitos, ele não sabe que pode participar da produção de informações.
Até agora, o jornalista fazia um discurso descrevendo fatos, eventos, objetos e processos que eram transmitidos em sistema de mão única na forma de notícias para milhares de leitores, ouvintes e telespectadores. Por isso, ainda desconhecem a maior parte das vantagens da coprodução de informações junto com o público.
A institucionalização da conversa ou sistema de mão dupla na relação entre jornalistas e público é inevitável porque os profissionais não conseguem mais dar conta do cada vez mais intenso fluxo de informações circulando na internet.
Os jornais, por exemplo, tem cada vez mais dificuldade para funcionar como filtros de notícias porque não conseguem captar contextos sociais, econômicos, políticos, culturais e psicológicos cada vez mais complexos. Por mais competente que seja o editor, é muito complicado escrever sobre a crise na Ucrânia porque são muitas as variáveis em jogo e quase todas elas desconhecidas por nós, brasileiros.
Assim, em vez de assumir a quase impossível tarefa de entender para explicar a crise venezuelana, por exemplo, o mais eficiente seria compartilhar esta responsabilidade com cidadãos venezuelanos, onde o jornalista brasileiro seria uma espécie de mediador e identificador de fatos, eventos ou dados que possam ajudar o público brasileiro a entender o que está acontecendo no país vizinho.
Não é uma tarefa fácil porque dificilmente um único órgão da imprensa conseguirá sozinho explicar crises complexas – pois ele tenderá, naturalmente, a privilegiar abordagens com as quais simpatiza. Para que a diversidade da situação possa ser compreendida pelo público é inevitável que a conversa envolva a participação de mais de um veículo de comunicação jornalística.
Princípios como a diversidade de perspectivas, a mediação isenta e a objetividade já integram os manuais de Redação, sendo praticados com maior ou menor intensidade em todas elas. A diferença é que os jornalistas e os veículos assumiam que podiam fazer a síntese de tudo para oferecer um produto único, de forma unidirecional para muitas pessoas.
Hoje, a situação se tornou muito mais complexa: além de os veículos, individualmente, não poderem mais ter pretensões a esta síntese, eles precisam do público e até mesmo dos concorrentes para produzir informação dentro das exigências contidas em seus manuais de Redação. Na verdade, estamos falando de várias conversas. Entre uma Redação e seu público, entre os veículos porque o que um descobre pode ser fundamental para a investigação que outro desenvolve, e entre o próprio público, por meio das redes sociais, blogs, chats e micromensagens.
Quanto mais rápida for a substituição do jornalismo/discurso pelo jornalismo/conversa, maior o benefício para todos, profissionais e público, porque a colaboração ocupará espaços tomados hoje pela concorrência entre redações, empresas e as audiências. A competição feroz está diretamente associada ao formato do discurso porque visa oferecer um produto apresentado como único e melhor do que todos os demais do gênero. Só que este produto não é sabão, e sim notícias, cuja importância depende do contexto, algo imaterial e que não pode ser representado em sua plenitude por uma fotografia, desenho, filme ou gráfico.
Até agora, jornalistas e órgãos da imprensa podiam individualmente tentar reconstruir minimamente os contextos de acontecimentos relevantes e complexos. O número de dados disponíveis e as expectativas do público eram reduzidos. Hoje a situação mudou radicalmente e não há mais como aplicar métodos, equipamentos e valores da era analógica na era digital.

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