Não compre nada do Parente. Vai ser tudo renacionalizado!
Costa e Bercovici mostram como botar o Parente em cana!
publicado
08/05/2017
Os Aproveitadores, os Entreguistas e a Receptação Internacional
José Augusto Fontoura da Costa
Professor de Direito Internacional da Faculdade de Direito da USP
Gilberto Bercovici
Professor de Direito Econômico da Faculdade de Direito da USP
Desde a retirada da Petrobrás como operadora única do
pré-sal (Lei nº 13.365, de 29 de novembro de 2016), os ativos da
empresa estatal vêm sendo vendidos sem licitação, como determina a
legislação brasileira (Plano Nacional de Desestatização e o artigo 29 da
Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016). A Petrobrás não precisa vender
ativos para reduzir seu nível de endividamento. Ao contrário, na medida
em que vende ativos ela reduz sua capacidade de pagamento da dívida no
médio prazo e desestrutura sua cadeia produtiva, em prejuízo à geração
futura de caixa, além de assumir riscos empresariais desnecessários. O
plano da Petrobrás tem viés de curtíssimo prazo e ignora a essência de
uma empresa integrada de energia que usa a verticalização em cadeia para
equilibrar suas receitas, compensando a inevitável variação do preço do
petróleo, de seus derivados e da energia elétrica, característica
essencial para minimizar os riscos empresariais. Na medida em que a
Petrobrás seja fatiada, o agente privado tende a buscar o lucro máximo
por negócio, majorando os custos ao consumidor, o que restringe o
crescimento do mercado interno.
Não bastasse a ausência de licitação, a venda
de ativos da Petrobrás vem ocorrendo a preços bem abaixo dos preços de
mercado, como é notório exemplo a venda do campo de Carcará para a
empresa estatal norueguesa Statoil por cerca de US$ 2,5 bilhões, quando
valeria várias vezes mais.
Deve ficar claro, no entanto, que
aproveitadores que adquirem o patrimônio nacional a preço vil e
conscientes da anormalidade da situação política e da patente
ilegitimidade do governo podem ter que devolver o que compraram sem
qualquer direito a indenização.
Imagine-se na singela situação de, em uma
esquina da Praça da Sé, adquirir um Rolex novo e legítimo pela quantia
de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Obviamente o preço não é compatível
com a normalidade do mercado e a compra não se deu de um vendedor
autorizado.
O direito penal dá nome e sobrenome a esta operação: receptação culposa. In verbis:
“adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção
entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve
presumir-se obtida por meio criminoso” (Código Penal, Art. 180, § 3º). O
direito civil qualifica a posse como de má fé. Alguns dos mais
celebrados princípios jurídicos também são desrespeitados, em particular
o de que nemo auditur propriam turpitudinem allegans, ou seja, o de que ninguém pode se aproveitar de sua própria torpeza.
Do ponto de vista moral e ético, bem como dos
fundamentos de justiça que orientam o direito, tal circunstância não
difere daquela protagonizada por empresas estrangeiras que vêm
adquirindo, depois do golpe de 2016, recursos do povo brasileiro. Os
preços pagos são incompatíveis com o mercado e a situação institucional e
política não é exatamente daquelas que inspiram confiança, muito menos
certeza.
O que está ocorrendo com a Petrobrás e outros
ativos estatais estratégicos (fala-se até na privatização dos Correios,
de satélites, concessões de lavra mineral em terras indígenas ou de
fronteira, etc.) pode, portanto, ser equiparado ao crime de receptação.
Afinal, um bem público foi subtraído do patrimônio público de forma
ilegal, sem licitação, e vendido a preço vil, por um preço que é vinte
por cento do valor de mercado. A empresa compradora obviamente sabe que
está adquirindo um ativo valiosíssimo por vinte por cento do preço e sem
concorrência pública. Ou seja, não há nenhum terceiro de boa-fé
envolvido neste tipo de negócio.
Os denominados “investidores estrangeiros”
pelos entreguistas mais rasteiros e aclamados por inúmeros sabujos
midiáticos como dotados de poderes de gestão que jamais reles
brasileiros ou o Poder Público terão não podem ser tidos como ignorantes
ou inocentes. Não é possível que tão tarimbados e capacitados
negociantes tenham comprado a Torre Eiffel de um golpista qualquer. São o
que são: aproveitadores, abutres, hienas.
Do ponto de vista jurídico é possível, claro,
construir teses e apontar bases legais para uma eventual proteção desses
capitais. Não são defesas robustas, mas quem já não viu a loteria da
distribuição fazer do quadrado, redondo. Da perspectiva moral salta aos
olhos a óbvia repulsa pelas atitudes que, em busca de lucro fácil,
fingem não ver os mais evidentes vestígios de fraude. Por fim, sempre há
alarde em torno da possível perda de reputação do país e do futuro
possível temor de se investir no Brasil. No entanto, uma vez expostas as
circunstâncias da retomada do patrimônio nacional fica delineada a
clara repulsa pelo oportunismo deslavado, o que é perfeitamente
compatível com as boas vindas e a proteção ao investimento estrangeiro
que ingressa e se emprega honestamente. Não é um bom recado para os que
entram em nossa casa?
Há regras e argumentos mais do que suficientes
para apoiar, com clareza, a tese de que tais “investimentos” não são
mais do que aventuras sabidamente à margem da ética e do Direito. Há,
para tanto, apoio tanto no ordenamento brasileiro, quanto nos padrões
internacionais de proteção de investimentos. A rigor, as posições
jurídicas não podem ser transferidas nessas condições, as operações não
são válidas, nem podem ser eficientes.
Por conseguinte, a nacionalização de tais
ativos não pode ser equiparada a qualquer forma de desapropriação,
expropriação ou confisco. Não se pode tirar algo de quem não é
possuidor, dono ou titular. A exploração de recursos nacionais e outros
benefícios abocanhados ao arrepio da lei está longe de ter fundamento
jurídico. É de natureza precária e ilegítima. É também injusta.
Consequentemente, não há qualquer dever do
Estado de indenizar de maneira pronta e eficaz, a partir do valor de
mercado anterior ao anúncio da desapropriação. Há, se tanto, a pretensão
a receber os valores escriturais efetivamente pagos, de modo a evitar
que o Estado se beneficie de vantagens ilegítimas. De tais montantes,
por óbvio, é perfeitamente razoável abater quaisquer lucros que o
possuidor ilegítimo tenha auferido.
É importante lembrar, por fim, que, como na
receptação culposa do exemplo, as circunstâncias gritam alto. Tão alto
que o pagamento de preço vil é indissociável de assumir o risco da
perda. A História nos mostra que quem compra bens públicos estratégicos
corre sempre o risco de uma renacionalização. Quem compra bens públicos
estratégicos a preços deliberadamente defasados, pode ter a certeza de
que a renacionalização daqueles ativos virá, bem como a
responsabilização tanto dos aproveitadores como dos entreguistas e seus
cúmplices.
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